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MigraçãoBrasil

Por que região de MG se tornou exportadora de migrantes

7 de fevereiro de 2025

Governador Valadares ganhou fama pela grande quantidade de moradores que foram para os Estados Unidos. Nem mesmo Trump deve ser capaz de fazer valadarenses desistirem de sonho americano.

Vista aérea de Governador Valadares
História ajuda a explicar onda migratória de Governador ValadaresFoto: Romilson Carvalho/DW

O leste de Minas Gerais é um dos principais polos de exportação de imigrantes brasileiros para os Estados Unidos. Embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha endurecido a política migratória, essa mudança não deve ter grande impacto no influxo clandestino de brasileiros, avaliam especialistas e autoridades. E o sonho americano continua em alta na região de Governador Valadares.

"Há uma demanda das pessoas que querem tentar a vida nos Estados Unidos. Tentam entrar de forma legalizada, a princípio, mas não conseguem o visto de trabalho e terminam caindo nas redes criminosas. Por isso não acho que uma política migratória mais dura vai ser capaz de frear essa demanda. Na verdade, vai aumentar a clandestinidade", diz o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Alexandre Chaves, que investiga o contrabando de imigrantes.

O epicentro dessa exportação de imigrantes no país são cidades do interior mineiro, como Sobrália, São Geraldo da Piedade e Fernandes Tourinho. Elas lideram o ranking do IBGE entre os municípios de onde mais saem brasileiros rumo aos Estados Unidos, em relação ao tamanho da população. A lista de 2010 desconsidera as capitais. As três cidades estão no entorno de Governador Valadares – local de onde partiram os primeiros imigrantes brasileiros que foram para os EUA.

Ao longo de mais de 60 anos, o intercâmbio cultural e econômico consolidou entre a população valadarense a ambição de perseguir o sonho americano. "O contato com quem foi para lá, esse movimento migratório criou essa ideia de que nos Estados Unidos é possível realizar grande parte dos sonhos, independente das políticas e das condições, sempre vai existir esse sonho de que lá é possível ter uma melhora na qualidade de vida", explica Sueli Siqueira, socióloga da Universidade Vale do Rio Doce (Univale).

O coração da imigração ilegal do Brasil para os EUA

20:38

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As marcas da exaltação dessa cultura de imigração estão espalhadas por Governador Valadares: desde uma estátua de um homem com uma mochila nas costas na praça do Emigrante, até outdoors em apoio às campanhas de Donald Trump e Kamala Harris à presidência dos Estados Unidos. Um dos empreiteiros americanos que fundou o primeiro Rotary Club da cidade e impulsionou o intercâmbio de pessoas, Mister Simpson, dá nome a um viaduto.

Guerra e economia

A relação entre Washington e Governador Valadares se estreitou durante a Segunda Guerra Mundial com a instalação de empresas americanas na cidade, que empregavam moradores locais na extração e beneficiamento da mica – minério que era usado como isolante térmico para aviões de combate e submarinos.

Para escoar essa produção aos países do Eixo, o então presidente Getulio Vargas firmou acordos com os Estados Unidos, os quais previam que empreiteiros americanos reformassem a estrada de ferro que corta a região.

A extração da mica proporcionou um período de rápido crescimento econômico, com a abertura de negócios paralelos como siderúrgicas e serrarias, além de levar ao crescimento da população, que saltou de 80 mil, em 1960, para 124 mil, em 1970. No entanto, uma vez que a pujança estava baseada na extração de recursos naturais, a economia entrou em declínio com a devastação da floresta e da redução da capacidade do solo.

Com o declínio econômico, a população da cidade passou a emigrar em busca de alternativas de trabalho e os Estados Unidos se tornam uma rota possível. "Queriam trabalhar, juntar uma poupança, retornar e abrir um negócio ou construir uma casa em Governador Valadares", explica o historiador da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) Haruf Espíndola. "A busca por alternativas de trabalho, combinada com o dólar valorizado favoreceu a imigração."

Ondas migratórias

O contato com o modo de vida americano, fosse por meio de empregadores, conterrâneos que fizeram intercâmbio ou pela música e cinema atraíram os valadarenses para os Estados Unidos. Segundo Sueli Siqueira, a migração ocorreu em ondas.

