Região concentra quase 27% do eleitorado do Brasil e é muitas vezes subestimada como fator-chave na disputa. Reduto do PT desde 2002, é ela que está impulsionando Fernando Haddad no caminho para o segundo turno.
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Passados mais de 30 dias da campanha eleitoral, quase todos os principais candidatos à Presidência concentraram suas atividades de campanha no Sudeste, a região que conta com o maior número de eleitores do país: 43,3% do total. A exceção é o petista Fernando Haddad, que direcionou a maior parte das suas atividades ao Nordeste, a segunda região com mais eleitores, com 26,6% (39,2 milhões).
A escolha não foi por acaso. Desde 2002, o Nordeste é um reduto do PT em eleições presidenciais. Até a primeira vitória de Lula, a maior parte do eleitorado da região tendia a votar em candidatos tucanos e mostrava resistência em relação ao PT, que tinha um desempenho melhor entre a classe média do Sudeste. Em 2002, 47% dos votos recebidos por Lula no segundo turno vieram do Sudeste.
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No entanto, o quadro mudou constantemente nos anos do PT na Presidência, deixando o partido cada vez mais dependente do Nordeste conforme a proporção do seu eleitorado se reduzia no Sudeste.
Em 2002, tanto os candidatos do PT quanto do PSDB à Presidência obtiveram no Nordeste 25% dos seus votos no segundo turno. Oito anos depois, 33% dos votos recebidos por Dilma Rousseff no segundo turno (PT) vieram da região. A proporção do tucano José Serra foi de 18%.
Em 2014, a dependência do PT em relação ao Nordeste ficou ainda mais gritante. Pela primeira vez, a região ultrapassou o Sudeste em importância eleitoral para os petistas. Dilma recebeu 37% dos seus votos no segundo turno de eleitores da região, contra 36% do Sudeste. Para os tucanos, mais terreno foi perdido – só 16% dos votos que Aécio Neves conquistou vieram da região.
No segundo turno em 2014, Dilma derrotou Aécio Neves nos nove estados nordestinos. Sete em cada dez eleitores da região votaram (71,7%) nela. A importância do Nordeste na vitória de Dilma foi tamanha que o eleitorado da região passou a ser alvo de ataques preconceituosos em redes sociais por parte de usuários de outras regiões inconformados com a reeleição da petista.
Em 2018, a região é vista mais uma vez como estratégica pelo PT. Em agosto, quando ainda era o candidato a vice na chapa petista, Fernando Haddad realizou na região seu primeiro evento público de campanha em nome do PT. Na ocasião, concedeu entrevistas a várias rádios da região. No último sábado (15/09), o programa eleitoral do PT na TV, já com Haddad como candidato, foi principalmente direcionado ao eleitorado nordestino, apontando realizações dos governos petistas na região. "Eu participei dessa revolução, como ministro de Lula", disse Haddad no programa.
Segundo pesquisa Ibope desta terça-feira (18/09), Haddad já é o líder em toda a região Nordeste, com 31% das intenções de voto. Segundo o instituto, ele saltou 26 pontos percentuais na região desde 20 de agosto. Isoladamente, esses 31% de intenções de votos no Nordeste correspondem a mais de 8% do percentual nacional de Haddad, que chegou a 19%, segundo o Ibope.
Jair Bolsonaro (PSL), por sua vez, apesar de ser o líder isolado na disputa nacional, aparece em terceiro lugar no Nordeste, com 16% dos votos na região, pouco atrás de Ciro Gomes (PDT), que tem 17%.
O cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já havia apontando em agosto que a região faria sua influência ser sentida novamente neste pleito. "No primeiro turno das eleições de 2014, 27% dos eleitores que compareceram para votar moravam no Nordeste. Desse modo, um candidato que recebe 50% dos votos na região já garante cerca de 13,5% em âmbito nacional. Numa disputa altamente competitiva, esse patamar já coloca um candidato na disputa para ir para o segundo turno", afirmou.
Já o cientista político Alberto Almeida, autor do livro A cabeça do brasileiro, aponta que Haddad ainda tem muito potencial na região. "Ele ainda vai avançar na região. Pode chegar a 70% dos votos válidos ali. O Nordeste está empurrando Haddad para o segundo turno".
Ainda segundo Almeida, muitos analistas ignoraram o fator Nordeste em suas previsões sobre o pleito, preferindo se concentrar em aspectos como tempo de TV e redes sociais. "Parece que muita gente do eixo Rio-SP, onde estão concentradas a mídia e as grandes empresas, esquece que o Nordeste existe. É uma região que só é lembrada quando a eleição se aproxima", comenta.
A região ainda conta com 19% de eleitores que ainda não sabem em quem votar ou afirmaram que devem votar em branco ou nulo, sinalizando um campo ainda em aberto para uma ampliação da base. Almeida também aponta que é preciso olhar com atenção para o comportamento dos eleitores do norte de Minas Gerais, região que partilha de muitas características do Nordeste. Minas é o segundo estado com mais eleitores no Brasil.
Por enquanto, Haddad só tem 15% das intenções no Sudeste, o maior colégio eleitoral do país, que correspondem a 6,5% dos seus eleitores em todo o Brasil.
Mas nem tudo parece inevitável para a estratégia de transferência de votos do PT, que tenta colar a imagem do ainda popular ex-presidente Lula em Haddad. Ao contrário dos pleitos que ocorreram entre 2006 e 2014, o PT enfrenta um adversário da região Nordeste, o cearense Ciro Gomes (PDT). Em 1998, quando concorreu pela primeira vez à Presidência, Ciro foi apontado como o responsável pela queda no número de votos de Fernando Henrique Cardoso na região em relação ao pleito de 1994.
E ao contrário de eleições anteriores, o PT não conta mais com a força do governo federal, e a ação de Lula como cabo eleitoral foi afetada pela sua prisão.
Alberto Almeida, no entanto, aponta que Ciro não deve ser um obstáculo para um crescimento ainda maior de Haddad na região. "Ciro provavelmente vai cair. Vai ocorrer um efeito Haddad na região, com cada vez mais pessoas propagandeando que vão votar nele. O Bolsa Família vai derrubar o Ciro no Nordeste", diz, lembrando que o programa de transferência de renda criado no governo Lula foi um dos grandes responsáveis pelo aumento da influência do PT na região. "Lula continua sendo o pião do jogo."
Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.