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ConflitosIsrael

Por que muitos dizem ser impossível "eliminar" o Hamas

Cathrin Schaer
14 de dezembro de 2023

Analistas militares dizem que esta seria uma missão de enorme complexidade: ofensiva israelense em Gaza pode debilitar grupo terrorista, mas derrotar uma ideologia é algo quase impraticável sem uma solução política.

Soldados israelenses caminham sobre destroços de edifícios na Faixa de Gaza
Soldados israelenses caminham sobre destroços de edifícios na Faixa de GazaFoto: Toshiyuki Fukushima/Yomiuri Shimbun/AP Photo/picture alliance

Israel já deixou claro seu objetivo. O grupo fundamentalista islâmicoHamas deve ser "eliminado", segundo afirmaram vários membros do alto escalão do governo, inclusive o primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu

Slogans como "juntos venceremos" são exibidos com regularidade em algumas emissoras israelenses. Mas, seria mesmo possível eliminar o Hamas e "vencer" em uma situação como essa? A resposta que vem sendo repetida pelos especialistas é bastante simples e direta: não.

Israel vem bombardeando a Faixa de Gaza, onde vivem mais de dois milhões de pessoas, desde os ataques do Hamas em 7 de outubro em solo israelense. O grupo é considerado uma organização terrorista por Israel, pela União Europeia (UE), Estados Unidos, Alemanha e vários outros países.

Os israelenses também realizam uma ofensiva terrestre em Gaza e impõem um bloqueio ao fornecimento de alimentos, água e energia elétrica ao enclave.

Mas, apesar de tudo isso, os analistas dizem que será impossível erradicar o Hamas como um todo. O motivo principal disso é o fato de o Hamas ser mais do que apenas uma organização militante.

Hamas como movimento social

O grupo possui entre 20 mil e 30 mil combatentes, afirmou à DW Guido Steinberg, especialista em Oriente Médio do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (Stiftung Wissenschaft und Politik, ou SWP, em alemão). Ele, no entanto, acrescentou que a organização "é também um movimento social com apoio massivo na Faixa de Gaza. Esse é o problema no longo prazo".

O Hamas controla Gaza desde 2007. Como parte de seu movimento social, há uma rede de bem-estar social conhecida como Dawah. Estima-se que essa rede civil tenha entre 80 mil e 90 mil integrantes.

O termo Dawah significa "chamado" ou "convite", e se define historicamente como um meio de chamar ou convidar um número maior de adeptos para a sua fé através da assistência social, segundo o Dicionário de Oxford para o Islã (link em inglês). 

Israel "adoraria erradicar o Hamas como instituição, como estrutura religiosa, cultural e militar", afirmou Rashid Khalidi, professor de estudos árabes modernos na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, ao jornal espanhol El País, em entrevista recente.

"Não acho que conseguirão atingir as duas primeiras coisas", avaliou. "Mesmo se matarem todos os líderes, se matarem todos os militantes armados, o Hamas continuará sendo uma força política, independentemente de os israelenses ocuparem Gaza ou se saírem. Nesse contexto, destruir o Hamas como instituição política, destruir o Hamas como ideia, é impossível."

O Hamas não reconhece o Estado de Israel. O grupo acredita que a religião deve ser a base de qualquer governo palestino. No entanto, é provavelmente sua posição autodeclarada como movimento de resistência e oposição à ocupação israelense nos territórios palestinos e da Faixa de Gaza que o torna mais popular.

Khalidi, porém, observou que o que os israelenses poderão estar aptos a fazer é degradar as capacidades militares do Hamas, "mas apenas em extensão e período limitados".

Destruir o potencial militar do Hamas

Israel possui uma das Forças Armadas mais poderosas do mundo, sendo a 18ª entre 145 países em 2023, segundo o ranking anual de poderio militar Global Firepower. A Alemanha, por exemplo, está na 25ª posição. O Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri) relatou que, no ano passado, Israel gastou 4,5% de seu orçamento nacional em defesa – percentual superior aos Estados Unidos e Alemanha, que gastaram 3,5% e 1,4%, respectivamente.

Ao mesmo tempo, o braço armado do Hamas opera mais como uma guerrilha, contrabandeando a maioria de seus armamentos para a Faixa de Gaza.

