Cumprindo pena de nove anos, oposicionista russo encara seu primeiro processo abertamente político, por extremismo e seis outros crimes. Sentença paralela do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é sinal de apoio ao réu.
Anúncio
O Tribunal Municipal de Moscou começa nesta segunda-feira (19/06) a examinar um novo processo contra o líder oposicionista Alexei Navalny. Entre as sete acusações por que ele responde, consta "extremismo", como definido pelo Código Penal da Rússia, emendado em 2022.
O julgamento se realiza na colônia penal da região de Vladimir, a leste da capital, onde o político de 47 anos já serve pena de nove anos por fraude e desacato ao tribunal. Ele próprio afirmou que está sujeito a até 30 anos de cárcere, com base nas novas acusações.
Os associados de Navalny também temem um veredito severo: "Partimos do princípio que o inquérito vai terminar relativamente rápido, e que Alexei será, de fato, condenado a uma inimaginável pena de cerca de 30 anos", explicou a porta-voz do ativista, Kira Yarmysh.
Ela antecipa que os apoiadores do ativista anticorrupção consideram "ilícitos todos os vereditos possíveis, e que o processo todo é fabricado do início ao fim": "Então claro que vamos fazer de tudo para que o mundo inteiro fique sabendo, inclusive através de atos de protesto."
Outro aliado do ativista russo, Leonid Volkov, também conta com uma sentença dura, mas enfatiza que o novo processo é diferente dos demais, devido a seu caráter exclusivamente político.
"Antes, o Kremlin tentava dizer: 'Sim, ele é só um vigarista, roubou toda a floresta, toda a correspondência, todas as doações, é só um ladrão.' Então tentaram o máximo possível transformar num julgamento de fachada", explicou Volkov no podcast da DW em idioma russo Novosti Show. "Agora, pela primeira vez, Navalny está sendo julgado por suas atividades políticas, que o Kremlin declarou retroativamente como extremistas desde 2011."
Jornalistas não são bem-vindos
No novo processo, que abarca 196 pastas, Navalny é acusado de violar simultaneamente sete artigos do Código Penal. Os itens incluem organização de uma comunidade extremista (sua Fundação Anticorrupção foi declarada "organização extremista" em 9 de junho de 2021); incitação pública ao extremismo; reabilitação do nazismo; e envolvimento de menores em atividades implicando perigo de vida (seus apelos a manifestações).
Anúncio
De acordo com a porta-voz Yarmysh, as atividades russas pretendem conduzir o inquérito do modo mais discreto possível, devido à "falta de provas", e tentaram escondê-lo do público.
A audiência preliminar foi adiada de 31 de maio para 6 de junho, e o local mudado do Tribunal de Moscou para a colônia penal de Vladimir. Na véspera, Volkov predisse que o processo não seria público, mas "tão fechado quanto possível": "Só nos dirão o veredito. O Kremlin tudo fará para que nenhuma informação vaze."
Após a sessão preliminar, contudo, os juízes marcaram a primeira audiência propriamente dita para 19 de junho, com a presença de jornalistas. Porém na última sexta-feira a corte divulgou que a imprensa não teria acesso direto ao local, podendo acompanhar a transmissão dos procedimentos a partir de uma sala especial. Entretanto no último processo contra Navalny a recepção foi periodicamente interrompida e, durante as últimas palavras do réu, simplesmente desligada.
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos do lado de Navalny
No dia da audiência preliminar, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) de Estrasburgo anunciou seu veredito sobre uma queixa apresentada pelos advogados de Navalny em agosto 2020, relativa à recusa das autoridades russas de investigar o envenenamento do oposicionista naquele mesmo ano.
O TEDH concluiu que a Rússia violara a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a condenou a pagar 40 mil euros (R$ 211 mil) ao réu. A quantia originalmente exigida, de 300 mil euros, foi considerada excessiva.
Na prática, será provavelmente impossível receber essa indenização, já desde meados de setembro de 2022 o país deixou de integrar o tribunal internacional e não reconhece mais suas decisões. Seis meses antes, Moscou já abandonara o Conselho da Europa.
Ainda assim, Yarmysh considera o veredito relevante: "Significa que o tribunal reconheceu que a vida de Alexei estava, de fato, em perigo, e que a culpa é da Federação Russa. Portanto trata-se claramente de uma decisão importante, do ponto de vista puramente da Justiça, e prova que os nossos advogados estavam certos, apesar da recusa das cortes russas de examinarem esses processos."
Além disso, segundo explicou um representante do Conselho da Europa à DW, a sentença significa que o TEDH pode considerar queixas contra a Rússia por violações dos direitos de cidadãos russos anteriores a meados de setembro de 2022.
Uma história de envenenamentos políticos
Há mais de um século, agências de inteligência usam o envenenamento para silenciar opositores. Vítima mais recente deste método teria sido Alexei Navalny. Substâncias utilizadas vão desde toxinas a agentes nervosos.
