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PolíticaFrança

Por que Le Pen em ato contra antissemitismo gera indignação

Andreas Noll
11 de novembro de 2023

Líder da extrema direita francesa e membros de seu partido anunciam ida a protesto em apoio a judeus em Paris. Enquanto isso, demais legendas se recusam a marchar ao lado de sigla fundada por antissemita condenado.

 Marine Le Pen
Marine Le Pen é acusada de instrumentalizar a marcha contra antissemitismoFoto: Christophe ARCHAMBAULT/AFP

A política francesa Marine Le Pen, líder do partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), antiga Frente Nacional, anunciou nesta semana que "com certeza" participará do protesto contra antissemitismo programado para este domingo (12/11) em Paris.

Na rede social X (antigo Twitter), ela escreveu: "Nossos compatriotas da fé judaica há muito tempo são confrontados com uma ideologia que eu sempre combati: a ideologia islâmica". Portanto, Le Pen disse que estaria presente na manifestação, juntamente com o presidente de seu partido, Jordan Bardella, e outros políticos da RN.

Contudo, a presidente da Assembleia Nacional francesa, Yaël Braun-Pivet – que convocou a marcha ao lado do presidente do Senado e cujos avós judeus se estabeleceram na França após fugirem da Alemanha e da Polônia –, disse à imprensa francesa que nenhum partido político foi convidado a participar do ato e que ela própria se recusa a marchar "ao lado" de Le Pen.

RN e seu histórico de antissemitismo

Quem se opõe a marchar ao lado da RN em uma manifestação contra antissemitismo ressalta que não se pode esquecer como o partido de Le Pen foi fundado.

Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, que lutou na Guerra da Argélia, fundou a legenda em 1972 ao lado de ex-paraquedistas, apoiadores do regime de Vichy, antissemitas e também membros da violenta organização estudantil de extrema direita Groupe Union Defense (GUD).

Em várias ocasiões, Jean-Marie foi multado por se referir ao Holocausto e às câmaras de gás alemãs como um "detalhe" da história.

O porta-voz do atual governo francês, Olivier Veran, disse à estação de rádio francesa Europe1 que o "sistema judiciário francês" já "condenou Jean-Marie Le Pen por antissemitismo" e, por esse motivo, a RN não tem "lugar" na manifestação de domingo.

Pai de Marine, Jean-Marie Le Pen foi multado por antissemitismo em várias ocasiõesFoto: Arnaud Journois/Le Parisien/picture alliance

RN tem postura clara pró-Israel

Nas últimas semanas, Marine Le Pen tem deixado publicamente bem claro de que lado ela está no atual conflito no Oriente Médio. A ultradireitista descreveu os ataques terroristas do grupo fundamentalista islâmico Hamas contra Israel em 7 de outubro como um "pogrom", e apoiou o objetivo declarado do governo israelense de destruir o Hamas.

A postura pró-Israel do partido não é nova. Depois que Marine Le Pen substituiu seu pai como líder da então Frente Nacional em 2011, ela expulsou os antissemitas conhecidos da legenda e, eventualmente, até o próprio Jean-Marie.

Sua estratégia de "desdemonização" visava tornar o partido, que ela rebatizou em 2018, mais palatável para amplos setores do eleitorado. E a estratégia aparentemente funcionou, já que Le Pen conseguiu aumentar sua parcela de votos nas eleições presidenciais. De acordo com as últimas pesquisas, ela venceria o primeiro turno com mais de 30% dos votos se o pleito fosse realizado hoje.

Mas nem todo mundo acredita na mudança de imagem do partido. "Para mim, a participação de Le Pen nessa manifestação tem motivação estratégica", diz Valerie Dubslaff, da Universidade de Rennes. "Não acredito que o partido tenha mudado fundamentalmente. A proximidade com Israel e a luta contra o antissemitismo estão servindo para mostrar uma mensagem clara: 'Nosso principal inimigo continua sendo o Islã'."

