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Por que elas estão indecisas?

Fernanda Pugliero
26 de setembro de 2018

Pesquisas sugerem que até metade das mulheres ainda tem o voto em aberto. Uma parcela do eleitorado que, apesar de estar no centro do debate público e ser decisiva no pleito, ainda tem dificuldade de se ver representada.

Brasilien, Sao Paulo: Demonstration für Verbesserung an staatlichen Schulen
Mulher protesta contra a reforma no currículo do Ensino Médio, em setembro de 2018, na Avenida Paulista, em São PauloFoto: picture-alliance/D. Oliveira

Maioria do eleitorado (52,5%), as mulheres também são a fatia mais indecisa e resistente na hora de escolher quem será o próximo presidente do país. Segundo a última pesquisa Ibope, divulgada na segunda-feira (25/9), quando questionadas sobre em qual candidato votariam se a eleição fosse hoje, 8% disseram não saber, e 15% afirmaram que marcarão branco ou anularão o voto no primeiro turno das eleições.

Não há explicações que apontem o motivo que leva as mulheres a formarem, tradicionalmente, o último grupo a decidir o voto, mesmo quando a pesquisa é estimulada (na qual o entrevistador apresenta o nome dos candidatos ao entrevistado). Enquanto 23% do eleitorado feminino está indeciso, apenas 13% dos homens não sabem (4%) ou apontam nulo ou branco como opção (9%).

Na última pesquisa Datafolha, publicada no dia 20 de setembro, ao responder de forma espontânea (quando o entrevistador não apresenta as opções de voto ao entrevistado) para presidente, 51% delas revelaram não ter candidato (38% disseram não saber e 13% afirmaram que votarão branco ou nulo).

Ao mesmo tempo em que é um dos focos do debate público, a mulher segue sub-representada na esfera política, e há poucas propostas que atendam diretamente a demandas básicas, como garantir que recebam o mesmo salário que um homem ao exercer função semelhante. Mais que isso, nesta eleição elas temem perder direitos conquistados.

"As mulheres têm demorado a anunciar sua adesão a candidaturas por várias razões, mas isso não significa que elas estejam demorando a formular suas escolhas. Inclusive, a demora em definir os representantes pode ser um indício de que as mulheres estejam formulando escolhas políticas", avalia Cibele Cheron, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Mulher e Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Apesar do mesmo gênero, as mulheres devem ser percebidas como um grupo heterogêneo na hora de votar. As necessidades, interesses e prioridades delas variam em função da classe social, etnia, região em que vivem, escolaridade, idade e sexualidade.

"A complexidade, assim reconhecida, faz com que as mulheres possam perceber que os mecanismos de representação política falham. Há uma diferença grande entre representação e representatividade, e é na falta de representatividade que as falhas da representação vêm aparecendo", aponta.

Sobre a dificuldade de escolher o próximo presidente, ela aponta uma contradição: a maior parte do eleitorado brasileiro é composta por mulheres, enquanto o Brasil tem o pior percentual de representação feminina da América do Sul. "Embora as eleitoras reconheçam a necessidade de ampliar a presença feminina nos espaços políticos institucionais, defendendo pautas compartilhadas por mulheres, a definição dos candidatos ou candidatas é feita tendo em vista construções identitárias", explica.

Em outras palavras: não é pelo simples fato de ser mulher (ou negro ou LGBTQ+) que o indivíduo automaticamente se identifica com questões ligadas ao grupo social que, conforme estereotipação naturalizada, ele compõe.

Se todas as eleitoras brasileiras resolvessem votar no mesmo candidato, as eleições poderiam estar decididas já no primeiro turno. O mesmo não ocorreria se os homens, que correspondem a 47,5% do eleitorado, tomassem tal decisão e votassem em conjunto. "Nenhum partido pode dar-se o privilégio de ignorar esse enorme contingente capaz de decidir uma eleição. A tendência é que elas vão decidir, mesmo que de última hora, pelos programas que as representem e as façam sentir plenamente incluídas nas plataformas de governo", opina Marina Giongo, especialista em Gênero e Sexualidade e doutorando em Ciência Política.

Ela salienta o fato de a mulher ter sido colocada no centro do debate político atual em vista dos polêmicos posicionamentos de um dos candidatos da corrida. "Essa efervescência vista nos movimentos organizados a partir da internet, como a hashtag '#elenão' e os protestos marcados para 29 de setembro, mobilizam mulheres em várias partes do mundo, além de englobar grupos sociais tradicionalmente marginalizados na sociedade civil", avalia.

O fator Bolsonaro

Um dos motivos para indecisão poderia ser que as candidaturas presidenciáveis não apresentam uma plataforma que as beneficie ou que elas estão indecisas porque vão atrás dos programas de governo dos candidatos, são mais criteriosas na escolha e demorariam mais para avaliar em quem votar. Ibope e Datafolha não perguntam as razões, só apontam um percentual.

