Por que o consumidor brasileiro se contenta com pouco?
11 de abril de 2018
Muitos produtos no Brasil são caros, de qualidade ruim e tem pouca variedade. O serviço também é fraco. O que leva os brasileiros a se darem por satisfeitos com tão fraca oferta?
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Amigos brasileiros e alemães sempre ficam admirados com o que eu trago ao Brasil de minhas viagens à Alemanha. Não estou falando de pão ou muesli, coisas de que um alemão sempre sente falta no estrangeiro. Eu trago coisas simples e cotidianas: creme dental, canetas hidrográficas, até mesmo panos de limpeza para cozinha. Se ainda há espaço na bagagem, também filmes de PVC para embalar alimentos ou velas de réchaud.
O motivo: a qualidade, a diversidade e a oferta desses artigos simples de consumo ainda são modestas no Brasil, apesar do aumento do poder de compra e da ascensão de 30 milhões de brasileiros à classe média. Supermercados de interior ou na periferia das grandes cidades lembram os tempos antigos do Leste Europeu, embora os preços estejam mais para os de uma delicatessen.
Supermercados populares alemães competem sem problemas com delicatessens ou supermercados sofisticados das áreas residenciais da classe média brasileira. Shampoo, ovos de Páscoa ou as mencionadas velas de réchaud custam no Brasil muito mais do que na Alemanha, embora a renda per capita europeia seja significativamente maior.
Em termos de qualidade, de qualquer forma, os produtos deixam bastante a desejar: o filme de PVC é tão fino que rasga permanentemente. O cotonete perde a cabeça de algodão, mal a pessoa o segura. O abridor de latas quebra depois da segunda lata de extrato de tomate. Para nossa cozinha, pudemos escolher entre exatamente dois modelos de lava-louças.
O serviço também é fraco. Na hora de fazer valer a garantia, lavadora, TV e multiprocessador permaneceram na oficina por vários meses, até que as peças que faltam sejam enviadas pelo fornecedor. A oferta é limitada: 90% das cervejas consumidas são compostas por três variedades de dois fabricantes que, além disso, têm gosto semelhante...E a lista poderia durar eternamente.
Esse tema tem a ver com a controvérsia surgida há um ano na UE, conhecida na Alemanha pela expressão Nutellagraben (fosso da Nutella). Os europeus do Leste reclamaram na época que alimentos com mesmo nome e rótulo tinham diferenças de qualidade, sabor e composição, dependendo do país. Na área deles são vendidas mercadorias inferiores – era a acusação vinda do Leste. A Nutella em Viena seria mais cremosa do que em Budapeste.
Quando eu pergunto aos produtores no Brasil sobre o motivo das diferenças em qualidade e preços, na maioria das vezes eles reclamam das altas tarifas de importação sobre produtos primários, os custos salariais e assim por diante. Isso é, certamente, justificado. E explica por que é mais barato para jovens famílias da classe média comprar o enxoval completo do bebê em Miami do que comprar tudo no Brasil – incluindo voo, aluguel de carro e hotel.
Após mais perguntas, aparecem outras respostas: um conglomerado global que, compreensivelmente, não quer ser identificado, atribui a pobre relação entre custo-benefício ao fato de os brasileiros se contentarem com pouco. Segundo ele, as pessoas não são acostumadas com melhor qualidade – e também não a reivindicam.
Economistas apontam que a concentração de mercado entre fornecedores de alimentos e varejistas é alta e vem crescendo. Sem concorrência, as corporações não teriam que se esforçar em mercados fechados como o Brasil. Os consumidores não teriam alternativas. Segundo eles, os brasileiros tradicionalmente comparam pouco preços. Isso seria devido à alta inflação, que dificulta compras racionais.
Uma explicação política para o fenômeno dos produtos de baixa qualidade oferecidos a preços elevados no Brasil vem de Matias Spektor, professor de relações internacionais: não há pressão política sobre as empresas para oferecer produtos melhores, mais baratos e em maior variedade. O interesse no assunto é limitado entre os formadores de opinião no Congresso, no mundo burocrático e nos governos. Enquanto a maioria dos brasileiros não conhece outra coisa a não ser a oferta local, a elite não é dependente do mercado local: ela faz a mala e compra o que precisa no exterior. Exatamente como eu faço.
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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Quanto custa ir às compras na Alemanha?
Mesmo com renda média muito superior a dos brasileiros, alemães pagam menos no supermercado, também em relação à maioria de seus vizinhos europeus. Veja comparação de preços de alguns produtos entre Brasil e Alemanha.
Foto: DW/A. Wojcieszak
Nutella
Ao fazer comprar em mercados alemães, muitos brasileiros se admiram com os preços de alguns produtos. Por exemplo, um pote de Nutella de 350 gramas, que no Brasil custa cerca de R$ 22, na Alemanha sai por volta de 2,25 euros (R$ 9). É bom lembrar que frente a seus vizinhos diretos, como Holanda e Dinamarca, o custo de vida na Alemanha é mais barato. Só Polônia e República Tcheca são mais em conta.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
Papel higiênico
Outro exemplo é o papel higiênico. Os inúmeros tipos e marcas dificultam a comparação, já que na Alemanha mesmo os produtos mais baratos têm mais camadas. Um pacote de folha tripla com 16 rolos sai por volta de 4,30 euros (R$ 17), enquanto no Brasil a mesma quantidade em folha dupla fica por cerca de R$ 22.
