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Por que parquinhos na Alemanha são propositalmente perigosos

30 de novembro de 2024

Modelo de playground alemão rejeita equipamentos de plástico e piso emborrachado. Defensores afirmam que "parquinhos de risco" estimulam desenvolvimento de capacidades cognitivas, motoras e sociais.

Um parquinho de "risco" na cidade alemã de Freiburg
Um parquinho de "risco" na cidade alemã de FreiburgFoto: Stadt Freiburg

Escaladas de até 6 metros de altura, pontes instáveis, escorregadores com 60º de inclinação e balanços livres de cordas de proteção. Essas são algumas características de parquinhos de "risco” que se popularizaram na Alemanha como uma reação aos modelos com equipamentos feitos de plástico, com quinas arredondadas e piso emborrachado, que visam minimizar as chances de acidentes. 

Segundo especialistas, os parquinhos que associam risco à brincadeira pretendem estimular a resolução de problemas pelas crianças.

"Esses modelos de parques podem ser mais estimulantes para o desenvolvimento infantil", avalia especialista em educação, natureza e cultura das infâncias do Instituto Alana, Paula Mendonça. "Com o modelo anterior, a criança tem poucos desafios criativos, as atividades são repetitivas e há uma certa monotonia”. 

O pedagogo e pesquisador Rolf Schwarz, professor da Pädagogischen Hochschule Karlsruhe, diz que playgrounds que proporcionem desafios às crianças contribuem para o desenvolvimento delas. "A tomada de risco é um dos fatores essenciais para fazer as crianças se sentirem felizes em descobrirem quem elas são, o que podem fazer, qual é a sua competência, seja no desenvolvimento social, emocional, cognitivo, mental e até mesmo físico". 

Ele diz que indicadores como obesidade infantil e sedentarismo também motivaram pesquisadores a elaborar uma estratégia para incentivar a mobilidade das crianças.

De acordo com dados levantados pela plataforma de dados alemã Statista, em 2018, 30% das crianças alemãs de 6 a 13 anos brincavam fora de casa todos os dias. E uma pesquisa de 2017 apontou que 15% dos jovens do país estavam com sobrepeso, e 6% tinham obesidade. 

Demanda

Cerca de 100 mil "parquinhos de risco” foram construídos em toda a Alemanha pelos governos estaduais após uma mobilização de acadêmicos e da sociedade civil.

Esse movimento por reformas nos parquinhos começou a se aglutinar entre pesquisadores do tema nos anos 1990, após a queda do Muro de Berlim. Os pedagogos defendiam que o design dos playgrounds fosse mais atrativo, a partir da incorporação de risco, e incluísse materiais encontrados no ambiente. 

Foi uma reação ao modelo de parquinho feito de plástico, difundindo a partir dos Estados Unidos e de lá para outros países depois de uma alta nos acidentes em playgrounds. A abordagem americana é tornar os playgrounds "o mais seguros possível"– e assim evitar possíveis processos judiciais.

Os projetos modernos proporcionam mais risco às crianças propositalmente e tiveram de se adequar às normas do Instituto Alemão de Regulação (DIN). O design aproveita a geografia local para a construção dos equipamentos, como desníveis e ladeiras, além de privilegiar o uso de materiais naturais como madeira. 

Pais "helicóptero"

Um dos desafios para disseminar esse modelo de parquinho passa por demonstrar aos pais os ganhos em expor os filhos ao risco. "O risco é diferente de perigo, e a aprendizagem tem a ver com isso. Apresentar um desafio para a criança, de modo que ela possa fazer uma avaliação interna do risco, e tomar uma decisão em cima disso, e amplia as capacidades intelectuais, físicas e cognitivas delas, e que servem para a vida toda", afirma Paula Mendonça, do Instituto Alana.

Para o alemão Rolf Schwarz, os pais precisam aprender que segurança não significa tornar tudo seguro o tempo todo. É muito importante que as crianças tenham a oportunidade de se machucar para descobrir o que funciona ou não. "Na Alemanha, chamamos de "pais helicóptero", os que estão sempre voando em torno dos filhos, controlando-os".

