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Pró e contra: o debate sobre o aborto no STF

Renate Krieger
7 de agosto de 2018

Supremo Tribunal Federal ouviu sociedade civil após pedido do PSOL para descriminalizar aborto no primeiro trimestre da gestação. Caso ainda não tem data para julgamento. Entenda argumentos dos dois lados.

Symbolbild: Leihmutterschaft
Foto: picture-alliance/dpa/F. Heyder

Na semana em que o Senado argentino vota a descriminalização do aborto, representantes da sociedade civil brasileira puderam apresentar argumentos pró e contra a descriminalização da interrupção da gestação em dois dias (03/08 e 06/08) de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Convocada pela ministra Rosa Weber, a audiência oitiva (sem debates) ouviu um total de 60 especialistas para apresentar seus argumentos, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 

Ao demandar que não sejam considerados constitucionais os artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro, de data anterior à Constituição de 1988, a legenda pede a despenalização do aborto até a 12ª semana de gravidez e a isenção de punições a profissionais de saúde que fazem o procedimento. Segundo o PSOL, a proibição do aborto viola os "direitos e princípios fundamentais" das mulheres, garantidos na Constituição.

Os artigos em questão determinam pena de prisão de até três anos para mulheres que abortam e de até dez anos para quem provocar abortos com autorização da gestante. 

Na prática, se forem considerados incompatíveis com a Constituição, os artigos continuam inseridos no Código Penal, mas não terão mais efeitos. Ainda não há data para julgar o caso. 

Redução da mortalidade materna

Na sexta-feira (03/08), primeiro dia da audiência, a maior parte das intervenções defendeu a descriminalização. 

Os argumentos se concentraram na defesa dos direitos da mulher. Para Rebecca Cook, por exemplo, a criminalização do aborto é ineficaz para proteger a vida pré-natal. A professora na Faculdade de Direito da Faculdade de Medicina e do Centro Conjunto de Bioética da Universidade de Toronto, no Canadá, representou o Consórcio Latino-Americano contra o Aborto Inseguro na audiência.

Cook lembrou que diversos tribunais nacionais e comitês que monitoram tratados internacionais relacionados a direitos da mulher concluíram que a descriminalização do aborto nas primeiras semanas de gravidez facilita o alcance das medidas positivas necessárias para proteger a vida pré-natal. Por isso, explicou, o Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher tem obrigado países a proverem cuidados de saúde específicos para a mulher, incluindo a descriminalização do aborto como uma medida para reduzir a mortalidade materna.

Bastante aplaudida, a representante do Instituto de Estudos da Religião, Lusmarina Campos Garcia, destacou na manhã de segunda a importância da laicidade do Estado para a "garantia da igualdade de direitos em todos os seus aspectos". "O aborto não é uma escolha leviana de mulheres que decidiram não ser esse o tempo certo para gerar uma nova vida. O aborto é uma decisão difícil, desesperada muitas vezes", esmiuçou. 

Pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), a teóloga apresentou um contexto histórico do aborto e disse que a Bíblia não condena a prática. "Também não há uma determinação bíblica de quando a vida começa", discursou Lusmarina, abordando um dos principais argumentos de contrários à despenalização do aborto, que defendem que a vida humana começa "desde a concepção".

"Belas, recatadas e do lar"

Já Maria José F. Rosado Nunes, da entidade Católicas pelo Direito de Decidir, afirmou que "a decisão pelo aborto pode ser tão moralmente aceitável quanto aquela de se manter uma gravidez. Sua legalização realiza uma cultura ideológica e política fundamental no pensamento, na lógica e na prática política e social em relação a um conservadorismo moral que nos confina – a nós, mulheres – num único papel de mães e esposas 'belas, recatadas e do lar', degradando assim a maternidade porque a entende como destino biológico e não como escolha ética e de direito", discursou.

"Não podemos restringir essa proteção [da vida, conforme argumentos contrários ao aborto] à vida do feto e seguir culpando as mulheres que abortam, condenando-as à morte nas clínicas clandestinas em nome de uma suposta defesa da vida. Constitui evidente má-fé tratar como bebê, como criança, como pessoa, o que é um zigoto, um embrião, ou mesmo um feto no início da gestação", continuou, sob aplausos. 

Mulheres protestam contra PEC 181, cujo texto-base foi aprovado por comissão da Câmara dos Deputados em 2017Foto: Agencia Brasil/Rovena Rosa

Quando começa a vida?

