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Por que Janja da Silva é tão odiada?

Nina Lemos
Nina Lemos
18 de abril de 2023

Esposa de Lula recebe fogo de todos os lados, sendo julgada por sua aparência ou por supostamente não "saber o seu lugar". Já pensou se mulheres, primeiras-damas ou não, fossem criticadas só por seu trabalho? Que sonho.

Janja durante a posse de Lula, em janeiroFoto: Ueslei Marcelino/REUTERS

"Essa Janja é muito feia e cafona." Esse tipo de comentário tomou conta das redes sociais bolsonaristas na semana passada, quando o presidente Lula viajou para a China e a esposa fez parte de sua comitiva, algo comum em um país onde a primeira-dama tem um papel forte como o Brasil.

Janja, uma socióloga de 56 anos, recebe todo tipo de críticas desde que se casou com Lula. O bombardeio se acentuou com a recente viagem. Mas, sinceramente, acho que se ela não tivesse acompanhado o marido, teria sido criticada por não ir.

Falo isso porque a posição de primeira-dama é um lugar onde é difícil uma mulher agradar (mais do que já é na sociedade como um todo). Como as especificações da função não existem oficialmente, as primeiras-damas têm que se adaptar a um espaço imaginário, em aberto. Ou seja, cada um espera uma coisa diferente.

No caso de Janja, muitos parecem querer que ela seja mais "discreta". "Ela exagera" ou "ela tem que se conter", dizem críticos de direita, centro e esquerda. Em um programa de TV, comentaristas homens disseran que ela precisa "se conter ou ser contida". Em outras palavras: Janja precisa "saber o seu lugar".  Só eu acho absurdo algo assim ser dito sobre uma mulher em 2023?

Janja foi criticada ao viajar com Lula para a China na semana passadaFoto: Ricardo Stuckert/AFP

A Geni do momento

A socióloga recebe fogo de todos os lados. É a Geni do momento, aquela da música do Chico Buarque, a que é feita para apanhar e é boa de cuspir. Praticamente todos os dias alguma matéria contra Janja é publicada pela mídia brasileira.

Não estou falando, obviamente, que Janja não erra e que não deva ser criticada por atitudes como representante do país ou, por exemplo, por uso do  dinheiro público. Pelo contrário. Nesses casos, ela precisa ser cobrada. Sem dúvida.

Por exemplo: se de fato ela queria comprar uma mesa para o Palácio do Planalto que custava R$ 200 mil, como escreveu a colunista do Uol Carla Araújo, isso é um absurdo, principalmente em um país com mais de 30 milhões de pessoas passando fome.

Mas também me incomoda que mulheres ainda tenham que ser sempre as responsáveis pela área "cama, mesa e banho" da vida.

"Cuidar da casa" não parece ser exatamente o que Janja quer fazer. A socióloga já disse várias vezes que não é nem recatada nem do lar e que pretende participar do governo ativamente. Ela fala com todas as letras que é feminista. E também que é uma antiga militante do PT.

O que está em jogo não é a beleza

Ou seja, além de ser casada com Lula, ela preenche todos os requisitos que fazem uma mulher ser odiada pela extrema direita brasileira, já que o feminismo é um dos principais alvos do bolsonarismo. Falar mal de feministas gera engajamento.

Essas pessoas também costumam ver mulheres de forma objetificada. Por isso, há muitos comentários chamando Janja de "feia". Ela é lindíssima. Mas desde quando isso vem ao caso? Estamos falando de esposas de presidentes, não de participantes de um concurso de misses. O que está em jogo não é a beleza. 

Se Janja quer participar do governo, repito, ela está, sim, sujeita a críticas. O que é chocante (mas não exatamente surpreendente) é que tanto ódio, ainda no início de um governo, seja direcionado, novamente, contra uma mulher. E não, pelo menos por enquanto, ela não recebeu cheques ou joias suspeitas. E torcemos para que isso não aconteça.

O papel de primeira-dama ainda faz sentido?

Ao invés de discutir o quanto uma primeira-dama deve ser discreta politicamente, acho que poderíamos estar discutindo se faz sentido, em 2023, ainda existir com tanta força essa figura, um cargo tão machista, que remete a uma mulher que fica no backstage enquanto o homem brilha. E se as esposas (e os esposos) de políticos fossem pessoas que continuassem vivendo sua vida independentemente e sem cobranças? Seria ótimo, não?

E isso é o que já acontece em alguns países. É o caso da Alemanha. Por aqui, nós nem sabemos o nome das esposas do chanceler federal, Olaf Scholz, e a do presidente Frank-Walter Steinmeier, respectivamente: Britta Ernst, economista e política, e Elke Büdenbender, juíza em Berlim.

Um exemplo de como elas são tratadas: nesta segunda-feira (17/04), foi divulgado pela imprensa que a "secretária de Educação de Brandemburgo, Britta Ernst" havia renunciado. A maior parte dos títulos das notícias não mencionava o fato de ela ser esposa de Scholz. O casamento com o chefe de governo só era mencionado como um detalhe. E, pelo jeito, sua renúncia não tem nada a ver com o fato de ela ser primeira-dama, mas com a qualidade do seu trabalho mesmo, que vinha sendo muito criticado.

Já pensou se mulheres, primeiras-damas ou não, fossem criticadas só pelos seus trabalhos e não por sua aparência? Que sonho.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.