De fato, declarações conflitantes foram feitas por representantes da RN. Recentemente, o presidente Bardella se recusou a descrever Jean-Marie Le Pen como antissemita, mas aparentemente foi forçado a se corrigir após pressão da própria Marine Le Pen.

Apoio do caçador de nazistas Serge Klarsfeld

A postura de Le Pen também está tendo um impacto sobre os cidadãos judeus da França. Agora, após décadas de hostilidade entre a comunidade judaica e a extrema direita, houve uma mudança.

No ano passado, Louis Aliot, prefeito de Perpignan, da RN, foi o primeiro político de extrema direita a aparecer na Radio J, uma estação de rádio comunitária judaica em Paris. Alguns dias antes, ele havia presenteado o ativista judeu e caçador de nazistas Serge Klarsfeld, de 88 anos, com uma medalha da cidade. Na época, muitos não entenderam por que Klarsfeld aceitou a homenagem.

O fundador e presidente da associação Filhos e Filhas de Judeus Deportados da França disse que apoia a participação de Le Pen na próxima manifestação contra antissemitismo. "Para mim, o DNA da extrema direita é o antissemitismo", disse ele ao jornal diário francês Liberation. "Então, quando vejo que um grande partido que surgiu da extrema direita está abandonando o antissemitismo, o negacionismo, e marchando em direção aos valores republicanos, eu me alegro."

A polarização brasileira sobre Israel e Hamas

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Le Pen está instrumentalizando a marcha?

O Conselho das Instituições Judaicas Francesas (Crif) também estaria revendo sua postura. Quando Marine Le Pen apareceu em uma marcha em homenagem à sobrevivente do Holocausto Mireille Knoll, assassinada num aparente crime antissemita, em 2018, ela foi vaiada e chamada de "nazista".

Agora, tal indignação não foi observada quando políticos da RN apareceram em uma recente manifestação organizada pelo Crif em apoio a Israel no atual conflito contra o Hamas.

Mesmo assim, o conselho disse que o partido de Le Pen não seria bem-vindo no protesto deste domingo. O presidente do Crif, Yonathan Arfi, acusou a RN de tentar "instrumentalizar a marcha de forma indecente" e disse que o Crif se opõe a marchar ao lado de "pessoas que são herdeiras de um partido fundado por ex-colaboradores".

Os partidos Socialista, Comunista e Verde da França disseram que querem estabelecer um "cordão sanitário" republicano na manifestação e não permitir que a RN passe por ele.

Enquanto isso, a sigla de esquerda França Insubmissa se recusou a participar do protesto. "Os amigos do apoio incondicional ao massacre têm seu encontro marcado", escreveu o líder do partido, Jean-Luc Melenchon, no X, referindo-se aos incessantes ataques de Israel contra a Faixa de Gaza, que já mataram mais de 11 mil palestinos. A ofensiva israelense  ocorre em retaliação aos ataques do Hamas em 7 de outubro, que por sua vez mataram 1.200 israelenses.

Limites do cordão sanitário contra a extrema direita

Para Jacob Ross, pesquisador do Conselho Alemão de Relações Exteriores, que se concentra nos laços franco-alemães, o debate atual mostra os limites do chamado "cordão sanitário" contra a extrema direita na França.

Ele afirma que o número de prefeitos da RN eleitos em todo o país indica que a ideia já foi arquivada em nível municipal e que, em breve, poderá ser descartada também em nível nacional.

Segundo Ross, estudos recentes mostram que os eleitores estão se cansando do "bloco republicano", como é conhecida a aliança de partidos contra a RN.

Além disso, ele observa que a legenda de Le Pen tem obtido mais apoio do partido conservador Os Republicanos em nível parlamentar. E, por fim, afirma o especialista, os eleitores franceses simplesmente não querem mais que lhes digam em quem podem ou não votar.

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