Os argumentos contra o aborto foram majoritariamente apresentados na segunda-feira, quando as exposições partiram especialmente de representantes de grupos religiosos. Vários deles listaram argumentos científicos para embasar suas exposições sobre o início da vida. "Onde está a inconstitucionalidade em aceitar os dados científicos que dizem que  a vida começa na concepção?", questionou Dom Ricardo Hoerpers, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 

Ele afirmou que "nenhuma autoridade pública pode reconhecer seletivamente o direito à vida" e defendeu que o assunto deve ser discutido pelo Poder Legislativo. Além disso, sugeriu a implementação e melhoria de políticas públicas que combatam as causas do aborto.

Já o padre José Eduardo de Oliveira, do mesmo órgão, criticou as estatísticas citadas por grupos pró-aborto no primeiro dia da audiência, dizendo que são "inflacionados". "Os números que foram aqui apresentados são 10 ou mais vezes maiores do que a realidade. Toda esta inflação é para poder concluir que onde se legalizou a prática realizaram-se menos abortos do que no Brasil", destacou. 

Entre outros, ele citou o exemplo da Alemanha, dizendo que são realizados 120 mil abortos anuais no país europeu, que tem 80 milhões habitantes. "Se tivesse 200 milhões, como o Brasil, ali haveria 300 mil abortos por ano, três vezes mais do que no Brasil", contou.

Para Oliveira, a audiência pública da ADPF 442 no Supremo foi parcial, já que, segundo, ele, o tribunal ouviu mais palestrantes pró-despenalização do que contra. O STF recebeu 187 inscrições, das quais selecionou um grupo de 53 palestrantes.

Já Angela Vidal Gandra Martins Silva, falando pela União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), disse que a decisão pró-aborto é pautada por um "utilitarismo econômico" e que, "quando a racionalidade é rejeitada, passa-se à empreitada de justificar a qualquer custo a decisão que já se tomou. Uma coisa que me chamou a atenção foi o recurso ao planejamento familiar ou à paternidade responsável para justificar o aborto. Planos vêm antes, não depois. Incluir no Plano B o assassinato não é um planejamento", disse. 

Congresso ou Supremo?

No último dia de audiência, vários palestrantes que argumentaram contra a descriminalização do aborto também afirmaram que o assunto não deveria ser decidido pelo Supremo, dizendo que este não pode atuar como Poder Legislativo. Os palestrantes favoráveis ao aborto, em geral, defendem a competência do tribunal de decidir sobre a matéria.

A magistrada Rosa Weber, que convocou audiência pública para discutir ADPF 442Foto: Agência Brasil/Fabio Rodrigues Pozzebom

Porém, a relatora Rosa Weber defendeu na última sexta o direito da máxima corte de discutir o assunto, dizendo que é preciso valorizar a divergência e ter em conta o conflito entre os direitos fundamentais envolvido nesses assuntos constitucionais. No pronunciamento, ela esclareceu que se trata de uma discussão constitucional e não legislativa. "Toda questão submetida à apreciação do Judiciário merecerá uma resposta. Uma vez provocado, o Judiciário tem de se manifestar", disse Weber, lembrando que o pedido do PSOL foi feito "ao argumento de controvérsia constitucional relevante" e que o STF só se pronuncia sobre um assunto quando é apresentada uma demanda.

Diferentes projetos de lei sobre o aborto estão parados no Congresso atualmente, em parte devido à forte pressão de deputados ligados a grupos religiosos que são contra a interrupção voluntária da gravidez. 

A legislação brasileira determina que o aborto é legal apenas em casos de estupro, risco de morte para a mãe e quando os fetos apresentam anencefalia. As duas primeiras exceções foram autorizadas pelo Congresso, enquanto a determinação sobre anencéfalos foi do Supremo, em 2012. 

Em novembro de 2016, a Primeira Turma do Supremo também decidiu não considerar crime a interrupção da gravidez no primeiro trimestre (12 semanas) da gravidez. Em reação a essa decisão, alguns deputados incluíram uma mudança constitucional para inviabilizar o aborto numa discussão sobre licença maternidade em caso de bebê prematuro.

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181/15 em novembro do ano passado. A proposta inclui na Constituição o conceito de proteção da vida "desde a concepção". Na prática, a mudança deve inviabilizar o aborto mesmo quando ele é considerado legal.

Os deputados ainda deverão votar destaques, mas a PEC não deverá ser fundamentalmente alterada, e depois deverá ser votada no plenário da Casa. 

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