Por que os jovens alemães não querem mais ser agricultores?
27 de julho de 2024Foi em Zullighöven, um pequeno vilarejo no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, no oeste do país, que conheci a fazendeira Dorothee Hochgürtel.
Era uma manhã de sexta-feira quando cheguei à sua propriedade. De longe ela acenou para mim e apontou para o portão de madeira por onde deveria entrar. Meus olhos foram tomados imediatamente pelo verde que rodeia o lugar, que parece isolado do resto do mundo.
A senhora de 65 anos administra a fazenda desde 2001. Ela mantém mais de cem animais, incluindo 30 cabras, 60 ovelhas e alguns cavalos. Além disso, ela tem um pomar onde cultiva mais de 130 tipos diferentes de maçãs.
A preservação de espécies de plantas antigas e o cultivo de forma orgânica, sem pesticidas e fertilizantes químicos, têm norteado a vida de Dorothee desde que decidiu se tornar fazendeira em tempo parcial, há duas décadas.
Farmacêutica de formação, ela ainda mantém um emprego remunerado no ramo. E não é o esforço para ganhar a vida com agricultura que mais a preocupa atualmente, diz ela.
"Sei que não estou ficando mais jovem. Estou chegando à idade de me aposentar e a pergunta que sempre faço a mim mesma é 'para quem vou deixar esta fazenda?"
Hochgürtel diz que seus dois filhos escolheram outras carreiras. Embora tenha orgulho deles, ela admite que gostaria que estivessem interessados em assumir o controle dos negócios no campo. Ela também não conhece outro jovem fora do círculo familiar que esteja interessado em assumir a fazenda quando ela se aposentar.
Ela não é a única agricultora alemã que está lutando para encontrar um sucessor. Segundo ela, um amigo entregou os negócios operacionais de sua fazenda ao filho de 30 anos e, pouco tempo depois, ele se viu lutando pela sobrevivência econômica.
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional
A agricultura alemã contribui com menos de 1% do produto interno bruto (PIB) do país e é uma atividade menos relevante para a economia do que nos vizinhos França e Polônia.
Reinhard Jung, consultor de políticas do Freie Bauern (Agricultores Livres), um grupo de lobby de agricultores, diz que o setor agrícola alemão sofreu uma pressão adicional nos últimos anos: a mudança demográfica.
"A escassez de trabalhadores qualificados é um problema em todos os setores [da economia alemã]", disse ele à DW, frisando que para a agricultura esse fator parece pesar mais.
Como os jovens de hoje desejam "um bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional", diz Jung, as longas horas de trabalho árduo e a ausência de férias das gerações mais antigas de agricultores alemães "não são uma opção".
Além disso, os jovens agricultores cujas famílias não possuem fazendas aqui encontram cada vez mais dificuldades para comprar ou até mesmo arrendar terras agrícolas devido aos preços, que subiram vertiginosamente na última década. A especulação de terras após a crise financeira de 2009 e o aumento do interesse das multinacionais do setor alimentício em terras aráveis impedem que os preços caiam novamente.
A burocracia da UE é pior do que o mau tempo?
O que também preocupa cada vez mais Dorothee em sua fazenda em Zullighöven é a frequência cada vez maior de condições climáticas extremas, o que torna o ofício mais imprevisível.
As mudanças climáticas vêm em forma de ondas de calor no verão e chuvas torrenciais que, neste ano, atingiram sua plantação de maçãs. "As perdas com as mudanças climáticas tornam a administração de uma fazenda ainda mais cara", diz.
O consultor Reinhard Jung não vê relação entre as mudanças climáticas e a falta de vontade dos jovens de trabalhar na agricultura. O que ele considera mais desanimador é a enorme quantidade de burocracia criada pela União Europeia para tornar a agricultura do bloco mais sustentável.
"Percebi que muitos jovens querem trabalhar na agricultura porque gostam de cultivar. Mas as regulamentações sobre sustentabilidade na agricultura são feitas por políticos que acham que a agricultura é ruim porque poluiria o meio ambiente."
Christina Vogel, da Sociedade Agrícola Alemã (DLG), diz que é um "desafio" embarcar em uma carreira na agricultura. "Há inúmeras exigências a serem cumpridas atualmente, principalmente a legislação e as pressões dos consumidores, mas também as mudanças climáticas e, é claro, os preços dos insumos agrícolas e dos produtos agrícolas", disse ela à DW.
A DLG é uma associação comercial que representa principalmente as grandes empresas do agronegócio da Alemanha, que tem incentivado jovens agricultores.
Vogel também acha que a burocracia excessiva daUnião Europeia é um impedimento. "Para transformar isso em uma opção viável de carreira, os futuros agricultores precisam de perspectivas estáveis de longo prazo. Um ponto importante é reduzir a burocracia, que podem atrapalhar os resultados comerciais ideais."
Uma profissão invisível?
De acordo com o economista Panu Poutvaara, do Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica da Universidade de Munique, as condições de trabalho e os salários são os dois principais problemas que afastam os jovens do campo.
"Não é de se surpreender que os jovens estejam escolhendo carreiras com melhores salários. Mas o impacto econômico geral da falta de mão de obra na agricultura será pequeno", disse ele em declaração à DW, referindo-se à pequena contribuição do setor para a produção econômica geral da Alemanha.
Os problemas que os agricultores alemães enfrentam atualmente chamaram a atenção do público no inverno deste ano. Milhares de tratores bloquearam ruas da capital Berlim em protesto contra os planos do governo de cortar subsídios estatais para o diesel usado em máquinas agrícolas.
As manifestações foram apenas parcialmente bem-sucedidas, pois o governo só concordou em escalonar os cortes por um período mais longo, em vez de eliminá-los, como exigiam os agricultores.
Portanto, para a maioria dos jovens alemães, trabalhar em uma fazenda é provavelmente inimaginável, como descobri durante uma breve coleta de opiniões nas ruas de Bonn recentemente.
Um jovem alemão me disse que tudo o que ele sabia sobre a profissão era que ela era incerta e "parecia dar muito trabalho". "Eu diria que parece que talvez eu precise sair da cidade e voltar para as áreas rurais. Também é preciso muita resiliência e paciência devido à incerteza de que a fazenda produzirá alguma coisa", disse.
Outra jovem me disse que em um "país desenvolvido" o "desejo de equilíbrio entre vida pessoal e profissional" é justificável. "Além disso, já passamos da Revolução Industrial, então acho que nunca considerei a agricultura como uma carreira."
Enquanto isso, Dorothee está determinada a continuar vivendo seu sonho enquanto puder caminhar sobre a terra que orgulhosamente adquiriu. Ela faz inclusive planos para o futuro, o que inclui mostrar àqueles que desconsideram a agricultura uma carreira as mãos que os alimentam.
"Espero que eu possa fazer isso por muitos anos. Também estou organizando visitas guiadas para escolas, eventos para grupos e um grande festival agrícola no outono. Só quero defender a ideia da agricultura e que ela pode ser feita de forma diferente."