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Por que o Brasil quer importar café do Vietnã?

Nádia Pontes de São Paulo
23 de fevereiro de 2017

Maior produtor do mundo, país debate liberar compra de grãos pela primeira vez em três séculos. Defendida como inevitável diante da seca, medida vem gerando protesto de cafeicultores brasileiros.

Plantação de café no norte do Paraná: venda externa do café solúvel cresceu 8% em 2016
Plantação de café no norte do Paraná: venda externa do café solúvel cresceu 8% em 2016Foto: picture-alliance/dpa

Maior produtor do mundo, o Brasil cogita, pela primeira vez em quase 300 anos de história de cultivo, liberar a importação de café, sob protesto dos produtores nacionais. Abastecidas com grãos do tipo conilon, as sacas a caminho são principalmente do Vietnã, líder em produção dessa variedade, e podem chegar ao país nos próximos 40 dias. 

No momento, a importação está suspensa pelo governo Michel Temer. O sinal verde, porém, já tinha sido dado pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex), que reduziu de 10% para 2% o imposto de importação para o café conilon, também chamado de robusta.

"O nosso entendimento é que a aprovação foi apenas adiada. O ministro combinou com a gente que o assunto será retomado após o carnaval", disse por telefone à DW Brasil Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic).

O assunto polêmico tem origem nos cafezais brasileiros, que renderam estatísticas ambíguas em 2016. No mesmo ano em que o Brasil bateu recorde de exportações de café solúvel, produzido a partir do grão conilon, a safra caiu pela metade, de 10 para 5 milhões de sacas.

"Está faltando café conilon para completar a demanda total de café no Brasil”, justifica Herszkowicz. A importação, segundo ele, não será permanente. "É uma compra pequena, uma cota criada de 1 milhão de sacas de café pra ser importada até maio deste ano", disse.

Os produtores nacionais de café conilon discordam. "É uma importação desnecessária, inoportuna. Temos café para atender a indústria. Tudo é uma jogada pra baixar o preço da saca", afirma Antônio Joaquim de Souza Neto, presidente da Cooperativa Agrária de Cafeicultores de São Gabriel (Cooabriel), que reúne produtores da principal região produtora da variedade, no norte do Espírito Santo.

Briga nos bastidores

O conilon representa 15% da produção nacional de café. O arábica domina as lavouras do país, com 85%. Com um grão mais duro e bem preso ao pé, o conilon é usado na produção de café solúvel – ele compõe apenas 10% do blend de café torrado e moído vendido nacionalmente.

Plantações de café são aliadas do reflorestamento

04:17

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No Brasil, é cultivado numa região quente e, portanto, precisa de irrigação para crescer. "Até 80% da produção é irrigada. Há três anos estamos sofrendo com falta de água, de chuva, não tivemos como irrigar. Os rios secaram. E a produtividade caiu", explica Souza Neto. Além do Espírito Santo, os estados de Rondônia e Bahia também enfrentaram problemas.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), com a subida dos preços, o mercado se deu conta de que faltaria café. "Essa medida [de importação] visa até garantir o futuro do produtor num longo prazo. Se a indústria de café solúvel ficar fragilizada e perder mercado lá fora, eles não vão ter para quem escoar a produção", argumenta Pedro Guimarães Fernandes, diretor da Abics. 

Dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil mostram que a venda externa do café solúvel cresceu 8% em 2016, com uma receita estimada em US$ 600 milhões. O mercado externo absorve até 90% da produção total de café solúvel do Brasil.

Os produtores acusam o governo de ter cedido à pressão dessa indústria. "Daqui a 60 dias começa a nova safra de café no Brasil, e vai ter café importado chegando. Isso vai ser prejudicial para os produtores brasileiros que vão estar colhendo café, pois o preço vai cair mais ainda", argumenta Souza Neto.

Polêmica generalizada

Numa nota de repúdio, a Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), a maior do mundo, se opõe à importação do conilon. "Além de fragilizar o produtor, que já enfrenta uma seca severa, traz para toda a cadeia produtiva de café riscos fitossanitários, como a introdução de doenças ou pragas não existentes no país”, diz a nota.

A Cooxupé chama de "incoerente” a compra externa alegando que a produção é suficiente no Brasil para atender as demandas interna e externa.

Fernandes, da Abics, discorda. "Se isso fosse verdade, não estaríamos preocupados como estamos, e os preços não estariam tão descolados do mercado externo como estão. Não é pressão da indústria. É uma questão de sobrevivência", diz.

No mercado internacional, a saca de café conilon está sendo negociada em média por US$ 120. No Brasil, no momento, o valor médio é de US$ 150.

Futuro do mercado

A Abics enxerga a decisão como inevitável. "Isso aconteceria, mais cedo, ou mais tarde. Não faz sentido o Brasil ser o único país do mundo fechado para o café", afirma, sobre a necessidade de abrir o mercado para importação.

Para os produtores, a chegada de café externo significa o "inicio da erradicação do cultivo de café no Brasil”. Para Souza Neto, sua geração vai passar pelo mesmo problema que o pai enfrentou há cinco décadas.

Onde hoje o produtor planta conilon, a paisagem era dominada por cafezais da variedade arábica até a década de 1960. Foi quando o governo federal iniciou um plano de erradicação dos cafezais devido a uma supersafra, que desestabilizou os preços.

A medida atingiu o Espírito Santo em cheio – o pai de Souza Neto foi indenizado, mas o dinheiro acabou logo e ele estava proibido de garantir a renda plantando café.

O conilon foi introduzido mais tarde na região, junto com a instalação de uma fábrica de café solúvel. "Vamos ter que trocar de profissão, trocar de lugar plantar pimenta, mamão, vai ser difícil”, prevê.