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Portugal enfrenta a maior seca em anos

Jochen Faget de Lisboa
8 de junho de 2023

País mais ocidental da Europa luta contra escassez de água. Mas isso não parece incomodar ninguém. Políticos continuam impulsionando atividades econômicas que exigem grandes volumes do recurso natural.

Homem mexe em planta de região arenosa e seca
Plantação de cerejeiras no sul de PortugalFoto: Pedro Reis Martins/GlobalImagens/IMAGO

Cerca de 30% da água canalizada em Portugal escoa para o solo sem ser utilizada porque as redes de abastecimento não são modernizadas. E isso não é tudo: a agricultura consome cerca de 80% do abastecimento de água do país – o que é demais, de acordo com especialistas –  e ainda 8% da valiosa água potável é despejada em campos de golfe para turistas. Isso é um luxo, porque oficialmente a seca atinge 89% da área do país, enquanto pelo menos 40% são afetados por uma  seca extrema.

Mas ninguém parece realmente preocupado com isso. "Há seca e ela vai piorar", diz o professor universitário e especialista em água Joaquim Poças Martins. "Mas por termos um bom abastecimento de água e a água estar constantemente jorrando de todas as torneiras, os cidadãos não estão realmente conscientes disso."

"Aparentemente, os políticos também não", observa Francisco Ferreira, também professor universitário e ambientalista. "Devíamos ter um plano nacional de água há muito tempo para usar este valioso recurso de forma sustentável. Mas ele não existe", lamenta.

"Crime ecológico"

A agricultura é um dos principais vilões, devido aos cultivos errados e por usar muita água, por causa de métodos de irrigação ultrapassados, segundo os especialistas.  "No Algarve, no sul, está prevista uma plantação de 600 hectares de abacate. Mas os abacates precisam de muita água, que já está escassa na região. Isso é um crime ecológico", diz a engenheira ambiental Catarina Rodrigues, que também trabalha na organização de defesa do ambiente Quercus.

O professor universitário e ambientalista Francisco Ferreira apela por mais "reciclagem de águas residuais"Foto: Jochen Faget

No entanto, o Ministério da Agricultura português tem apoiado com entusiasmo até agora, especialmente no árido sul do país, a expansão do cultivo de culturas que usam muita água: abacates, cerejas e amoras – inclusive em áreas de proteção ambiental, pois as frutas alcançam um bom preço no mercado.

Até o especialista em água Poças Martins acha isso bom. "Mesmo que não seja politicamente correto dizer isso: devemos produzir o máximo possível. As amoras, por exemplo, podem até ser exportadas de avião e ainda render um bom dinheiro." Ele calcula ser possível até irrigá-las com a cara água de usinas de dessalinização e ainda se ter lucro. No entanto, isso ainda não existe em Portugal.

"Então, muitos agricultores perfuraram poços ilegais e não pagam pela água", conta a engenheira ambiental Rodrigues. Mas essa prática ilegal também está se tornando cada vez mais difícil: o nível dos lençóis freáticos está caindo em muitas partes de Portugal.

Essa redução também é causada pelas monoculturas de eucalipto, destinadas à indústria de celulose e papel do país, que faz negócios bilionários: "As plantações de eucalipto representam um setor econômico que movimenta cerca de 5 bilhões de euros", calcula o professor universitário Poças Martins, que também foi secretário de Estado do Meio Ambiente. Esse ramo da economia não é algo que Portugal pode abrir mão tão facilmente.

Abacates são considerados um "superalimento", mas precisam de imensas quantidades de águaFoto: Gela Frantisek/CTK/dpa/picture alliance

"O eucalipto é uma monocultura. Temos que apostar na diversidade e resiliência e usar os recursos hídricos com responsabilidade. Caso contrário, nossas paisagens não sobreviverão aos próximos incêndios florestais ou à próxima seca", diz o professor universitário e ambientalista Francisco Ferreira.

Sobrecarga do turismo

No Algarve, uma região de veraneio, a extração excessiva e descontrolada dos lençóis freáticos na faixa costeira tem, entretanto, levado à mistura de água salgada com as águas subterrâneas, inutilizando-as e danificando o solo. Mas o Algarve precisa de água, muita água, porque lá há muitos turistas. Dez milhões – o mesmo número de habitantes do país – foram registrados um ano antes da pandemia de covid-19. Este ano, os números atuais prometem que haverá ainda mais. O governo e os políticos locais estão felizes, o turismo tornou-se a principal fonte de renda de Portugal.

Infelizmente, há um grande problema: "O turismo de massa gera um consumo de água extremamente alto para regiões como o Algarve", explica Francisco Ferreira. Principalmente porque muitas das ofertas turísticas dependem da água, como piscinas e parques aquáticos. Toalhas de mão e de banho são lavadas diariamente e o comportamento descuidado dos turistas têm levado o consumo de água a níveis alarmantes.

"E também há o golfe, que Portugal tanto promove e tem desenvolvido massivamente", sublinha Ferreira. Portugal despeja 8% de sua água potável nos campos de golfe. Dos cerca de 40 existentes no sul do país, apenas três são irrigados com água tratada. "Ainda temos muito a fazer, principalmente no que diz respeito ao tratamento de água", reclama Ferreira. "A parcela atual é de apenas 2%."

Turistas chegam em grande número e trazem dinheiro, mas também usam muita águaFoto: Pedro Fiuza/Zuma/picture alliance

Proibição de regar flores

O governo promete melhorias nesta área, e usinas de dessalinização para produção de água potável serão construídas em breve – obviamente operadas com energia sustentável. "Por outro lado, porém, as autoridades facilitam a construção de grandes empreendimentos turísticos", critica a engenheira ambiental Catarina Rodrigues. "Uma lei chamada Simplex Ambiental já permitiu aprovar muitos projetos polêmicos, e muitos mais devem ser aprovados", lamenta.

Aliás, Simplex Ambiental busca se referir a "proteção ambiental simplificada". As "boas empresas de abastecimento de água" em Portugal, tão elogiadas pelo especialista em água Poças Martins, vão fazer com que a água também saia das torneiras destes novos complexos hoteleiros. Por enquanto, pelo menos. Porque no verão passado as piscinas públicas do Algarve tiveram de fechar por falta de água, foram desligadas as fontes e foi proibido em todo o país regar flores nos jardins. Os turistas podem não ter notado muito disso, no entanto.

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