Muitas das descobertas de Alexander von Humboldt se tornaram irrisórias ou foram superadas. Mas sua visão holística da natureza ainda ajuda a entender o mundo.
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Após sua morte, em 1859, a fama de Alexander von Humboldt diminuiu e, durante a Primeira Guerra Mundial, ele quase desapareceu. Agora, 160 anos depois, Humboldt parece ter voltado à moda. Em breve, o mais novo museu de Berlim, instalado no antigo palácio da cidade hoje reconstruído, vai levar seu nome: Humboldt Forum.
O cientista prussiano, escritor, aventureiro destemido e poliglota está mais uma vez no centro do pensamento científico. Curiosamente, sua abordagem interdisciplinar da ciência que o colocou de volta no centro das atenções é exatamente o que o levou a cair do pedestal há mais de 100 anos.
Quando Humboldt morreu, a especialização e a classificação eram vistas como o futuro da ciência. Na época, pensava-se que apenas uma compreensão profunda de cada disciplina científica poderia revelar novos conhecimentos. Qualquer outra coisa era superficial e diletante.
Já Humboldt buscava a interconexão de cada organismo com fenômenos geológicos, elementos químicos e a ação humana. Ele nos possibilitou ver a Terra como sistema complexo, mas dinâmico, através da "ciência humboldtiana", uma abordagem científica que combina dados precisos, observação pessoal e uma visão holística dos enigmas da natureza.
Uma visão global
Além de demonstrar a necessidade de ver o mundo através de uma lente interdisciplinar, Humboldt deixou outras lições, como não temer tecnologias modernas, usar gráficos para explicar tópicos difíceis, aceitar que todo o conhecimento é, por princípio, incompleto, e de que todas as pessoas merecem tratamento igual.
Mesmo assim, Humboldt ainda deixou muitos observações a serem analisadas e os pesquisadores estão agora revisitando seus relatos, trabalhos publicados e montanhas de anotações. Recentemente, pesquisadores usaram suas medições do vulcão Chimborazo, no Equador, que na época de Humboldt era o pico mais alto do mundo, para ver como a montanha mudou nos últimos 210 anos.
Os mesmos pesquisadores também usaram seus dados sobre geografia vegetal para analisar a perda de biodiversidade devido à mudança climática e à expansão da agricultura. As comparações provaram que a geleira na montanha retrocedeu cerca de 450 metros, enquanto as plantas migraram até 500 metros em direção ao cume.
Mapeando a natureza
Humboldt peneirou a massa de informações e a sintetizou em infográficos inovadores para explicar coisas como as várias zonas climáticas globais, através da invenção de linhas isotérmicas, as linhas onduladas ainda hoje usadas em mapas meteorológicos.
Ilustrador talentoso e grande pensador, ele traduziu centenas de páginas de notas em gráficos fáceis de entender. Trabalhando com os melhores artistas, Humboldt criou novas maneiras de explicar o intrincado mundo natural.
Alguns de seus gráficos são tão detalhados que seu significado mais profundo ainda está sendo decifrado, enquanto outros se tornaram clássicos da ciência. Muitos são verdadeiras obras de arte e chegaram a ser exibidos em museus. Quase todos se referem ao que o pesquisador Patrick Anthony chama de "pensamento vertical" de Humboldt, uma forma de ver a Terra desde o topo da montanha mais alta até as profundezas das minas mais profundas, e o mais importante está no meio.
Respeito por todos
Humboldt também foi um cartógrafo inovador. Seus mapas detalhados, especialmente do México, aumentaram a autoestima das colônias espanholas. Sua precisão deu a esses territórios fronteiras reais, que não podiam ser disputadas e literalmente emprestaram forma a esses países que em breve se tornariam independentes. Ao olharmos para os mapas da América Latina de hoje, estamos olhando diretamente para a visão de Humboldt.
Ao mesmo tempo, ele nunca ignorou os povos indígenas, nem desculpou a escravidão. Embora aristocrata, sua condenação à escravidão foi absoluta. Ele a chamou de "o maior de todos os males que afligiram a humanidade".
A seus olhos, todas as pessoas são iguais. E ele mostrou que as antigas civilizações do Novo Mundo - incas, astecas e maias - eram avançadas e análogas a qualquer outro povo na Europa, África ou Ásia. Suas investigações sobre o colonialismo, as línguas indígenas e seu uso de nomes locais fomentaram um senso de unidade nacional, e é uma das razões pelas quais Alexander von Humboldt é tão respeitado na América Latina.