A recomendação é de que o adulto, ao invés de impedir a criança de sofrer riscos, o ajude a avaliar a situação para ultrapassar o desafio imposto pelos brinquedos.

A curitibana Rachel Romanowski, 37, mãe de duas crianças de 6 e 4 anos, mora em Berlim há 9 anos. Quando se deparou com os parquinhos infantis da capital, teve medo de deixar os filhos brincarem nos equipamentos.

"Realmente assustam, é um choque cultural, mas é algo que não demora a passar. Entendi que faz parte da busca da criança por autonomia. Minha filha de 6 anos é muito aventureira, já meu filho de 4 anos é mais cauteloso, e me requisita mais. Então percebi que a criança só vai no brinquedo se realmente consegue. Ela ficou muito feliz quando deu conta de subir na tirolesa sozinha", diz.

Efeitos dos parquinhos

Um estudo de caso dos parquinhos em Berlim avaliou que não houve aumento no número de quedas ou acidentes graves depois da implementação dos "parquinhos de risco”, mas apenas de machucados mais leves, como arranhões. Outra avaliação mostrou que não há relação entre a altura dos equipamentos e a frequência de fraturas e lesões sérias. Por outro lado, a pesquisa apontou que esses equipamentos favoreceram o desenvolvimento de habilidades sociais, aumento da prática de atividade física e redução do sedentarismo.

Um parquinho "sem risco" com equipamento de plástico, que segue modelo desenvolvido nos EUAFoto: Julia Dzyarskaya

"Você pode não gostar disso, mas pode cair e se machucar um pouco no joelho. E está tudo bem. Isso é até bom para as crianças, pois elas descobrem que, naquela situação, foram rápidas demais. E, quando a criança cai, descobre: 'opa, essa velocidade nessa situação não foi boa'. Então, da próxima vez, ela fará de outra maneira. Claro que temos segurança técnica, mas isso não significa que ferimentos não aconteçam; eles acontecerão", afirma Schwarz. 

Apesar de ter testemunhado a queda de uma criança, a brasileira Rachel Romanowski afirma que seus filhos nunca se acidentaram. Ela diz que avalia o risco dos brinquedos junto com os filhos. A família costuma passar as férias no Brasil, onde as crianças também vão ao parquinho. "Uma diferença é a questão do tédio. No Brasil, se cansam mais rápido, não querem ficar tanto tempo. Em geral, no Brasil, os parquinhos são menores, enquanto que na Alemanha as crianças se desafiam mais e querem ficar mais tempo".

Exportação

Rolf Schwarz avalia que a quantidade de parquinhos disponíveis para a população de 83,1 milhões de alemães ainda é pequena. "Se quisermos oferecer uma melhor mobilidade, temos de ter mais parquinhos. Com o avanço das pesquisas sobre os playgrounds, percebemos que ainda sabemos muito pouco sobre eles. No momento, é um campo de pesquisa bastante dinâmico".

O modelo alemão de risco inspira projetos até mesmo no Brasil. Integrantes do Instituto Alana foram às cidades de Freiburg e Griesenheim em 2019 para uma visita técnica. A primeira é conhecida como uma das principais cidades-verdes da Alemanha, e a segunda, como um lugar acolhedor para crianças e que favorece a brincadeira ao ar livre, com redução do limite de velocidade e semáforos que permitem um tempo maior para atravessar a rua. 

A coleta de dados sobre as experiências alemãs resultou na elaboração de projetos-piloto para os chamados parques naturalizados, que aproveitam elementos da natureza no design dos espaços. Esses parquinhos foram instalados de maneira experimental por prefeituras em Pernambuco, São Paulo e Ceará.

"Esse movimento já está em desenvolvimento, mas tem muito a ser aprimorado. As prefeituras começaram a usar podas de árvores para produzir equipamentos, e algumas empresas já fazem esses brinquedos, mas ainda são poucas. Então tem um desafio de médio a longo prazo para levantar o padrão de qualidade dos espaços infantis no Brasil, a exemplo do modelo alemão", afirmou Paula Mendonça.

Por que a Alemanha está elevando o perigo de seus parquinhos

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Jéssica Moura Escreve sobre direitos humanos, política, ciência e saúde.