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CriminalidadeBrasil

Por que não dar visibilidade a autores de massacres

6 de abril de 2023

Criminosos que atacam escolas, como o ocorrido em Blumenau, costumam buscar atenção da mídia, e detalhar suas histórias, métodos e motivações pode servir de inspiração para novos casos semelhantes, afirmam pesquisadores.

Policiais atrás de faixa de isolamento onde se lê "Perigo, não ultrapasse"
Policiais isolam área da creche de Blumenau onde homem assassinou quatro criançasFoto: Denner Ovidio/REUTERS

O Brasil chocou-se nesta quarta-feira (05/04) com o ataque a uma creche de Blumenau (SC) no qual um homem de 25 anos assassinou quatro crianças e deixou outras quatro feridas com uma machadinha e um canivete e em seguida entregou-se à polícia, por motivos ainda não esclarecidos. 

O crime ocorreu pouco mais de uma semana após outro atentado em uma escola de São Paulo, no qual um adolescente de 13 anos matou uma professora com uma faca.

A ocorrência desse tipo de ataque em escolas está se tornando mais frequente no Brasil. Apenas nos últimos oito meses, foram dez episódios em estabelecimentos escolares, quase o mesmo número registrado no período de vinte anos anterior, segundo um levantamento feito por pesquisadores da Unicamp e da Unesp.

A repetição desses crimes abomináveis tem forçado especialistas e governos a se debruçarem sobre suas possíveis motivações. Costumam ser apontados o avanço da intolerância e do extremismo, a valorização da cultura de violência, a organização de grupos de ódio na internet e o aumento da frequência de problemas de saúde mental.

Especialistas e governos também buscam formas de evitar novas ocorrências do tipo. E uma das estratégias que vem sendo apontada por pesquisas a fim de reduzir a chance de novos ataques é calibrar a cobertura da mídia sobre esses episódios, para evitar que o comportamento dos criminosos seja exaltado e reproduzido por outros agressores no futuro.

Agressores buscam visibilidade

Um material elaborado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) sobre como cobrir ataques em escolas aponta que pesquisas sobre o tema identificaram que os agressores costumam ter o mesmo perfil.

São jovens de 10 a 25 anos, do sexo masculino, vítimas de bullying na escola e com características de isolamento social e indícios de transtornos mentais não diagnosticados ou não acompanhados.

Segundo a Jeduca, eles se articulam em comunidades online nas quais há incentivo à violência e à misoginia, muitas vezes de subcultura extremista, e lá aprendem os métodos de ataque.

"A motivação, muitas vezes, é se vingar e mostrar o próprio valor, fazendo o maior número possível de vítimas. E a intenção é ser visto, ser reconhecido pelo ataque, então a visibilidade alcançada na mídia é um dos efeitos desejados pelos agressores. Geralmente, esta não é uma decisão aleatória, e sim planejada", afirma o texto da Jeduca.

A associação relata que pesquisas sobre o tema indicam que a forma como a mídia cobre esses ataques pode aumentar a probabilidade de eles serem imitados e voltarem a acontecer.

"Quanto maior a exposição do agressor na mídia, maior a sua notoriedade, que geralmente é um dos objetivos dos ataques a escolas. Uma grande exposição do agressor gera um processo de 'santificação' do agressor entre seus pares, porque ele passa a ser visto como um grande exemplo", afirma o material da Jeduca, com base em um seminário apresentado pela pesquisadora Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília (UnB).

"A difusão de fotos e vídeos do ataque funciona como um incentivo à repetição do acontecimento porque é vista pelos pares como um reforço à sua suposta competência. Além disso, a divulgação dos detalhes serve para criar um modelo para outros atentados", diz o texto.

Autoridades têm percepção semelhante

No final de março, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, pediu que a mídia parasse de compartilhar imagens do ataque no bairro de Vila Sônia, na capital paulista, no qual o estudante de 13 anos matou uma professora.

A Polícia Civil de São Paulo informou que, no dia do ataque e no dia seguinte, foram registrados sete boletins de ocorrência envolvendo "planos de adolescentes em relação a ataques em ambiente escolar", em parte inspirados pelo que havia ocorrido na Vila Sônia.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o estudante que esfaqueou a professora também declarou em depoimento que se pautava em exemplos divulgados na mídia sobre ataques semelhantes.

"O efeito contágio é uma realidade e está demonstrando na prática o que acontece quando um caso é divulgado exaustivamente dessa maneira", afirmou Derrite.

Um dos boletins de ocorrência mencionados foi o de um aluno de Santo André que ameaçou sua professora, dizendo que os professores deveriam ser esfaqueados e que faria o mesmo no dia seguinte.

O Ministério Público de Santa Catarina também pediu ao público e à imprensa que não divulguem imagens, o nome e demais informações pessoais do autor do crime em Blumenau, "para evitar o estímulo para novos ataques". 

Evitar "efeito contágio"

Nesta quinta-feira, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um texto elencando as razões que motivaram a decisão de não publicar foto, vídeo, nome ou outras informações sobre o autor do ataque em Blumenau.

"Essa decisão segue recomendações de estudiosos em comunicação e violência e o próprio pedido de organizações como o Ministério Público de Santa Catarina", afirma o jornal. "Pesquisas mostram que essa exposição pode levar a um efeito de contágio, de valorização e de estímulo do ato de violência em indivíduos e comunidades de ódio, o que resulta em novos casos. A visibilidade dos agressores é considerada como um 'troféu' dentro dessas redes."

Thiago Amparo, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP, também abordou o tema em sua coluna desta quinta-feira no jornal Folha de S.Paulo. "Noticiar massacres de forma responsável requer, acima de tudo, evitar elevar a notoriedade dos seus autores, de suas táticas e de suas ideologias. Eis algumas estratégias: reportar fatos com um tom negativo, não como se fosse de uma 'celebridade', evitar descrição detalhada de motivações, diminuir a duração da cobertura, em especial em entradas ao vivo, não reportar detalhes das ações antes, durante e depois do evento."

A DW também optou por não divulgar o nome, a foto ou outros detalhes sobre o autor do ataque de Blumenau. Em seu manual interno, a DW orienta que é preferível dar atenção às vítimas e a seus familiares, ao invés de ao autor dos ataques, e cita como exemplo do risco de dar espaço aos agressores o caso do terrorista de extrema direita Anders Breivik, autor de atentados em julho de 2011 na Noruega que deixaram 77 mortos.

"A ampla cobertura midiática transformou-o em um garoto propaganda para radicais de extrema direita. Não devemos dar aos perpetradores e a seus apoiadores mais uma plataforma", afirma o manual da DW.

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