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Por que Humboldt segue atual

Timothy Rooks rw
14 de setembro de 2019

Muitas das descobertas de Alexander von Humboldt se tornaram irrisórias ou foram superadas. Mas sua visão holística da natureza ainda ajuda a entender o mundo.

Alexander von Humboldt, Chimborazo, Ecuador,
Graças às observações de Humboldt (à esquerda), cientistas puderam comparar o Chimborazo entre 1802 e 2012Foto: PNAS Verlag

Após sua morte, em 1859, a fama de Alexander von Humboldt diminuiu e, durante a Primeira Guerra Mundial, ele quase desapareceu. Agora, 160 anos depois, Humboldt parece ter voltado à moda. Em breve, o mais novo museu de Berlim, instalado no antigo palácio da cidade hoje reconstruído, vai levar seu nome: Humboldt Forum.

O cientista prussiano, escritor, aventureiro destemido e poliglota está mais uma vez no centro do pensamento científico. Curiosamente, sua abordagem interdisciplinar da ciência que o colocou de volta no centro das atenções é exatamente o que o levou a cair do pedestal há mais de 100 anos.

Quando Humboldt morreu, a especialização e a classificação eram vistas como o futuro da ciência. Na época, pensava-se que apenas uma compreensão profunda de cada disciplina científica poderia revelar novos conhecimentos. Qualquer outra coisa era superficial e diletante.

Já Humboldt buscava a interconexão de cada organismo com fenômenos geológicos, elementos químicos e a ação humana. Ele nos possibilitou ver a Terra como sistema complexo, mas dinâmico, através da "ciência humboldtiana", uma abordagem científica que combina dados precisos, observação pessoal e uma visão holística dos enigmas da natureza.

Uma visão global

Além de demonstrar a necessidade de ver o mundo através de uma lente interdisciplinar, Humboldt deixou outras lições, como não temer tecnologias modernas, usar gráficos para explicar tópicos difíceis, aceitar que todo o conhecimento é, por princípio, incompleto, e de que todas as pessoas merecem tratamento igual.

Mesmo assim, Humboldt ainda deixou muitos observações a serem analisadas e os pesquisadores estão agora revisitando seus relatos, trabalhos publicados e montanhas de anotações.  Recentemente, pesquisadores usaram suas medições do vulcão Chimborazo, no Equador, que na época de Humboldt era o pico mais alto do mundo, para ver como a montanha mudou nos últimos 210 anos.

Os mesmos pesquisadores também usaram seus dados sobre geografia vegetal para analisar a perda de biodiversidade devido à mudança climática e à expansão da agricultura.  As comparações provaram que a geleira na montanha retrocedeu cerca de 450 metros, enquanto as plantas migraram até 500 metros em direção ao cume.

Mapeando a natureza

Humboldt peneirou a massa de informações e a sintetizou em infográficos inovadores para explicar coisas como as várias zonas climáticas globais, através da invenção de linhas isotérmicas, as linhas onduladas ainda hoje usadas em mapas meteorológicos.

Ilustrador talentoso e grande pensador, ele traduziu centenas de páginas de notas em gráficos fáceis de entender. Trabalhando com os melhores artistas, Humboldt criou novas maneiras de explicar o intrincado mundo natural.

Desenho de Humboldt do rio Orinoco, na hoje fronteira do Brasil com a VenezuelaFoto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks

Alguns de seus gráficos são tão detalhados que seu significado mais profundo ainda está sendo decifrado, enquanto outros se tornaram clássicos da ciência. Muitos são verdadeiras obras de arte e chegaram a ser exibidos em museus. Quase todos se referem ao que o pesquisador Patrick Anthony chama de "pensamento vertical" de Humboldt, uma forma de ver a Terra desde o topo da montanha mais alta até as profundezas das minas mais profundas, e o mais importante está no meio.