"Ele criticou as injustiças sociais, como a escravidão e as condições de trabalho desumanas nas minas do México colonial, que hoje são comparáveis ao tráfico de pessoas, às oficinas e às situações deploráveis de muitos trabalhadores migrantes nos EUA", assinala Vera Kutzinski, diretora do projeto Alexander von Humboldt em inglês, um projeto da Universidade Vanderbilt e a Universidade de Potsdam.
Processo sem fim
Humboldt tornou a ciência mais humana, levando-a ao maior público possível e incentivando a reformulação de problemas com as informações mais recentes. Para Kutzinski, um aspecto fundamental que conecta Humboldt ao nosso tempo de notícias rápidas e digitalização crescente é o fato de seu trabalho ter ficado inacabado. Embora ele tenha rapidamente incluído as descobertas mais atuais em seus escritos, ele sempre apontou para a natureza experimental e a progressividade de suas publicações.
"Ao insistir que todo o conhecimento é incompleto, que o processo de aprendizado nunca termina realmente, Humboldt faz uma distinção entre produzir e consumir informação - ou dados - e o método de realmente saber algo", avalia Kutzinski. Humboldt foi um trampolim para gerações de cientistas, como Charles Darwin, que publicou Sobre a Origem das Espécies alguns meses após a morte de Humboldt.
Verdadeira inspiração
Parece impossível que um homem possa ter tanto conhecimento ou ter conseguido tanto em uma única vida. Andreas W. Daum, autor de uma biografia sobre Humboldt que o apresenta como uma figura prolífica na era das revoluções em torno de 1800, acredita que precisamos procurar o homem por trás de Humboldt:
"Poderemos nos relacionar melhor com Humboldt se o tirarmos do pedestal. Aprenderemos mais - sobre nós mesmos e sobre o homem em si - se o libertarmos do lastro de servir como um semideus sobre-humano. Ganhamos uma visão do nosso mundo global, aparentemente interligado, se tomarmos Humboldt como um exemplo de viver uma vida digna e autodeterminada em tempos de profundas transformações".
Humboldt, o extraordinário coletor de plantas
Na sua expedição por colônias espanholas na América, Humboldt reuniu milhares de plantas e as enviou para catalogação na Europa. Ao mesmo tempo, revelou ao Velho Mundo as cores fascinantes da vida no Novo Mundo.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Explorando a América espanhola
De 1799 a 1804, Alexander von Humboldt e o botânico e médico francês Aime Bonpland fizeram uma expedição científica por Venezuela, Cuba, Colômbia, Equador, Peru, México e Estados Unidos. Nesse tempo, eles coletaram milhares de espécies de plantas, as secaram e as prepararam para serem enviadas à Europa para um estudo posterior, como esta Dasyphyllum argenteum, que só é encontrada no Equador.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Mundo de descobertas
Além de plantas, eles também coletaram sementes e frutos. No entanto, Humboldt estava mais interessado na totalidade da natureza, e grande parte da coleta de plantas foi feita por Bonpland, que também era botânico. Ambos fizeram anotações detalhadas em sua jornada. Humboldt também tinha interesse em palmeiras e orquídeas, como esta orquídea Catasetum maculatum, que ele próprio desenhou.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Remessas separadas
Para garantir que suas plantas chegassem à Europa, Humboldt dividiu a coleção e a mandou em remessas separadas. Além disso, ele também enviou amostras para amigos e colaboradores. Por isso, nunca houve um conjunto completo e ninguém pode dizer quantas plantas foram coletadas e sobreviveram à travessia do Atlântico. Aqui uma Werneria pumila, encontrada apenas no Equador.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Volta à Europa
Ao voltar à Europa em 1804, Humboldt viajou para a Alemanha e a Itália, antes de se instalar em Paris por 20 anos para publicar seus livros com os dados reunidos na América espanhola. "Essai sur la géographie des plantes" (Ensaio sobre a geografia das plantas) reuniu tudo o que ele aprendera em anos de observações botânicas. É um marco da geografia vegetal. Aqui uma samambaia Adiantum varium.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Cores exuberantes
Alexander von Humboldt levaria mais de 30 anos para publicar os 32 volumes sobre sua expedição, e mesmo assim muito material nem chegou a ser usado. Muitos dos livros são grandes fólios em francês com ilustrações mostrando cenas, mapas e animais. Mas foram os livros botânicos que inflamaram o mundo com imagens coloridas à mão, como esta Corallophyllum caeruleum.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Humboldt, o mentor
