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EducaçãoBrasil

Por que escolas precisam de psicólogos e assistentes sociais

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
31 de março de 2022

Para muitos alunos da rede pública, colégios são sinônimo de medo, solidão e ansiedade. Uma lei recente traz esperança de que cada vez mais equipes multidisciplinares ajudem a dar atenção e acolhimento a estudantes.

"Sobrecarregados e exaustos, muitas vezes funcionários de colégios nem conseguem notar os casos em que o estudante precisa de atenção e/ou acolhimento. Quando notam, podem até tentar abordar a questão, mas não têm a qualificação necessária."Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

"Fiquei muito ansiosa, chorando, tremendo e com medo de perder ponto. Tive que ir para a coordenação." Foi assim que Yara, estudante da rede pública de Minas Gerais, se sentiu ao apresentar um trabalho. Ela era a líder de um grupo de sete pessoas, mas no dia da apresentação, metade faltou, e a outra metade disse que não iria apresentar. Ao chegar à coordenação, a orientação foi que Yara fosse a uma sala vazia para respirar e voltar para a fatídica aula da apresentação. O que ouviu do professor? Que a culpa era dela por ser uma líder ruim e que deveria ter estudado o conteúdo todo caso ocorresse algum imprevisto. Segundo ele, não apresentar era uma desculpa pela falta de responsabilidade. Após esse dia, ela ficou traumatizada em relação a fazer trabalho em grupo.

Casos assim acontecem frequentemente dentro de colégios de todo o país. Eles assumem diferentes formas: vão desde a falta de preparo para lidar com a ansiedade dos estudantes, como ocorreu com Yara, até mesmo a dificuldade de notar a necessidade de atenção e acolhimento.

Quero registrar que não estou culpando o corpo de funcionários do colégio. Não é sobre isso. Meu ponto é que casos do tipo escancaram a necessidade e a urgência de haver profissionais multinível, como psicólogos e assistentes sociais, dentro de nossas escolas públicas. Os funcionários do colégio já estão sobrecarregados e exaustos. Nesse contexto, muitas vezes, nem conseguem notar os casos em que o estudante precisa de atenção e/ou acolhimento. Quando notam, podem até tentar abordar a questão, mas não têm a qualificação necessária.

Funcionários se sentem sozinhos

Nossas escolas muitas vezes são, para muitos estudantes, sinônimo de medo, solidão e ansiedade. Já perdi a conta da quantidade de relatos que ouvi de coordenadores e professores sobre estudantes que eles sabem que se automutilam. Os profissionais se sentem impotentes e simplesmente não sabem como proceder. Também se sentem sozinhos, pois não têm o suporte necessário para lidar com os estudantes.

Débora, estudante de Goiás, se lembra de quando se juntou com outros amigos para orientar e acolher uma colega que tinha depressão e tentou suicídio no próprio colégio. Segundo ela, a escola não conseguiu lidar com a questão ou oferecer o suporte necessário. Assim, ela e os amigos sentiram a necessidade de tentar fazer algo a respeito.

Já Patrick, estudante de São Paulo, sofreu na pele a dor do bullying: "Teve uma vez um grupo de meninos que se juntou para me chamar de 'viado' e 'viadinho'. Eu nem sabia o que significava, mas me senti muito ofendido. Ninguém deu suporte: nenhum professor ou inspetor. Quem tentou me ajudar no dia foi minha própria prima." Ele até lembra de outras vezes que os professores tentaram impedir, mas segundo ele era "incontrolável". Ou seja: precisou aprender a lidar, aceitar e conviver com o bullying.

Pandemia atrasou implementação de lei

Eu poderia continuar relatando outros casos, mas trarei agora uma boa notícia: foi promulgada, em 11 de dezembro de 2019, a lei 13.935. Em seu primeiro artigo ela assegura que: "As redes públicas de educação básica contarão com serviços de psicologia e de serviço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais." 

Notem que não há definição de uma quantidade mínima desses profissionais, e é assegurada que suas contratações sejam para a rede e não que necessariamente em cada colégio haja uma equipe multiprofissional própria.

A lei, inclusive, definiu o prazo de um ano para que os sistemas de ensino tomassem as providências necessárias para o cumprimento da determinação. No entanto, a pandemia começou poucos meses após a promulgação da lei e teve efeito direto sobre as políticas públicas.

Segundo Karen Luise Souza, juíza no Rio Grande do Sul, após a promulgação da lei caberia aos Executivos estaduais e municipais adequar suas legislações, criar os cargos e fazer as contratações. No entanto, "é muito provável que a pandemia tenha tido efeito direto nas programações dos estados e municípios para a implementação", aponta.

"Para montar equipe multiprofissional, é necessário que haja profissionais qualificados de concurso público ou contratações eventuais. Sabemos que houve um corte de despesas em todos os níveis. Algumas políticas que chamamos de políticas de austeridade, que acontecem em situações de crise, tiveram impacto direto nos investimentos de estados e municípios", diz a juíza.

Abordagem multidisciplinar urgente

Em Santa Catarina, já houve no final de 2021 um processo para a contratação de profissionais da psicologia a nível de estado. Tive a oportunidade de falar com Luan Alex de Mattos, psicólogo atuante na educação do estado. Segundo ele, lá a contratação não se dá por colégio, mas sim por regional de ensino. Isso significa que pode haver, por exemplo, um profissional para vários colégios.

Sobre sua atuação, ele diz: "É um pouco mais aberta, como por exemplo: desenvolver campanhas diversas. Também há questões pontuais dos estudantes, como relativas ao processo de aprendizagem e encaminhamentos para profissionais, como fonoaudiólogos."

Segundo o psicólogo, se houver a necessidade de um trabalho de longo prazo, como atendimento clínico, o jovem será encaminhado. Ele entende também que seria muito positivo que houvesse pelo menos um profissional da área por colégio.

Noto, de forma geral, que há uma concepção de que deveria haver atendimentos clínicos nos próprios colégios. Falei sobre isso com Hariff Eleonora Barbosa, psicóloga pela USP e diretora da frente de psicologia no Salvaguarda.

"O atendimento clínico, apesar da possibilidade de sessões únicas, visa um processo contínuo de tratamento das pessoas atendidas, o que demandaria um número elevado de profissionais para atender o contingente de uma única escola pública. No cenário real sabemos que essa não é uma possibilidade. Correríamos o risco de tornar esses profissionais mais uma categoria suscetível a sobrecarga já imposta a a professores e a outros funcionários de uma instituição pública. Além do mais, apesar da clínica ser uma vertente popularizada, esse não é o único artifício da Psicologia", diz.

É inegável, no entanto, que o corpo de funcionários dos colégios precisa de ajuda. Por isso, a lei 13.935 me traz esperança. É um avanço, ainda que não haja a diretriz de que deveria haver profissionais fixos em cada colégio, mas inicialmente nossa preocupação deverá ser garantir que ela será implementada em todos os nossos estados. Espero sinceramente por uma popularização das equipes multidisciplinares e que um dia haja equipes próprias em cada colégio. É urgente, necessário, e a não execução será um entrave para avanços na educação brasileira.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.