Foto: Imago Images/Itar-Tass/S. Fadeichev
Alexei Navalny
Em agosto de 2020, o líder da oposição russa Alexei Navalny foi levado às pressas para um hospital na Sibéria após passar mal num voo para Moscou. Seus assessores dizem que ele foi envenenado como vingança por suas campanhas anticorrupção. O ativista foi transferido em coma para a Alemanha dias depois, onde exames confirmaram o envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novichok.
Foto: Getty Images/AFP/K. Kudrayavtsev
Pyotr Verzilov
Em 2018, o ativista russo-canadense Pyotr Verzilov ficou em estado grave após ter sido supostamente envenenado em Moscou. Tudo aconteceu logo após ele ter dado uma entrevista na TV criticando o sistema jurídico russo. Verzilov, porta-voz não oficial da banda Pussy Riot, foi transferido para um hospital em Berlim, onde os médicos disseram ser "muito provável" que ele tenha sido envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass/A. Novoderezhkin
Sergei Skripal
Também em 2018, Sergei Skripal, um ex-espião russo de 66 anos, foi encontrado inconsciente num banco do lado de fora de um shopping na cidade britânica de Salisbury após ser exposto ao agente nervoso Novichok. Na época, o porta-voz de Moscou, Dmitry Peskov, chamou a situação de "trágica" e disse que não tinha "informações sobre qual poderia ser a causa" do incidente. Skripal sobreviveu ao ataque.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass
Kim Jong Nam
O meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong Un, foi morto em 13 de fevereiro de 2018 no aeroporto de Kuala Lumpur, depois que duas mulheres supostamente espalharam o agente químico nervoso VX em seu rosto. Num tribunal da Malásia, foi revelado que Kim Jong Nam carregava uma dúzia de frascos de antídoto para o agente nervoso mortal VX em sua mochila no momento do ataque.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Kambayashi
Alexander Litvinenko
O ex-espião russo Litvinenko trabalhou no Serviço de Segurança Federal (FSB), em Moscou, antes de desertar para o Reino Unido, onde escreveu dois livros cheios de acusações contra o FSB e Vladimir Putin. Ele adoeceu após se encontrar com dois ex-oficiais da KGB e morreu em novembro de 2006. Um inquérito descobriu que ele foi envenenado com polônio-210, que teriam colocaram em seu chá.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kaptilkin
Viktor Kalashnikov
Em novembro de 2010, médicos do hospital Charité detectaram altos níveis de mercúrio num casal de dissidentes russos que trabalhava na capital alemã. Kalashnikov, um jornalista freelancer e ex-coronel da KGB, tinha 3,7 microgramas de mercúrio por litro de sangue, enquanto sua esposa tinha 56 microgramas. Um nível seguro é de 1-3 microgramas. Kalashnikov acusou Moscou de tê-los envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/RIA Novosti
Viktor Yushchenko
O líder da oposição ucraniana Yushchenko adoeceu em setembro de 2004 e foi diagnosticado com pancreatite aguda causada por uma infecção viral e substâncias químicas. A doença resultou em desfiguração facial, com marcas parecidas com a de varíola, inchaço e icterícia. Os médicos disseram que as mudanças em seu rosto foram causadas pela cloracne, que é resultado do envenenamento por dioxina.
Foto: Getty Images/AFP/M. Leodolter
Khaled Meshaal
Em 25 de setembro de 1997, a agência de inteligência de Israel tentou assassinar Khaled Meshaal, líder do Hamas, sob ordens do premiê Benjamin Netanyahu. Dois agentes espalharam uma substância venenosa no ouvido de Meshaal quando ele entrou nos escritórios do Hamas em Amã, na Jordânia. A tentativa de assassinato fracassou e, não muito depois, os dois agentes israelenses foram capturados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Sazonov
Georgi Markov
Em 1978, o dissidente búlgaro Markov aguardava num ponto de ônibus após um turno na BBC quando sentiu uma pontada forte na coxa. Ele se virou e viu um homem segurando um guarda-chuva. Uma pequena saliência apareceu onde ele sentiu a pontada e quatro dias depois ele morreu. Uma autópsia descobriu que ele havia sido morto por um pequeno projétil contendo uma dose de 0,2 miligrama de ricina.
Foto: picture-alliance/dpa/epa/Stringer
Grigori Rasputin
Em dezembro de 1916, o curandeiro místico e espiritual Rasputin chegou ao Palácio Moika, em São Petersburgo, a convite do Príncipe Félix Yussupov. Lá, o princípe ofereceu a Rasputin bolos contaminados com cianeto de potássio, mas nada aconteceu. Yussupov então deu a ele vinho em taças com cianeto, mas Rasputin seguiu bebendo. Diante da ineficácia do veneno, Rasputin foi morto a balas.