Especialista em radicalização islâmica, psicólogo palestino Ahmad Mansour afirma, em entrevista à DW, que o extremismo religioso pode ser detido através da europeização do islamismo.
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O psicólogo palestino Ahmad Mansour é o mais recente ganhador do Prêmio Ossietzky para História Contemporânea e Política, oferecido a cada dois anos pela cidade de Oldenburg. Especialista em radicalização da juventude islâmica, ele foi homenageado devido à sua "contribuição valiosa à defesa da democracia, tolerância e integração".
Nascido em 1976, Mansour cresceu em um povoado perto de Tel Aviv e está radicado em Berlim desde 2004. Em entrevista à DW, o autor do livro Generation Allah (geração Alá, em tradução livre), lançado na Alemanha no ano passado, diz que o avanço do extremismo religioso na Europa pode ser detido pela popularização e a europeização do islã.
"Precisamos de um islã alemão, um islã europeu. Um que apoie incondicionalmente os direitos humanos", defende.
DW: O senhor já recebeu vários prêmios, incluindo o Prêmio Josef Mendelssohn do governo de Berlim. O que significa agora este Prêmio Carl von Ossietzky para História Contemporânea e Política, que o senhor ganha da cidade de Oldenburg?
Ahmad Mansour: Claro que o Prêmio Josef Mendelssohn também foi um evento importante na minha vida e na de meus colegas. Mas obter agora esse este reconhecimento fora de Berlim me dá a sensação de ter me tornado conhecido em toda a Alemanha.
Há semanas, o senhor é convidado frequente na mídia alemã como analista sobre extremismo islâmico. Com isso, o senhor se tornou uma pessoa bastante pública. O senhor tem recebido ameaças tanto de islamistas como de extremistas de direita e tem recebido, por isso, proteção pessoal. Isso é muito angustiante para o senhor? O senhor consegue ainda trabalhar sem ser incomodado?
Quando estou em uma escola ou em um evento, eu posso esconder esse temor muito bem. A ameaça, infelizmente, faz parte do negócio. Por isso, eu sinto que este prêmio é como um reconhecimento que vai contra o ódio. Essas noites e eventos mostram que a maioria das pessoas neste país pensa como eu e gosta do meu trabalho.
Atualmente, há um forte debate sobre mesquitas na Alemanha, sobre seu financiamento e a língua dos sermões. O líder da bancada dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU) no Parlamento alemão, Volker Kauder, propôs que haja um controle estatal sobre as mesquitas. O senhor acha que isso faz sentido?
Não, de uma forma geral, não. Mesquitas onde o ódio é pregado, são observadas pelos serviços alemães de inteligência de qualquer forma. Precisamos de um islã alemão, um islã europeu. Um que apoie incondicionalmente os direitos humanos. Mas isso não é tarefa dos políticos alemães, sejam eles conservadores, social-democratas ou verdes, mas é o dever dos muçulmanos promover debates entre os muçulmanos, fazendo o islã se tornar conhecido na Alemanha, especialmente entre os jovens.
Se alemão fosse falado nas mesquitas, seria, evidentemente, muito melhor para os jovens do que na situação como ela está agora. A radicalização ocorre também porque os salafistas são os únicos que falam alemão e conhecem a linguagem dos jovens. Mas não devemos deixar de reconhecer que não apenas os adolescentes é que importam. Há pessoas suficientes, idosos, antigos imigrantes que apenas vão às mesquitas para encontrar sua linguagem e seus temas. Portanto, não devemos generalizar.
Sou a favor de um islamismo independente do exterior na Alemanha, independente da Turquia, da Arábia Saudita. Mas isso não pode ser alcançado por meio de legislação e através de tais propostas indiferenciadas. Tem que haver um debate dentro da comunidade islâmica na Alemanha.
Que papel as associações muçulmanas devem assumir?
O meio político dá muito mais poder a associações muçulmanas do que elas realmente têm, porque não representam todos os muçulmanos. E, infelizmente, elas são organizações muçulmanas conservadoras, que pregam um islã que nem sempre apoia democracia e direitos humanos. Acredito que a situação é muito diferente hoje do que era quatro ou cinco anos atrás. Mas gostaria que as associações de mesquitas e de muçulmanos fizessem mais do que simplesmente dizer "isso não tem nada a ver com o islã" e mostrassem alternativas aos jovens. Mas ainda há um longo caminho até lá.
O senhor pede uma profunda reforma do islamismo em seu livro. O senhor vê progressos?
Há cinco anos, os salafistas ainda tinham livre acesso a muitas mesquitas. Eles eram convidados como pregadores de destaque. Hoje, a maioria das mesquitas é muito crítica a esses radicais. Está sendo feito mais para alertar os jovens sobre os riscos e os perigos da radicalização. Mas isso está longe de ser suficiente. A compreensão do islã que muitas pessoas têm neste país e que é representada em muitas mesquitas, já gera, de forma atenuada, a base sobre a qual os radicais constroem suas ideologias. Por isso, penso ser preciso uma reforma para apresentar um islã que não tem nada em comum com os radicais.
Radicais islâmicos na Alemanha
Eles são jovens, fanáticos e querem chegar ao paraíso. O serviço secreto avalia que na Alemanha vivem cerca de 500 radicais islâmicos dispostos à violência. Nos últimos anos, vários atentados foram evitados a tempo.