Israel, dessa forma, possui recursos necessários para causar danos consideráveis ao Hamas e caçar seus líderes. Apesar de os números não poderem ser verificados de maneira independente, o governo israelense afirmou recentemente ter matado entre 5 mil e 7 mil combatentes do Hamas.

Se isso for verdade, pode ser considerado um sucesso parcial, uma vez que o enfraquecimento do Hamas poderia, dessa forma, ter sido melhor do que o esperado. "Algumas autoridades ocidentais acreditam que a ofensiva israelense, até o momento, em combinação com o reforço na segurança de fronteira, já assegurou que o Hamas não consiga lançar outro ataque como o de 7 de outubro", escreveram na semana passada os especialistas do International Crisis Group (ICS).

"Assim como fez após os conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o Hamas irá quase certamente se rearmar e restaurar", afirma Dennis Ross, ex-enviado dos EUA ao Oriente Médio, em artigo publicado no jornal The New York Times no final do outubro. Ele explicou que é justamente por isso que é contra um cessar-fogo até que o Hamas seja removido do poder.

Dificuldade em derrotar guerrilhas

Ao mesmo tempo, poucos Exércitos nacionais conseguiram derrotar organizações guerrilheiras de maneira decisiva no passado.

Exemplos mal-sucedidos incluem os esforços americanos contra o Talibã, no Afeganistão, e grupos insurgentes no Iraque. A vitória do governo do Sri Lanka contra o grupo separatista Tigres de Tâmil na guerra civil que assolou o país é com frequência citada como um caso no qual um Exército conseguiu sair vencedor.

Mas, sabe-se que essa vitória custou ao país 26 anos de guerra, com vítimas entre 80 mil e 100 mil e potenciais crimes de guerra cometidos pelos dois lados.

Soldados israelenses ouvem instruções de seus superiores antes de ofensiva terrestre em GazaFoto: Ohad Zwigenberg/AP/picture alliance

De fato, em algumas situações onde as capacidades de um grupo insurgente foram danificadas, mas não erradicadas, esse grupo ressurgiu na forma de organização extremista. Um exemplo disso é o chamado "Estado Islâmico", que surgiu a partir de remanescentes da Al Qaeda.

Israel jamais conseguiu derrotar o Hamas de maneira conclusiva, apesar de assassinar vários de seus líderes, incluindo dois fundadores do grupo.

Como assassinar uma ideia?

"O Exército [israelense] pode fazer o melhor que conseguir. Eles bem podem eliminar os líderes; podem destruir as instalações de lançamento de mísseis", observa Justin Crump, especialista em terrorismo que lidera a consultoria em inteligência global e análise de risco Sibylline Ltd. "Mas não vão eliminar a ideia do Hamas."

Destruir o Hamas através de meios militares é algo que não faz sentido, disse Crump à DW, por que "enquanto alguns cidadãos de Gaza se voltam contra o Hamas, outros passam a simpatizar com o Hamas. Eles ficarão ressentidos com Israel por essas ações, o que alimentará o ciclo [de violência] como sempre ocorreu – a não ser que haja uma mudança muito grande ao final disso tudo".

"Depois de dois meses de intensas operações israelenses, está claro que erradicar o Hamas, mesmo como força de combate, será uma desafio enorme, e o impulso para conseguir fazê-lo irá destruir o que sobrou de Gaza", afirmou um relatório do think tank International Crisis Group publicado em 9 de dezembro.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, mais de 18 mil pessoas morreram nos ataques israelenses e mais de 49,5 mil ficaram feridas em apenas dois meses.

Estima-se que 61% das mortes sejam de civis, segundo uma análise de Yagil Levy, professor de sociologia da Universidade Aberta de Israel, citado pelo jornal israelense Haaretz. Ele diz que mais da metade dos edifícios de Gaza foram destruídos, e 90% da população está desabrigada.

"Netanyahu alega que a destruição do Hamas permitirá a 'desradicalização' de Gaza, mas o mais provável é o contrário disso", escreveram os especialistas do ICS. "A campanha atual e suas consequências vão produzir formas novas e talvez ainda mais ousadas de militância."

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