Pouco lembrado no pós-Guerra, Dia da Vitória, que celebra o triunfo soviético sobre a Alemanha nazista, passou a ser de central importância para a legitimização do poder, principalmente sob Putin.
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Todos os anos, a Rússia celebra, no dia 9 de maio, a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista com uma grande parada militar na Praça Vermelha, em Moscou.
Mas por que em 9 e não em 8 de maio, como nos países da Europa Ocidental? Bem, a capitulação incondicional da Alemanha nazista foi assinada em 7 de maio de 1945, às 2h41, pelo então chefe do Estado-Maior da Wehrmacht, coronel-general Alfred Jodl, no quartel-general do general Dwight D. Eisenhower, em Reims, na França.
Conforme o documento, a Wehrmacht encerraria os combates contra os Aliados em todas as frentes de batalha a partir das 23h01 de 8 de maio. A diferença entre a data da assinatura e a entrada em vigor era o tempo necessário para que a ordem de capitulação chegasse a todos os comandados.
Na prática, porém, em muitos pontos de combate os alemães já haviam se rendido: no norte da Itália, em 29 de abril; em Berlim, em 2 de maio; no noroeste da Alemanha, em 4 de maio; no sul da Alemanha, em 5 de maio.
Assim, o 8 de maio é conhecido em países europeus como o Dia da Vitória na Europa, ou Victory-in-Europe-Day (VE-Day).
Mas o ditador soviético Josef Stalin exigiu que houvesse uma repetição da assinatura de capitulação em Berlim pelos comandantes supremos da Wehrmacht. Do ponto de vista jurídico, essa exigência era sem sentido, pois Jodl tinha plenos poderes para assinar os documentos.
Historiadores afirmam que, com uma encenação da capitulação em Berlim, Stalin pretendia reclamar para a União Soviética o prestígio da vitória sobre a Alemanha nazista.
Assim, na noite de 8 para 9 de maio de 1945, os comandantes supremos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica da Wehrmacht assinaram o atestado de capitulação no quartel-general soviético em Karlshorst, em Berlim (hoje o Museu Berlim-Karlshorst). A última assinatura foi firmada em 9 de maio, às 0h16.
Por qualquer um dos dois documentos, a capitulação alemã se deu, do ponto de vista soviético, em 9 de maio de 1945. Pois no primeiro documento consta 23h01, ou um minuto depois da meia-noite em Moscou. E, no segundo, a última assinatura dos alemães é firmada já em 9 de maio.
Stalin ordenou primeira parada
O 9 de maio e a parada militar na Praça Vermelha nem sempre tiveram a importância que têm hoje na Rússia. Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, o sentimento dominante entre os russos era de luto devido às incontáveis perdas humanas.
A origem histórica das atuais celebrações anuais na Praça Vermelha é a parada da vitória que ocorreu em 24 de junho de 1945, no mesmo local de Moscou.
Aquela foi a maior parada militar da história da União Soviética: 40 mil soldados, 1.850 tanques e outros veículos de guerra e uma orquestra com mais de 1.300 músicos militares para celebrar a vitória sobre a Alemanha de Adolf Hitler. Só o tempo ruim não ajudou.
A celebração deixou uma imagem icônica da era soviética: a do marechal Gueorgui Júkov inspecionando as tropas perfiladas do alto de um cavalo branco. Deixou também uma anedota: a de que Stalin pretendia entrar triunfalmente na praça a cavalo, mas caiu do cavalo durante um ensaio e machucou um dos ombros. O ditador teria então determinado que Júkov o substituísse.
Simbolicamente, a parada remetia à Rússia Czarista: a União Soviética servia-se claramente de antigas tradições militares da época do czar. A Revolução de Outubro, de 1918, havia eliminado muitas cerimônias e formalidades militares, assim como insígnias e mesmo a designação de "oficial".
Porém, a "Grande Guerra Patriótica" – como Stalin nominou a Segunda Guerra Mundial – trouxe uma espécie de reconciliação com a antiga Rossija. A recuperação de antigas tradições servia para elevar o moral da tropa, o Exército Vermelho passou a se chamar oficialmente de Exército Soviético, e o "oficial", com as suas suntuosas ombreiras douradas, estava de volta. Antigos membros do Exército do czar, como o marechal Júkov, exibiam novamente a Cruz de São Jorge.
Stalin, que morreu em 1953, não repetiu a parada da vitória. Ele possivelmente entendeu que as lembranças da guerra eram muito dolorosas para os russos – afinal, mais de 20 milhões de cidadãos da União Soviética morreram, de longe o país com o maior número de mortos.
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Retorno sob Brejnev
A parada foi reencenada apenas mais três vezes pela União Soviética: nos anos de 1965, 1985 e 1990. Só a partir de 1995 que uma grande parada militar passou a ser organizada anualmente em Moscou no Dia da Vitória, no caso, 9 de maio. Em 2020, por causa da pandemia de covid-19, ela foi adiada – justamente para o dia 24 de junho.
O culto em torno da "Grande Guerra Patriótica" começou na era Brejnev (1964-1982). Leonid Brejnev era um veterano da guerra. Antes dele a Revolução de Outubro era o evento central da identidade soviética – e também de legitimação do Partido Comunista. Com Brejnev, o foco passou para a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Assim, em 1965, pela primeira vez o 9 de maio foi um dia feriado. Naquele ano foi novamente encenada uma grande parada militar na Praça Vermelha para festejar a vitória, que completava 20 anos.
Durante a era Brejnev, monumentos e museus sobre a Segunda Guerra Mundial foram inaugurados em toda a União Soviética, e o passado heroico da libertação da Europa do fascismo passou a servir de legitimação para o Estado ditatorial soviético.
O foco na Segunda Guerra permitia também a reabilitação de Stalin, que havia sido denunciado por Nikita Khrushchev em 1956, pois era claro que não era possível celebrar a vitória sobre os nazistas sem celebrar Stalin.
Após o colapso da União Soviética
Em meados dos anos 1990, já na era pós-soviética, quando o projeto de liberalização comandado pelo presidente Boris Iéltsen entrou em crise, o governo russo voltou a fazer uso da mitologia soviética. Uma nova parada militar foi encenada no Dia da Vitória na Praça Vermelha, e Iéltsen, sob os escombros do império soviético, declarou que aquela era a data mais importante da história russa.
Mas foi com Vladimir Putin que o culto da Grande Guerra Patriótica, com a parada militar na Praça Vermelha no Dia da Vitória, ganhou uma nova dimensão. Putin estabeleceu uma nova narrativa sobre a grandeza do Estado russo, deixando cada vez mais de lado, por exemplo, o terror sob Stalin, e centrando o foco na imagem da Rússia como a libertadora da Europa.
Desde a anexação da Crimeia, em 2014, a grande parada militar do 9 de maio passou a servir também para a legitimização da guerra contra a Ucrânia, com a alegação infundada de que nazistas estão no poder em Kiev.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.