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Por que tanta ira, brasileiros?

2 de maio de 2018

O clima político está áspero, os brasileiros estão revoltados, é o que se ouve por toda parte. O jornalista alemão Thomas Milz se pergunta se essa explosão de ira pode também ter um lado positivo.

Protesto de abril deste ano no Rio de Janeiro contra o ex-presidente Lula
Protesto de abril deste ano no Rio de Janeiro contra o ex-presidente LulaFoto: Reuters/R. Moraes

Nestes dias, vêm à memória os protestos estudantis de 50 anos atrás, no famoso Maio de 68. Começando com os estudantes de classes média e alta, logo se alastrou uma insatisfação com a velha ordem, o mundo como era até então tinha se tornado limitado demais para eles. A ira se espalhou, tomando toda a Europa Ocidental, depois pulando para outros países. Uma reviravolta depois da qual nada seria como antes. Pelo menos na Europa Ocidental.

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No Brasil, uma reviravolta já se anunciava nos protestos de 2013. Era possível sentir a insatisfação com toda a situação, sem que ninguém pudesse dizer exatamente aonde aquilo levaria. Cinco anos depois, é possível sentir a ira por toda parte.

Meus amigos petistas estão furiosos porque, depois de sua presidente, Dilma Rousseff, também lhes tiraram seu candidato, Lula.  Os indígenas, que protestaram na semana passada em Brasília, estão irados porque ainda estão esperando por seus direitos constitucionalmente garantidos. Os mais de 13 milhões de brasileiros desempregados também estão irados, assim como aqueles que têm trabalho, porque têm que financiar com seus impostos um Estado tido como corrupto. E os sem-terra e a população urbana pobre estão esperando com ira para finalmente ganharem uma chance em seu próprio país.

O jornalista Thomas MilzFoto: Arquivo Pessoal

A ira é a companheira do senso de justiça, disse certa vez o filósofo alemão Peter Sloterdijk. A ira é, segundo ele, uma energia moral que é liberada quando as esperanças são decepcionadas. Quando se imagina um mundo melhor, mas não se pode concretizá-lo. Então, a ira protege o valor próprio colocado em perigo. Por isso a ira, diz o filósofo, é sempre justificada. Porque ela é uma energia autoafirmativa diante de expectativas frustradas.

As expectativas despertadas nas gestões dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva há muito tempo deram lugar a uma decepção generalizada. O Cristo Redentor, que a revista The Economist havia lançado ao céu como um foguete há alguns anos, despencou de novo há muito tempo. Seguiram-se a isso uma profunda crise econômica e gigantescos escândalos de corrupção. O sistema político do Brasil está tão derrubado quanto quase todas as instituições estatais. O Brasil está à beira de uma reviravolta, todo mundo vê que as coisas não podem continuar assim. Os brasileiros têm, por isso, o direito de estar com ira, não importa onde estejam no espectro político.

A ira tem algo de bom, acredita Sloterdijk. Ela é uma energia política primária que pode impulsionar mudanças. Mas para isso, a ira deve ser direcionada, os partidos políticos têm que recolhê-la junto ao povo e transformá-la em uma narrativa de esperança. Se não o fizerem, a ira se transforma em ódio ou fatalismo – duas coisas de que o Brasil não precisa. Os políticos do Brasil ainda têm cinco meses para se entenderem e desenvolverem uma narrativa positiva para o Brasil. Os brasileiros merecem.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

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