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Por que o Brasil é recordista de vício em BBB?

16 de janeiro de 2024

Todo ano, a produção do programa recruta um elenco de machistas. Será que vale a pena assistir e passar essa raiva? Não passamos raiva o suficiente na vida real? Essa é uma boa maneira de relaxar? Acho que não.

Corpo de Yasmin Brunet foi alvo de críticas por participantes do "BBB24"Foto: Carlos Santtos/Fotoarena/IMAGO

"Por que as pessoas no Brasil gostam tanto de Big Brother? Todos os meus amigos, pessoas progressistas, adoram. Todo mundo assiste. Nunca vi algo assim."  A pergunta foi feita por um amigo alemão que também tem muitos amigos no Brasil durante o BBB 21, que foi exibido no auge da pandemia e virou uma febre nacional. E sucesso de lucro para a Globo, claro.

A pandemia acabou, mas meu amigo continua com razão. Sim, o reality é um sucesso entre todas as camadas da população. No momento, quando você entra nas redes sociais, tem a impressão de que "só se fala disso".

O sucesso do reality no Brasil é um "case" mundial. Mais pessoas veem o programa no país do que em qualquer outro lugar do mundo.

Os números mostram isso. A diferença de audiência entre o reality da Globo e suas versões mundo afora é gigantesca. A título de comparação: a estreia do BBB 24 foi vista por 39,1 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, a estreia do BB 25, exibido ano passado, atingiu (apenas) 3,4 milhões de telespectadores.

No Brasil, 51 milhões de pessoas assistiram à final do BBB 21, o programa com maior audiência dos últimos anos. Enquanto isso, nos EUA, o recorde, registrado no BB1, é de "apenas" nove milhões.

Aqui, na Alemanha, um "sucesso" de audiência foi comemorado na estreia do Promi Big Brother (Big Brother celebridades), quando mais de 1,7 milhão de pessoas assistiram à abertura do reality. Em geral, a média de audiência do programa fica abaixo de 1 milhão. Ou seja, o Brasil é o campeão do vício mesmo.

Raiva e escapismo

Acho que existem muitas razões para que o programa ainda faça tanto sucesso no Brasil. Uma delas é o escapismo. A vida não está fácil. Ir dormir pensando em quem deve sair no "paredão" ou em problemas de outras pessoas que não ganharam o "anjo", por mais ridículo que seja, pode ser bem mais confortável do que ir dormir encarando a própria vida.

Sei como é, também já fui meio viciada em BBB. E, claro, como boa adicta, assistia e usava o Twitter (atual X) ao mesmo tempo. Desde que as redes sociais existem, elas são parte da experiência antropológica de ver o BBB. Adoramos comentar. Adoramos ter opinião. E, em muitos casos, os fãs viram "hooligans". Sim, existe briga séria por causa do BBB. Difícil imaginar o programa hoje sem as redes sociais, onde nós, brasileiros, também colecionamos recordes de engajamento.

É difícil não ceder à tentação. Em parte, porque a direção do programa brasileiro costuma ser muito competente (para o bem e para o mal) e sabe muito bem como fisgar a audiência. Desde 2020, por exemplo, o programa reúne anônimos e famosos, o que amplia o interesse e as fofocas.

Outra técnica usada pela produção do programa é escolher participantes que geram raiva e com potencial para escândalos. Ano após ano, a produção recruta homofóbicos, machistas e outros tipos que geram ódio. A nossa revolta faz a Globo lucrar. Mas é difícil ficar quieta quando uma mulher é agredida e/ou insultada na TV.

Machismo e etarismo na tela da TV

No momento, as mulheres do Brasil estão revoltadas com o pagodeiro Rodriguinho, que fez sucesso nos anos 90 com o grupo Os Travessos. Motivo: em pouco mais de uma semana desde a estreia da nova temporada, ele já fez comentários machistas, etaristas e misóginos. Explico: o cantor disse que o corpo da modelo e influenciadora Yasmin Brunet "já foi melhor" e que ela está "mais velha" (sic).

"Ela tá mais velha e largou mão", disse, além de falar que ela estava comendo demais no programa.

A revolta com ele é justa. E lucrativa para a Globo, que ano que vem deve recrutar mais machistas para integrarem o elenco, já que a fórmula funciona.

Enquanto muitos se indignam, outros gostam e se identificam com os machistas e homofóbicos que sempre estão lá, formando uma espécie de "elenco fixo", já que os personagens mudam, mas as ideias continuam sempre presentes no programa.

Sim, vamos aceitar a realidade. Muitos gostam de ver um homem, por exemplo, julgando o corpo de uma mulher de maneira podre, já que eles mesmo fazem isso. O machismo exibido no programa em todas as temporadas é o mesmo praticado por pessoas comuns, infelizmente.

Será que vale a pena assistir e passar essa raiva? Não passamos raiva o suficiente na vida real? Ora, já lidamos com machismo, por exemplo, quase todos os dias. Isso é rotina. Para que assistir isso de novo na hora de lazer? Essa é uma boa maneira de relaxar? Acho que não. Mas entendo, é muito difícil resistir. Da Alemanha, sem acesso à Globo, eu mesma não resisto e "assisto" a muitas cenas pelo Twitter (hoje X). E passo raiva, claro.

Se vale a pena? Certamente não. Existem milhares de coisas melhores para fazer com o seu tempo, como "desligar a televisão e ir ler um livro" (como dizia uma antiga vinheta da MTV), ir para a academia, dar uma volta. A droga é poderosa. Vicia mesmo. Mas tentem resistir.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.