A maior parte da pesquisa para os livros botânicos foi feita por outros cientistas. Primeiro foi Bonpland, que perdeu o interesse e voltou para a América do Sul, e depois foi Karl Sigismund Kunth. Ao todo, eles dedicaram 15 volumes a plantas da América espanhola. As primeiras páginas foram impressas em 1805 e, as últimas, em 1834. Aqui um Culcitium reflexum, observe as estrelinhas na flor.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Destaque entre os livros de botânica
O marcante não é só o fato de Humboldt ter colecionado tantas plantas ou publicado tantos livros, mas a qualidade deles. Ele e sua equipe foram os primeiros a documentar o local e a altitude onde elas foram encontradas. Além disso, muitas gravuras são baseadas em desenhos de Pierre Jean François Turpin, um extraordinário artista botânico. Aqui, um detalhe de uma palmeira Attalia amygdalina.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Na vanguarda da pesquisa científica
No trabalho de campo, Humboldt e Bonpland reuniram 4.528 plantas. Eles as numeraram, deram determinações preliminares e fizeram descrições com informações de localização em francês, latim ou espanhol. Em alguns casos, eles até fizeram impressões das plantas à tinta sobre papel. Aqui, uma Masdevallia uniflora, que parece uma tulipa, mas na verdade é uma orquídea do Peru.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Pergunta sem resposta
Até o próprio Humboldt citou números contraditórios sobre a quantidade de espécies de plantas que recolheu: entre 6 mil e 12 mil. Mas o que realmente impressiona é a velocidade com que ele publicou as descobertas e a suntuosidade dos seus livros. Ele foi até capaz de fazer a planta aquática Mariscus pycnostachyus parecer linda.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
No mar e na terra
As amostras foram colhidas nos Andes, nas alturas, e no fundo do oceano, nas profundezas. Nem todas as plantas trazidas para a Europa eram desconhecidas. Ainda assim, os cientistas não conseguiram resistir a dar nome a algumas delas. Aqui um detalhe de uma Zonaria Kunthii, uma alga hoje conhecida como Dictyota kunthii, cujo nome é uma homenagem ao colaborador de Humboldt Karl Sigismund Kunth.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Nos arquivos
Coleções de plantas secas e prensadas, também conhecidas como herbários, são recursos valiosos. Um herbário histórico como o de Humboldt, com mais de 200 anos, depositado no Museu de História Natural de Paris e no Jardim e Museu Botânico de Berlim, é importante por ser uma espécie de cápsula do tempo. Estas prateleiras no museu em Berlim contêm parte da sua coleção única de plantas.
Foto: T. Rooks
Estragos da guerra
Nos bombardeios contra o Jardim e Museu Botânico durante a 2ª Guerra, apenas parte do herbário insubstituível havia sido guardada num cofre de banco por razões de segurança. O resto foi praticamente perdido. Na foto, um dos "sobreviventes", uma folha de Bertholletia excelsa, a castanha-do-pará. Ela é mantida trancada a sete chaves.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Acervo disponibilizado
Após o fim da guerra, o Jardim e Museu Botânico de Berlim substituiu ou reconstruiu os livros botânicos de Humboldt. Além de fazer pequenas exposições, ele também digitalizou o herbário e o disponibilizou online. Os trabalhos de Humboldt nas colônias hispano-americanas e depois em Paris foram tão pioneiros que os estudiosos ainda vasculham suas anotações para aprender sobre seu trabalho de campo.
Foto: Staatsbibliothek Berlin/Foto: Timothy Rooks
De encher os olhos
Humboldt deixou para trás muitas das impressões botânicas mais sensacionais já criadas. Qualquer um pode apreciá-las sem conhecer a sua história. Embora os artistas às vezes tenham usado cores improváveis, as imagens não deixam de ser bonitas, como esta orquídea Oncidium pictum. (Fonte das imagens históricas: Biblioteca do Museu Botânico, Berlim)
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
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É inegável que Humboldt tenha sido o derradeiro cosmopolita que ignorou fronteiras nacionais e étnicas. Nasceu prussiano, viajou por quatro continentes, viveu décadas em Paris, falou um punhado de línguas e escreveu em três. Ele trabalhava duro, compartilhava livremente suas pesquisas e apoiava generosamente jovens cientistas, mesmo quando não podia pagar por elas. Ele não tinha medo de cometer erros, corrigir-se ou mudar completamente de ideia.
