Bombardeio de Israel contra líderes do Hamas em Doha pode desestabilizar ainda mais o Oriente Médio. Catar prometeu consequências. Ação israelense pode ainda ter impacto nas negociações sobre conflito em Gaza.
Ataque israelense ocorreu em um prédio de Doha, capital do Catar, no dia 9 de setembro de 2025Foto: Ibraheem Abu Mustafa/REUTERS
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Até agora, a resposta do Catar ao ataque israelense a um prédio na capital do país, Doha, na terça-feira (09/09), que matou cinco líderes políticos de baixo escalão do grupo Hamas e um oficial de segurança local, limitou-se a uma condenação verbal.
Emir do Catar, o xeque Tamim bin Hamad Al Thani, condenou o ataque e afirmou que o país responsabiliza Israel pelas "consequências".
O primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani, disse que o ataque de Israel contra Doha "acabou com qualquer esperança" para os 48 reféns que ainda permanecem na Faixa de Gaza, acrescentando que se sentiu "traído" por esse atentado contra a soberania de seu país.
"Acho que o que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fez foi simplesmente acabar com qualquer esperança para estes reféns", disse o também chefe da diplomacia do Catar, país mediador junto com o Egito e os Estados Unidos nas conversas para a trégua em Gaza. "Não tenho palavras para expressar nossa indignação por este ataque. É terrorismo de Estado. Fomos traídos", declarou.
Já Netanyahu afirmou que o ataque foi "totalmente justificado", já que o Hamas organizou o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 contra Israel, com mais de 1.200 mortos e 250 reféns. O premiê também relacionou o ataque com o tiroteio em Jerusalém, que deixou seis mortos na segunda-feira.
O Hamas – grupo islâmico palestino classificado como organização terrorista por União Europeia, Israel, Estados Unidos e outros países – confirmou apenas que Himam al-Hayya, filho de seu principal negociador, Khalil al-Hayya, foi morto. De acordo com a agência de notícias AFP, Khalil e o líder do Hamas no exterior, Khaled Meshaal, também estavam no prédio atacado. A AFP informou que não conseguiu entrar em contato com nenhum dos dois.
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Diplomacia ou escalada militar?
Para Sanam Vakil, diretora do Programa do Oriente Médio e Norte da África do think tank Chatham House, com sede em Londres, "o ataque é um alerta para toda a região, onde os limites das parcerias e alianças tradicionais estão sendo redefinidos".
"Os países do Golfo sabem que suas parcerias com os Estados Unidos são importantes do ponto de vista econômico e de segurança. Por isso, é difícil imaginar uma ruptura ou rompimento imediato", acrescenta a especialista.
Hugh Lovatt, pesquisador do Conselho Europeu de Relações Exteriores, não acredita que a situação atual possa se transformar em um conflito entre Catar e Israel. "O Catar não vai, de forma alguma, retaliar militarmente", afirma. Em vez disso, ele especula que o país poderia usar seu fundo soberano para exercer pressão econômica.
Essa opinião é compartilhada por Neil Quilliam, especialista em relações exteriores da consultoria Azure Strategy, com sede em Londres. "O Catar não está preparado para escalar a situação. Uma retaliação levaria Israel a responder com mais força, e a confiança de Doha nos EUA para garantir sua proteção deve estar abalada no momento", completa.
O emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, e o presidente dos Estados Unidos, Donald TrumpFoto: Alex Brandon/AP Photo/picture alliance
O Catar e os EUA, que são o parceiro mais importante de Israel e um forte apoiador na guerra contra Gaza, também são aliados estratégicos. O Catar abriga a maior base militar dos EUA na região e utiliza sistemas de defesa aérea americanos.
O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que não estava "muito empolgado" com a ação. Ele também afirmou em uma publicação nas redes sociais que não havia sido notificado com antecedência sobre o ataque ao Catar: "Essa foi uma decisão tomada pelo primeiro-ministro [israelense] Netanyahu; não foi decisão minha".
"Considero o Catar um forte aliado e amigo dos EUA e sinto-me muito mal com o ataque naquele local", escreveu Trump, também salientando que acreditava que eliminar o Hamas continuava a ser um "objetivo válido".
Negociações sobre Gaza em risco?
O ataque israelense interrompeu a última rodada de negociações sobre um cessar-fogo em Gaza e a possível libertação dos reféns mantidos pelo Hamas após quase dois anos de guerra. Inicialmente, o premiê do país afirmou que o Catar não se deixaria intimidar pelo ataque.
"O Catar não poupou esforços para parar essa guerra e fará tudo o que estiver ao seu alcance para pôr fim a ela, para acabar com a hostilidade em Gaza", afirmou a jornalistas, acrescentando que a sua mediação "continuará, e nada nos impedirá de seguir a desempenhar esse papel".
A posição consolidada do Catar como negociador-chave entre Israel e o Hamas baseia-se nas suas ligações únicas com ambos os lados do conflito.
Nesta quarta-feira, porém, Al Thani disse à emissora americana CNN que está "reavaliando tudo" em relação ao papel de seu país nas negociações de cessar-fogo entre o Hamas e Israel. "Tenho repensado, até mesmo sobre todo o processo das últimas semanas, que Netanyahu está apenas desperdiçando nosso tempo", declarou.
Por que a ONU não consegue garantir a paz no mundo?
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Monitorando o Hamas
Na opinião de Quilliam, "o Catar é realmente o mediador extraordinário na região quando se trata de Israel". Isso começou a se desenvolver especialmente a partir de 2012, quando a liderança política do Hamas se mudou da Síria para a capital do Catar, Doha. Na época, os EUA queriam impedir que o Hamas se mudasse para o Irã, um firme apoiador do grupo com quem compartilha a oposição a Israel e aos Estados Unidos. Washington presumiu que, em Doha, seria mais fácil monitorar o grupo.
Para Quilliam, os laços do Catar com o Hamas podem ser melhor descritos como uma relação profissional. "O Catar está mais propenso a manifestações políticas do islamismo na região", afirmou. Países vizinhos, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, costumam ser mais abertamente contrários a grupos islâmicos.
Ele acrescenta que o Catar também é um crítico ferrenho de Israel, destacando-se de outros países da região [como Bahrein ou Emirados Árabes Unidos, que estabeleceram relações diplomáticas com Israel como parte dos Acordos de Abraão mediados pelos Estados Unidos em 2020].
No entanto, o especialista ressalta que, embora o Catar respeite o Hamas como um movimento político e de resistência, não endossou publicamente o controle exclusivo do grupo sobre Gaza.
Relações pragmáticas
A postura do Catar geralmente tem sido apreciada por Israel, que ao longo do tempo desenvolveu confiança nas habilidades catarianas de negociação. No entanto, Catar e Israel não têm laços formais, mas sim relações pragmáticas desde a década de 1990.
Para o governo de Netanyahu, manter o Catar na mesa de negociações é importante devido à pressão crescente dentro e fora de Israel para acabar com a guerra em Gaza. Desde então, mais de 64.500 palestinos foram mortos, número que não pode ser confirmado, mas é considerado confiável, provindo do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas. Além disso, cerca de 50 reféns permanecem em cativeiros do Hamas, dos quais se estima que apenas 20 ainda estejam vivos.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.