Respeito por todos

Humboldt também foi um cartógrafo inovador. Seus mapas detalhados, especialmente do México, aumentaram a autoestima das colônias espanholas. Sua precisão deu a esses territórios fronteiras reais, que não podiam ser disputadas e literalmente emprestaram forma a esses países que em breve se tornariam independentes. Ao olharmos para os mapas da América Latina de hoje, estamos olhando diretamente para a visão de Humboldt.

Ao mesmo tempo, ele nunca ignorou os povos indígenas, nem desculpou a escravidão. Embora aristocrata, sua condenação à escravidão foi absoluta. Ele a chamou de "o maior de todos os males que afligiram a humanidade".

A seus olhos, todas as pessoas são iguais. E ele mostrou que as antigas civilizações do Novo Mundo -  incas, astecas e maias - eram avançadas e análogas a qualquer outro povo na Europa, África ou Ásia. Suas investigações sobre o colonialismo, as línguas indígenas e seu uso de nomes locais fomentaram um senso de unidade nacional, e é uma das razões pelas quais Alexander von Humboldt é tão respeitado na América Latina.

"Ele criticou as injustiças sociais, como a escravidão e as condições de trabalho desumanas nas minas do México colonial, que hoje são comparáveis ao tráfico de pessoas, às oficinas e às situações deploráveis de muitos trabalhadores migrantes nos EUA", assinala Vera Kutzinski, diretora do projeto Alexander von Humboldt em inglês, um projeto da Universidade Vanderbilt e a Universidade de Potsdam.

Processo sem fim

Humboldt tornou a ciência mais humana, levando-a ao maior público possível e incentivando a reformulação de problemas com as informações mais recentes. Para Kutzinski, um aspecto fundamental que conecta Humboldt ao nosso tempo de notícias rápidas e digitalização crescente é o fato de seu trabalho ter ficado inacabado. Embora ele tenha rapidamente incluído as descobertas mais atuais em seus escritos, ele sempre apontou para a natureza experimental e a progressividade de suas publicações.

"Ao insistir que todo o conhecimento é incompleto, que o processo de aprendizado nunca termina realmente, Humboldt faz uma distinção entre produzir e consumir informação - ou dados - e o método de realmente saber algo", avalia Kutzinski. Humboldt foi um trampolim para gerações de cientistas, como Charles Darwin, que publicou Sobre a Origem das Espécies alguns meses após a morte de Humboldt.

Verdadeira inspiração

Parece impossível que um homem possa ter tanto conhecimento ou ter conseguido tanto em uma única vida. Andreas W. Daum, autor de uma biografia sobre Humboldt que o apresenta como uma figura prolífica na era das revoluções em torno de 1800, acredita que precisamos procurar o homem por trás de Humboldt:

"Poderemos nos relacionar melhor com Humboldt se o tirarmos do pedestal. Aprenderemos mais - sobre nós mesmos e sobre o homem em si - se o libertarmos do lastro de servir como um semideus sobre-humano. Ganhamos uma visão do nosso mundo global, aparentemente interligado, se tomarmos Humboldt como um exemplo de viver uma vida digna e autodeterminada em tempos de profundas transformações".

É inegável que Humboldt tenha sido o derradeiro cosmopolita que ignorou fronteiras nacionais e étnicas. Nasceu prussiano, viajou por quatro continentes, viveu décadas em Paris, falou um punhado de línguas e escreveu em três. Ele trabalhava duro, compartilhava livremente suas pesquisas e apoiava generosamente jovens cientistas, mesmo quando não podia pagar por elas. Ele não tinha medo de cometer erros, corrigir-se ou mudar completamente de ideia.

O cientista defendeu os direitos dos outros e serve como modelo do que é possível quando se está determinado a lutar pelos sonhos e viver a vida ao máximo. No mundo de hoje, de mídia social egocêntrica e estreitamento de interesses, o exemplo de Humboldt, de viver a serviço dos outros e atender ao chamado da ciência, nunca foi mais relevante.

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