O cientista defendeu os direitos dos outros e serve como modelo do que é possível quando se está determinado a lutar pelos sonhos e viver a vida ao máximo. No mundo de hoje, de mídia social egocêntrica e estreitamento de interesses, o exemplo de Humboldt, de viver a serviço dos outros e atender ao chamado da ciência, nunca foi mais relevante.
Animais, plantas e instituições levam o nome Humboldt
O nome Alexander von Humboldt aparece nas mais variadas coisas espalhadas pelo planeta. De montanhas, ruas, escolas, lulas a pinguins e flores, o naturalista alemão deixou seu nome em várias partes do mundo.
Foto: DW/C. Chimoy
Universidade em Berlim
Embora o nome original seja Universidade de Berlim, em 1949 a instituição foi rebatizada em Humboldt Universität, para honrar os irmãos Alexander e Wilhelm. Este último fora um de seus fundadores, em 1810. Muitos ganhadores do Prêmio Nobel foram professores na Universidade Humboldt, entre eles Albert Einstein. Em frente ao prédio administrativo, há um monumento de cada um dos irmãos Humboldt.
Foto: T. Rooks
Pico Humboldt, na Venezuela
Também em Caracas, na Venezuela, há uma Universidade Alejandro de Humboldt, uma escola particular fundada em 1997. O país foi a primeira parada, em 1799, na viagem de Humboldt pelas colônias hispano-americanas. Hoje, o segundo pico mais alto da Venezuela leva seu nome. Ele fica no noroeste do país, perto do Pico Bolívar, que é o mais alto.
Foto: public domain
Mar de Humboldt, na Lua
O explorador tem seu nome eternizado até na Lua. "Mare Humboldtianum", ou Mar de Humboldt, descreve uma planície na superfície da Lua, com 273 quilômetros de diâmetro. O Mare Smythii (em homenagem ao astrônomo britânico William Henry Smith) é o único outro mar lunar com o nome de uma pessoa.
Foto: NASA
Pinguim-de-humboldt, no Chile e no Peru
O pinguim-de-humboldt (Spheniscus humboldti) não voa e vive na costa do Chile e do Peru, produzindo guano, o famoso excremento vendido como fertilizante natural. A espécie está ameaçada pelas mudanças climáticas, a pesca excessiva e a acidificação dos oceanos. A população mundial é estimada em alguns poucos milhares. Ao todo, estima-se que cerca de 100 animais levam o nome de Humboldt.
Foto: picture alliance/Arco Images GmbH/P. Wegner
Salgueiro de Humboldt, das Américas do Sul e Central
Também cerca de 300 plantas levam o nome do naturalista. Algumas delas foram descobertas pelo próprio Humboldt, como a Salix humboldtiana, o salgueiro-chorão. No entanto, Humboldt era modesto, e, das milhares de espécies que catalogou, deu seu nome a apenas algumas. O nome Humboldt, no entanto, foi dado por muitos de seus fãs científicos.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Parque de sequoias gigantes, na California
Fundado em 1921, o parque Redwoods State, na Califórnia, é hoje a maior floresta remanescente ainda conservada de Sequoia sempervirens (sequoia-vermelha), com algumas das árvores mais altas do mundo. No oeste dos EUA, Humboldt está em toda parte. Nos Estados Unidos, há quatro condados, 13 cidades e ainda um universidade, a Humboldt State Universtiy, que levam o nome do pesquisador.
Foto: T. Rooks
Lula-de-humboldt, no Oceano Pacífico
Embora pareça um alienígena, a carnívora lula-de-humboldt (Dosidicus gigas) vive em sua maior parte na Corrente de Humboldt ao largo da costa sul-americana. Ela geralmente se move em grandes cardumes, pode mudar de cor rapidamente e atingir um comprimento de cerca de 1,5 metro. Mas enquanto Humboldt viveu até quase 90 anos, estes animais marinhos vivem de um a dois.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Sauer
Geleira de Humboldt, no norte da Groenlândia
O glaciar Humboldt, na Groenlândia, com seus 110 quilômetros de largura, está derretendo rapidamente. Devido à mudança climática, outra geleira Humboldt, na Venezuela, praticamente já desapareceu. Nos últimos 30 anos, ela diminuiu em 90%. Infelizmente, é a última geleira do país tropical. Os cientistas só lhe dão mais uma ou duas décadas.
Foto: NASA Earth Observatory
Fórum Humboldt, em Berlim
Na Alemanha, além de muitas ruas, escolas e instituições que levam o nome Humboldt, será inaugurado em Berlim o controverso Fórum Humboldt, no prédio do Palácio de Berlim, que foi reconstruído. Será um centro cultural e um museu de arte não europeia.