Por que Brasil e Europa estão registrando surtos de sarampo
22 de agosto de 2019O vírus do sarampo, que havia sido declarado erradicado no Brasil em 2016, voltou a circular no país e já alcançou 11 estados durante o inverno deste ano. São 1.680 casos confirmados até 10 de agosto, sendo 98,5% deles no estado de São Paulo.
A parcela da população mais vulnerável ao vírus são os bebês de seis meses a um ano de idade. Por isso, o governo determinou que, a partir dessa quinta-feira (22/08), todos os cerca de 1,4 milhão de bebês nessa faixa etária deverão receber uma dose inicial da vacina contra o sarampo. A norma anterior exigia a vacinação apenas aos 12 meses de idade, com um reforço aos 15 meses.
Um dos motivos da reintrodução do vírus no território brasileiro é a queda na cobertura da vacinação. A primeira dose da vacina tríplice viral, que imuniza contra o sarampo, chegava a toda a população em 2014. Esse percentual caiu para 96% em 2015, 95% em 2016 e 91% em 2017 e 2018, segundo dados do DataSUS. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que um país precisa ter no mínimo 95% da população imunizada para ficar livre da doença.
A cobertura no Brasil é ainda menor entre os bebês. Em 2018, a taxa de vacinação de crianças de um ano estava abaixo da meta em nove dos 11 estados com casos de sarampo neste ano, segundo dados das secretarias de saúde estaduais compilados pelo Ministério da Saúde, favorecendo o contágio pelo vírus.
A incidência do sarampo no inverno deste ano, nos estados com surto da doença, chegou a 38,3 bebês a cada 100 mil e a 7,8 crianças de 1 a 4 anos a cada 100 mil. No total nacional, a taxa de ocorrência doença é de 0,8 casos por 100 mil habitantes. Não há registro de morte por sarampo neste ano no país.
Segundo a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a queda na taxa de cobertura da vacina está ligada ao sucesso do programa de vacinação, pois a ausência de epidemias diminuiu a percepção do risco para o sarampo.
"Os pais que hoje têm 30 anos nunca viram sarampo na vida, e passam a não ver a vacinação como uma necessidade", diz.
Outros fatores que contribuem para reduzir a cobertura da vacinação, em menor escala, são a abertura de postos de saúde apenas em horários comerciais em muitos municípios, notícias falsas que vinculam vacinas a autismo e a falta de campanhas de conscientização, segundo Ballalai.
Em julho de 2016, o Brasil havia recebido o certificado de país livre do sarampo da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Mas a doença voltou a se espalhar pelo território em 2017, em Roraima e no Amazonas, a partir de pessoas infectadas com o vírus que vieram da Venezuela.
Neste ano, há também registros de transmissão com origem na Noruega, Israel e Espanha, além de um surto iniciado no navio MSC Seaview durante um cruzeiro pelo litoral brasileiro.
Em março de 2019, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o governo iria reforçar o monitoramento da vacinação por meio dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Ele também defendeu a aprovação de uma lei que exija o certificado de vacinação no ato de matrícula na educação infantil, tema de diversos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional.
O sarampo é uma doença grave que se espalha por meio do ar e do contato direto. Se não tratada rapidamente, pode provocar lesão cerebral, cegueira, surdez, retardo do crescimento e morte.
A situação na Europa
O elevado número de casos de sarampo neste ano é um fenômeno global. No primeiro semestre de 2019, a OMS registrou 364.808 casos da doença no mundo, 180% a mais do que no mesmo período do ano anterior e um recorde desde 2006.
Na União Europeia, o sarampo voltou a se espalhar com força em 2017, quando foram registrados 9,6 mil casos no primeiro semestre, sete vezes mais do que no mesmo período de 2016. A ocorrência do vírus permaneceu no mesmo patamar no primeiro semestre de 2018 e de 2019, quando houve cerca de 10 mil casos de sarampo.
O país do bloco com mais casos reportados de sarampo no primeiro semestre de 2019 é a Franca, com 2,3 mil casos (3,5 por 100 mil habitantes), seguido da Itália, com 1,8 mil (3 por 100 mil habitantes). Na Alemanha, foram 582 casos reportados (0,7 por 100 mil habitantes). O país com a maior taxa é a Lituânia, com 27,1 casos reportados por 100 mil habitantes, segundo dados do Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças.
O surto na Europa se relaciona à baixa cobertura de vacinação, segundo Ballalai, mas também está muito ligado a campanhas de desinformação que associam a vacina ao autismo.
Em 1998, um artigo cientifico publicado na revista médica Lancet apontou que algumas crianças poderiam ter desenvolvido autismo após serem vacinadas contra sarampo. Três anos depois, a revista retirou do ar a publicação após descobrir que o autor, o britânico Andrew Wakefield, havia deturpado os dados, mas o mito de que a vacina poderia causar autismo já havia se espalhado.
Diversos países europeus têm discutido e adotado leis para aumentar as taxas de vacinação. Em 18 de julho, o gabinete de governo alemão aprovou a obrigatoriedade da vacinação contra sarampo para crianças no país, prevendo multas de até 2,5 mil euros a pais que não vacinarem seus filhos em idade escolar, medida que ainda precisa ser ratificada pelo Parlamento. Segundo a lei, a partir de março de 2020, os pais terão que apresentar comprovante de vacinação contra o sarampo para inscrever seus filhos em creches, jardins de infância e escolas.
Em março de 2019, a Itália passou a proibir que crianças de até seis anos não imunizadas fossem matriculadas em escolas e a multar em 500 euros os pais que não vacinassem seus filhos.
Um dos maiores focos de contágio de sarampo na Europa é a Ucrânia, que registrou 53 mil casos em 2018 – o país faz parte do continente, mas não da União Europeia.
Ballalai afirma que a única forma de manter o sarampo sob controle é garantir que mais de 95% da população esteja imunizada. "Nem todo mundo pode se vacinar, como grávidas e imunodeprimidos. Além disso, de 2% a 3% das pessoas que se vacinam não ficam protegidas. Essas pessoas precisam que todas as outras se vacinem para criar um escudo contra epidemias. Vacinar-se é uma responsabilidade coletiva", diz.
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