Os primeiros mineiros a desembarcar no país em 1964 foram chamados para trabalhar a convite dos empreiteiros que tinham atuado no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Essa primeira leva de imigrantes acumulou riqueza e retornou ao Brasil.

A segunda fase foi nos anos 1980. "Houve um boom migratório", afirma Siqueira. Na época, mineiros da classe média que perderam o emprego e sofriam com a crise econômica no Brasil fizeram a travessia e foram alocados no mercado de trabalho secundário, sobretudo nas cidades de Massachusetts, Nova York e Nova Jersey.

Adelson Geber emigrou em 1988 e morou em Massachussetts por cerca de dez anosFoto: Romilson Carvalho/DW

Esses valadarenses passaram a abrir negócios nos Estados Unidos e enviar dólares para Governador Valadares. As remessas tiveram um impacto na economia local. "Isso aqueceu o mercado imobiliário, multiplicou as casas de câmbio e dolarizou a economia local, já que muitos negócios passaram a ser feitos em dólar", diz Espíndola.

O valadarense Adelson Geber emigrou em 1988 e morou em Massachussetts por cerca de dez anos. O objetivo era juntar dinheiro para comprar um imóvel em Governador Valadares. "Quando eu cheguei lá vi que a coisa não era do jeito que a gente traçava aqui. O trabalho era pesado", conta. Na volta, conseguiu construir a casa onde hoje mora com a família.

Nos anos 2000, há uma nova fase: quem não conseguiu visto para entrar nos Estados Unidos recorre à migração clandestina. A viagem por vezes é patrocinada por empregadores, e o imigrante precisa devolver o investimento com trabalho.

Indocumentados

Com esse movimento, o contrabando de pessoas se tornou um negócio rentável em Governador Valadares. O procurador Alexandre Chaves ressalta que fazendeiros, empresários e políticos lideram redes agenciadores na cidade, e são conhecidos como "coiotes".

"Quem decide por si próprio tomar a iniciativa de ir a outro país em busca de oportunidades não é criminalizado no Brasil, mas esse fenômeno deu margem para o surgimento desse negócio que facilita esse acesso de forma clandestina, por meio de empresas de fachada. Para se ter uma noção do potencial financeiro, é um esquema que chega a concorrer com o tráfico de drogas e armas", afirma.

Em junho, a Polícia Federal prendeu três suspeitos em uma operação contra o contrabando de 448 imigrantes para os Estados Unidos. A corporação aponta que o grupo movimentou R$ 59,5 milhões com o esquema.

Gilcimar foi para os EUA em 2021Foto: Romilson Carvalho/DW

Em geral, os agenciadores cobram cerca de 20 mil dólares (R$ 115 mil) para viabilizar a travessia, que começa com uma viagem de avião até países da América Central, como México Nicarágua, Guatemala e El Salvador, e depois o trecho até a fronteira é completado de carro.

"Eles embarcam com visto de turista, e depois ficam sujeito a todo tipo de violência, física e até sexual, sem acesso a comunicação e alimentação adequada, em alojamentos precários. Nesse esquema de cai-cai, depois de burlar a polícia de fronteira, usam menores idade e alegam ser da mesma família para serem acolhidos no país e não serem deportados de imediato", explica o procurador.

Um coiote contatado pela DW confirmou que o dinheiro pago pelos imigrantes é usado para subornar agentes no consulado do México, para viabilizar a emissão de vistos, e também policiais na fronteira, para permitir a entrada nos Estados Unidos.

Em 2021, Gilcimar contratou um coiote e fez a travessia clandestina com a mulher e dois filhos. A família teve de passar por debaixo do muro e atravessar uma cerca de arame para chegar aos Estados Unidos, quando foram presos pela polícia de imigração.

Agora, eles esperam o resultado do processo judicial para legalização. "A travessia coloca a vida em risco. Se fosse para vir hoje, talvez não viria, sabendo como é", afirma Gilcimar. "No Brasil, as coisas estavam complicadas, não conseguiríamos realizar nossos sonhos. Já conseguimos alguns documentos e podemos trabalhar."

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