Fracasso de Merkel e grandes partidos em constituir coalizão pode parecer uma crise de Estado. Mas o governo interino é perfeitamente funcional. E a Alemanha não é um caso isolado.
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Para muitos, Wolfgang Schäuble é "o" veterano da política alemã. O presidente da bancada parlamentar da conservadora União Democrata Cristã (CDU) já viu muita coisa e travou numerosas batalhas políticas: sua palavra tem peso.
Na terça-feira (21/11), após o fracasso das negociações da assim chamada "coalizão Jamaica", ele descreveu deste modo as circunstâncias:
"Caras e caros colegas, temos uma situação inusitada, como o presidente [Frank-Walter Steinmeier] também frisou. É um teste de resistência, mas não é uma crise estatal."
Schäuble tem razão: no atual estado de coisas, Angela Merkel e sua CDU não conseguiram formar um novo governo com a irmã bávara União Social Cristã (CSU), o Partido Liberal Democrático (FDP) e o Partido Verde. No entanto, Merkel continua no mesmo posto que já ocupa há 12 anos: a Chancelaria Federal.
Desde que o novo parlamento foi eleito, o governo federal funciona apenas interinamente. Mas a Lei Fundamental alemã reza: a rigor ele tem exatamente os mesmos direitos e deveres que um governo eleito. E não há prazo para um governo: ele permanece em vigor até ser eleito um novo.
Chance para a democracia?
A Alemanha, portanto, não está desgovernada. E alguns parlamentares até veem uma chance na atual constelação, à primeira vista, caótica. Segundo o liberal Christoph Hoffmann, "os grandes partidos estabelecidos estão se diluindo um pouco".
"[Agora] temos mais partidos no Parlamento, e nesse caso fica cada vez mais difícil encontrar coalizões estáveis. Está perfeitamente claro, é preciso se preparar para isso. Mas é também uma chance para a democracia, e não vai enfraquecer o Parlamento."
Johannes Kahrs, da ala conservadora do SPD, concorda, e não vê o menor sinal de crise. "Temos um governo que trabalha, o orçamento está lá. Agora temos um debate sobre como vamos lidar com o resultado da eleição. Mas isso também faz parte de qualquer democracia."
Raio de ação limitado
Apesar disso, um governo não eleito pelo Parlamento não deve tomar decisões realmente relevantes, que estabeleçam precedentes. Da constelação interina não se devem esperar resoluções como, por exemplo, o fim do serviço militar obrigatório, o abandono da energia nuclear ou leis importantes relativas à imigração.
"É uma situação que nunca ocorreu na história da Alemanha"
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Esse fato já teve consequências concretas. Quando, na recente conferência do clima COP23, em Bonn, mais de 20 nações anunciaram a intenção de renunciar à produção de eletricidade com carvão mineral, a ministra alemã do Meio Ambiente, a social-democrata Barbara Hendricks, aprovou a decisão, mas se ateve de aderir, para não se antecipar ao futuro governo em Berlim.
Também as competências dos ministros estão ligeiramente restritas, não perante as leis, mas pelas regras da boa conduta política. Por outro lado, se for preciso o governo interino tomar uma decisão extremamente importante, ele pode sempre pedir a aprovação do novo Parlamento, onde os grandes partidos CDU/CSU e SPD possuem clara maioria e a possibilidade de apoiar seus ministros.
Governo minoritário
Em Berlim muito se discute atualmente sobre um possível governo minoritário, em que a CDU de Merkel, mais a CSU e ou o Partido Verde ou o FDP, ficariam sempre dependendo dos votos da oposição, de caso para caso.
Na Dinamarca, esse tipo de governo de minoria já é quase rotina. Na Alemanha, por outro lado, os especialistas não veem a alternativa com grande entusiasmo. Entre eles, Volker Boehme-Nessler, jurista e cientista político da Universidade de Oldenburg.
"Para o período de transição, o governo minoritário certamente não seria problema, mas no longo prazo não seria uma solução. É também psicologicamente complicado fazer passar leis diferentes com parceiros diferentes." Até porque o país não tem experiência com esse modelo.
Aí, novas eleições parecem a solução mais provável, caso Merkel não encontre aliados que lhe assegurem maioria.
Estilo Merkel
Há quem veja na atual situação até mesmo uma vantagem para a chefe de governo. Como afirma seu correligionário Roland Koch, ex-governador do estado de Hessen, "ela está governando agora numa fase em que todo elemento visionário demais perturba o expediente. Isso combina com o pragmatismo dela".
O elogio à líder partidário vem com uma ponta de veneno. O que não é de espantar, já que, por muito tempo, Koch foi adversário de Merkel e crítico de sua decisão de abrir mão de diversas posições conservadoras na CDU.
O bom exemplo holandês
A vizinha Holanda acaba de dar um exemplo tranquilizador para os alemães. Depois de passar sete meses sem governo eleito, desde as eleições de março, poucas semanas atrás ela constituiu sua nova liderança política. E nem por isso o país se precipitou no caos.
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A história da eleição alemã
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
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1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
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1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
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1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
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1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
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1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
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1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
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1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
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1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
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1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
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1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
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1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
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1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
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2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
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2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
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2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
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2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
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2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.