Foto: twitter.com
O cenário dos terrorismo islâmico
Milhares de radicais islâmicos vivem em diversas regiões da Alemanha. A maioria daqueles que aceitam ser recrutados para a Jihad tem, segundo o diretor do Serviço de Proteção à Constitutição do país, o seguinte perfil: homem, muçulmano, com histórico de migração e fracassos na biografia. Muitos são filhos de imigrantes em busca de orientação e apoio, mas há alemães convertidos no grupo.
Foto: picture-alliance/dpa
O 11 de setembro e seus mentores
A célula terrorista de Hamburgo: os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA foram arquitetados em Hamburgo por radicais islâmicos em torno do piloto Mohammed Atta (na foto, ao centro). Além de três dos quatro pilotos do 11 de setembro, havia em Hamburgo ainda um grupo de seis apoiadores do plano. El Motassadeq (na foto, à esquerda) foi condenado a 15 anos de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/lno
As malas-bomba
Atentado na estação central de Colônia: no dia 31 de julho de 2006, os estudantes libaneses Jihad Hamad e Youssef el Hajdib pretendiam explodir, com bombas construídas por eles próprios e colocadas em malas, dois trens que partiram de Colônia em direção a Hamm e Koblenz. Hamad acabou sendo condenado em Beirute a cumprir 12 anos de prisão. El Hajdib foi condenado na Alemanha à prisão perpétua.
Foto: picture-alliance/dpa/BKA
A célula do Sarre
O caso do Sarre: No dia 4/9/2007, a unidade antiterrorismo FSG 9 invadiu no estado do Sarre uma casa de veraneio. Três terroristas foram detidos: Adem Yilmaz (esq.), Daniel Schneider (centro), Fritz Gelowicz (dir.). O grupo planejava atentados contra instituições alemãs e norte-americanas em protesto contra o Exército alemão no Afeganistão. Os terroristas foram condenados a 12 anos de prisão.
Filiz Gelowicz: A mulher do mentor do Grupo islâmico do Sarre também precisou responder a processo na Justiça. No dia 5 de novembro de 2010, ela foi julgada por um tribunal de Berlim. Ela confessou ter reunido recursos financeiros que foram investidos na Jihad. Na época aos 29 anos de idade, Gelowicz foi condenada a uma pena de dois anos e meio de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Schwarz
Os mentores do atentado no aeroporto
Atentado em Frankfurt: No dia 2 2/3/2011, Arid Uka foi responsável por uma chacina do aeroporto de Frankfurt. Ele atirou em dois soldados norte-americanos e feriu gravemente dois outros. Este foi o único atentado terrorista com vitimas fatais dentro da Alemanha. Uka nasceu no Kosovo e cresceu na Alemanha. Sua família não é considerada fanática, mas ele havia declarado ser um "guerreiro de Deus".
Foto: picture alliance / dpa
A célula da Al Qaeda em Düsseldorf
A Al Qaeda na região do Reno: Halil S. (centro) foi julgado pela Corte de Karsruhe no dia 9 de dezembro de 2011. Ele fazia parte da célula terrorista de Düsseldorf, que tinha também como membro um dos guarda-costas pessoais de Osama bin Laden. A Al Quaeda havia planejado um grande atentado terrorista na Alemanha. Todos os quatro membros da célula de Düsseldorf foram condenados a penas de prisão.
Foto: dapd
Os salafistas
Cresceu o número de salafistas na Alemanha, que em breve serão 7 mil. Desde outubro de 2011, eles disseminam traduções gratuitas do Alcorão pelo país. A ação "Leia!" é um projeto desenvolvido pelos radicais islâmicos, que tem por meta distribuir 25 milhões de exemplares do Alcorão. Alguns salafistas são propícios a usar violência e 5 mil já viajaram para zonas de combate na Síria e no Iraque.
Foto: picture-alliance/dpa/Britta Pedersen
Tentativa de atentado em Bonn
No dia 10/12/2012, uma bomba foi colocada numa bolsa e depositada na plataforma número 1 da estação ferroviária de Bonn. O objetivo era demonstrar o poder dos radicais islâmicos, mas um erro de construção da bomba evitou a explosão. O responsável era o salafista Marco G., um alemão que cresceu em Oldenburg e se converteu ao islã. Se a bomba tivesse explodido, ela teria provocado muitas mortes.
Foto: picture-alliance/dpa
Polícia própria baseada na chária
Os salafistas são vigilantes dos "bons costumes": No início de setembro de 2014, uma auto-intitulada polícia da chária (lei religiosa islâmica) saiu às ruas em Wuppertal. Homens patrulharam a cidade e conclamaram muçulmanos a recusarem jogos de sorte, álcool e música. Os salafistas "deturpam nossa religião", disse Aiman Mazyek, presidente do Conselho Central dos Muçulmanos na Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Berg
Os que retornaram da Síria
Os combatentes da Síria no tribunal: Em julho de 2013, Kreshnik B. foi para a Síria, onde se aliou à milícia IS. Em fins de 2013, foi detido em Frankfurt. A Procuradoria Geral o acusa de pertencimento a grupo terrorista. É possível que ele tenha que cumprir pena de mais de quatro anos de prisão. Este é o primeiro processo na Alemanha contra alguém que retornou do combate na Síria e no Iraque.
Foto: picture-alliance/dpa/Boris Roessler
Os guerreiros de Deus
Denis Cuspert é o combatente alemão mais conhecido da milícia terrorista IS na Síria. Nascido em 1975 em Berlim de mãe alemã e pai africano, era conhecido como cantor de rap sob o pseudônimo Deso Dogg. Desde 2012 vive na Síria, onde mobiliza salafistas na Alemanha. Ele participou de um vídeo de degolação frente às câmeras. O governo alemão quer colocar seu nome da lista de terroristas das ONU.