"Para entender o comportamento eleitoral da mulher, temos que entender que o comportamento dos cidadãos é cada vez mais distinto. É uma sociedade tão complexa que dizer 'o voto da mulher ou a participação da mulher' já é um equívoco", afirma Silvana Krauser, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ex-bolsista da Fundação Konrad Adenauer.

Variáveis como renda, escolaridade e identidade religiosa intervém mais do que o gênero na hora decidir o voto, comenta. "Nesta eleição, temos um fenômeno interessante. Um candidato está tendo enorme dificuldade de romper e potencializar o voto de preferência das mulheres", destaca Silvana, referindo-se a Jair Bolsonaro (PSL). "Outro agravante é que, na última eleição presidencial, tivemos uma vitória muito polarizada, e o que decidiu a eleição foram 3%. Num momento altamente polarizado como nosso, a diferença entre os candidatos é muito pouca", completa.

O "fator Bolsonaro" é o que, na opinião de Silvana, acentua a polarização feminina. “É uma eleição diferenciada no sentido do debate do espaço da mulher porque Bolsonaro entrou”, explica. Em outras palavras, isso quer dizer que pode haver mulheres antipetistas com muita dificuldade em votar nele por conhecerem o histórico de declarações de cunho sexista do candidato. "Uma parte das mulheres pode estar indecisa porque não gostaria de votar em Fernando Haddad, mas também não gostaria de votar em Bolsonaro por causa dos comentários dele acerca do gênero feminino”, exemplifica.

Ao mesmo tempo em que se observa uma rejeição ao PT, observa-se que a opção presidenciável de centro não convenceu. “Pensei que, neste ano, teríamos uma candidatura de centro, mas é um espaço que não foi ocupado. O PSDB entrou no conto da sereia”, avalia a professora de Ciências Políticas. Para ela, o problema do PT não é Haddad. “Mesmo ele não sendo um cara agressivo e com penetração em uma classe média bem educada, há um perfil que não vota nele por causa do antipetismo”, opina.

Homens brancos e heteros

É grande a probabilidade de o próximo presidente do Brasil ser um homem, branco, declaradamente heterossexual, casado e na faixa dos 50 anos. Características do grupo social que menos preconceito sofre no país e no mundo. Dos cinco candidatos melhores colocados nas últimas pesquisas de intenção de voto, quatro têm esse perfil. A exceção é Marina Silva (Rede). Uma das hipóteses para a indecisão feminina na hora de escolher o futuro presidente poderia ser o fato que elas não se sentem representadas pelas opções postas.

Rodrigo Stumpf González, também professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, discorda. "A representação não é simplesmente um espelho das características pessoais do eleitor, mas inclui expectativas pessoais e uma disponibilidade limitada de candidatos, cuja escolha é feita pelos partidos e atendendo a expectativas de seus filiados ou direção partidária", afirma. "O fato de os candidatos apontados como preferidos serem homens brancos deve ser equalizado, pois as propostas e visões de mundo parecem ser muito divergentes", complementa.

O fato de o perfil da esmagadora maioria das candidaturas ser de homens (68,3%) brancos (53%) casados (61%) tampouco é algo novo. Todos os presidentes brasileiros, com exceção de Dilma Rousseff (PT), incluindo os militares, atendiam a essas características. Isso, diz González, representa uma dominância masculina na política que, apesar de ter diminuído, ainda não desapareceu.

A novidade é a maior presença de candidatas à vice-presidência em chapas com maior expectativa de votos. Com exceção de Bolsonaro, as outras candidaturas masculinas mais bem colocadas nas pesquisas têm uma mulher como vice, aponta González. Mas isso tem sido mais visto por alguns analistas como oportunismo político do que reflexo de um real avanço. 

Para ele, a predominância de indecisas no eleitorado feminino ocorre porque a atividade política ainda é vista como um espaço predominantemente masculino, mesmo entre as mulheres. Prova disso é a pouca adesão feminina ao fazer política.  Neste ano, apenas 31,7% das candidaturas correspondem a mulheres – pouco mais que o suficiente para cumprir a cota prevista em lei.

O Brasil ocupa a 152ª posição no ranking de representatividade feminina na Câmara dos Deputados, ficando atrás de países como Senegal, Etiópia e Equador, em um levantamento feito em 192 países e divulgado em março. Apenas 10,5% das vagas de deputados federais são ocupadas por mulheres.

A tendência é esse percentual se manter com pouca variação, já que são recorrentes os casos de candidaturas-laranja (registradas apenas para cumprir exigência da Justiça Eleitoral) ou candidaturas-poste (quando se elegem apenas porque o marido, pai ou outro parente é político influente).

"Embora a sociedade brasileira tenha se transformado nas últimas décadas, ela ainda mantém algumas características tradicionais como dominantes, como uma tolerância para discursos autoritários, em que discriminações como as de gênero e étnica são naturalizadas ou imputadas aos próprios grupos marginalizados, os culpando por sua sub-representação", finaliza o professor.

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