Foto: Imago/M. Westermann
Xampu
No geral, o custo de produtos de higiene na Alemanha é mais baixo. Exemplo disso é o xampu. Um frasco de 400 ml – da mesma marca – que no Brasil custa em média R$ 16 sai por volta de 3 euros (R$ 12) na Alemanha. Os preços da Alemanha são mais baixos que em países como Suíça, Luxemburgo, França e Áustria, o que gera um verdadeiro turismo de compras nas fronteiras.
Foto: Fotolia/P. Marcinski
Absorvente higiênico
Absorventes e tampões são taxados com mais de 25% no Brasil e quase 20% na Alemanha. Mesmo assim, nos tampões, a diferença de preço é quase o dobro: pacote com 20 unidades no Brasil custa cerca de R$ 14 contra 2 euros (R$ 8) na Alemanha. Já uma embalagem com 32 absorventes, que custa cerca de R$ 20 no Brasil, sai na Alemanha por 3,70 euros (R$ 15), comparando produtos de marcas iguais.
Foto: Imago
Leite, arroz e espaguete
Alguns produtos básicos têm preços semelhantes na Alemanha e no Brasil, apesar de a renda média do alemão ser quase sete vezes maior que a do brasileiro. Na Alemanha, o litro do leite custa cerca de 0,80 euro (R$ 3,20) e no Brasil, R$ 2,20. Já o quilo do arroz fica por 0,90 euro (R$ 3,60) contra R$ 2,70. Enquanto o espaguete sai, em ambos países, por volta de 0,50 euro (R$ 2).
Batata
Mas nem tudo é mais barato na Alemanha. Apesar de ser o país da batata, o quilo do produto nos supermercados alemães custa cerca de 2,50 euros (R$ 10), já no Brasil sai por R$ 3 no Brasil. Apenas pouco mais que 10% da renda dos alemães é destinada à compra de alimentos, segundo o jornal "Die Welt". No Brasil, os últimos dados oficiais apontam que essa cifra gira em torno de 16%.
Foto: Igor Kovalchuk - Fotolia.com
Combustível
Na hora de abastecer o carro, por exemplo, o Brasil também é mais em conta, apesar de a maioria dos postos da Alemanha não terem frentistas. O litro da gasolina na Alemanha custa cerca de 1,35 euro (R$ 5,40) contra R$ 4,20 no Brasil. Assim como o diesel, que fica por volta de 1,20 euro (R$ 4,80) para os alemães, contra R$ 3,40 para os brasileiros.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Klose
Banana e café
Banana e café são realmente típicos da América Latina, isso também se nota no supermercado. Enquanto para comprar uma dúzia de banana nanica na Alemanha é preciso desembolsar cerca de 4 euros (R$ 16), no Brasil ela custa por volta de R$ 4. A diferença de preço no pó de café também é grande: pacote de meio quilo que sai por R$ 11 no Brasil custa 5,50 euros (R$ 22) na Alemanha.
Foto: Colourbox
Camisinha
Outro item mais barato no Brasil é o preservativo. Comparando a mesma marca de camisinha, um pacote com oito unidades que custa cerca de R$ 9 no Brasil, na Alemanha fica por volta de 3,70 euros (R$ 15). Vale a pena dizer que o preço dos preservativos na Alemanha é mais baixo que em boa parte dos países europeus, onde em média uma camisinha custa 0,70 euro (R$ 2,80).
Foto: Imago/Mint Images
Fraldas e lenços umedecidos
Uma das maiores diferenças de preço fica por conta de artigos de bebê. Na Alemanha, um pacote com 80 fraldas custa cerca de 14 euros (R$ 56), já no Brasil, é preciso desembolsar R$ 80 para produto da mesma marca. Nos lenços umedecidos a diferença é ainda maior: 3,50 euros (R$ 14) contra R$ 54 para embalagem com 168 lencinhos.
Foto: imago/imagebroker
Carne de gado
Já a carne de gado é um exemplo clássico de um produto bem mais barato no Brasil. O quilo do filé mignon na Alemanha custa cerca de 50 euros (R$ 200), já no Brasil esse valor gira em torno de R$ 60. Isso também vale para o quilo do peito de frango, que na Alemanha custa 10 euros (R$ 40) e no Brasil por volta de R$ 14. O salário mínimo na Alemanha é 8,84 euros (35 reais) por hora.
Foto: HLPhoto/Fotolia.com
Coca-cola
Tão comuns no Brasil, na Alemanha não se encontra garrafa de Coca-Cola de dois litros, apenas embalagens com quantidades menores. A garrafa de 1,5 litro, que custa cerca de R$ 6 no Brasil, sai por 1 euro (R$ 4). Na Alemanha, existem ainda diversas alternativas locais e com preços competitivos à marca americana, como Fritz-Kola e Afri-Cola.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Kalaene
iPhone 8 e TV Samsung 40"
Apesar de serem mais baratos nos Estados Unidos, para os brasileiros também vale a pena comprar produtos eletrônicos na Alemanha. Por exemplo, um iPhone 8 com 64 gigas, que custa cerca de R$ 4 mil no Brasil, na Alemanha, fica por volta de 800 euros (R$ 3.200). Já uma Smart TV de 40 polegadas da Samsung sai em média por 470 euros (R$ 1880) contra R$ 2.400.