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Prenzlauer Berg: brechós, cafés e carrinhos de bebê

Soraia Vilela8 de julho de 2006

Com uma alta concentração de artistas e estudantes, o bairro berlinense Prenzlauer Berg virou há muito sinônimo de boemia chique. Além disso, a região é o paraíso de pais e mães jovens.

Café na KollwitzplatzFoto: DW/Wolf Broszies

A palavra Szene (cena), em se tratando de turismo em Berlim, remete de imediato a Prenzlauer Berg – ou simplesmente Prenzel'berg – bairro localizado no nordeste da cidade. As mudanças por que passou o antigo reduto de artistas e alternativos da ex-Alemanha Oriental, de regime comunista, não foram, no entanto, bruscas. Mesmo assim, quem viu o bairro no início dos 90 e o vê hoje, quase não o reconhece.

Passado alternativo

Ao redor do único e rústico café de então na Kollwitzplatz, por exemplo, surgiram dezenas de bares e restaurantes, que começaram exalando a aura de chique-alternativos. E que, com o passar do tempo, foram se tornando cada vez mais caros, sofisticados e, em parte, "brega-chiques". Deixando a herança alternativa apenas como um pálido registro na memória.

Logo após a reunificação alemã, a região começou a atrair o público "ocidental", migrado em massa não só de Kreuzberg – o bairro que até então agregava a vida bohème de Berlim, com grande número de galerias e ateliês – mas também de outras cidades e países.

Hoje, é comum ouvir num bar ou café de Prenzel'berg quatro ou cinco idiomas estrangeiros ao mesmo tempo. Nas ruas que convergem na Kollwitzplatz ou nas que ligam a Danziger Strasse a Helmholtzplatz, por exemplo, as ofertas gastronômicas vão da cozinha indonésia e indiana, passando pela etíope, até chegar à italiana ou cubana.

Estrangeiros "chiques"

Kastanien (casting) AlleeFoto: AP

O clima de diversidade cultural fica, porém, longe daquele típico de outras regiões da cidade, como Kreuzberg, Neukölln ou Wedding, habitadas por um grande número de imigrantes. "Um turco é aqui um ser de outro planeta", brinca o diário taz, ao comentar a presença de diversos estrangeiros de outros países europeus em Prenzlauer Berg.

Nas ruas do bairro ouve-se com freqüência espanhol, francês, inglês ou russo. E pouco o idioma da maioria dos imigrantes que vivem em Berlim. Apesar de o número de estrangeiros parecer muito alto para quem anda pelo bairro, Prenzel'berg tem oficialmente em torno de 8% de não-alemães, um índice abaixo da média berlinense.

E esta população de estrangeiros é também peculiar: o designer gráfico vem da França, a artista performática da Inglaterra, o dramaturgo da Hungria, o dono do restaurante do Sri Lanka, a fotógrafa da Austrália, o escritor do Egito e a artista multimídia da Espanha. Um "gueto de artistas" berlinenses, que acaba se tornando homogêneo em sua heterogeneidade étnica.

Cuidadosamente despojados

Moda e design para perfil berlinenseFoto: dpa

Se antes da queda do Muro Prenzlauer Berg servia de reduto alternativo, esta imagem foi sendo claramente substituída pelo life style da nova Berlim pós-virada de milênio. Os bares ilegais e squatters do início dos 90 estão hoje restaurados e reluzentes. As fachadas dos prédios bem cuidadas, os aluguéis caros e o flair de "artista" estampado nos rostos que circulam pelas ruas do bairro.

Uma delas, a Kastanien Allee, é ironicamente chamada de "Casting" Allee, em referência ao número de jovens bem cuidados, em busca de seus 15 ou mais minutos de fama no filme a ser rodado na próxima esquina. Nos cafés, por exemplo, é assustador o "zelo despojado" do visual de garçons e garçonetes, que devem levar pelo menos uma hora à frente do espelho para deixar o cabelo tão detalhadamente desajeitado e a roupa tão exatamente à vontade.

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Oásis verde

Tranqüilidade no FriedhofsparkFoto: DW/Wolf Broszies

A oeste da Kastanien Allee, a avenida por onde passam bondes em direção ao vizinho Mitte – este sim, o verdadeiro paraíso lounge do novo mundo chique da cidade – as ruas de Prenzlauer Berg são um verdadeiro poço de tranqüilidade.

Na ampla e ultra-arborizada Arkona Platz, por exemplo, que mantém seu caráter desde o início dos 90, é possível freqüentar um mercado de pulgas semanal, visitar uma ou outra loja de produtos naturais ou simplesmente desfrutar da tranqüilidade da praça num dia de semana.

Os oásis verdes existentes em várias regiões do bairro são o resultado de um programa de arborização iniciado em 1985, ainda antes da queda do Muro. Desde então foram plantadas mais de 20 mil árvores e a cada ano surgem mais 300 no bairro. Ao lado das castanheiras, há carvalhos de mais de cem anos de idade e até ginkgos, árvores japonesas, recém-chegadas na paisagem do bairro.

Cruzando fronteiras

Se o visitante sai da Arkona Platz e segue pela Wolliner Strasse, por exemplo, ele deverá levar um verdadeiro choque ao cruzar a Bernauer Strasse. Pois estará, neste momento, cruzando também a fronteira de Prenzlauer Berg com o vizinho Wedding: bairro tradicionalmente operário da antiga Berlim Ocidental.

Em vez das belas edificações da virada do século 19 para o 20 (a mais antiga delas data de 1848 e 80% dos prédios de Prenzlauer Berg foram construídos até 1948), Wedding é caracterizado por "caixotes" uniformes, erigidos no pós-guerra.

Seguindo, porém, na Bernauer Strasse em direção ao cruzamento onde está localizada a estação de metrô Eberswalder Strasse (na confluência das avenidas Danziger Strasse, Schönhauser Allee, Kastanien Allee e Pappel Allee), vale a pena dar uma olhada no caminho no Mauer Park, um parque sui generis na paisagem berlinense. Surgido na região abandonada em tempos de Muro, ele atrai freqüentadores de todos os estilos, abriga mercados de pulgas e simboliza, de alguma forma, o caráter tão peculiar de Berlim.

Centros culturais

Pappelallee. Ao fundo, estação de metrô Eberswalder StrasseFoto: DW/Wolf Broszies

Ao lado da "alameda das castanheiras" e dos aspirantes a artistas, uma outra via de grande importância para o bairro é a Schönhauser Allee. Com seus três quilômetros de extensão, a larga avenida começa na Rosa-Luxemburg-Platz, em Mitte.

Aí fica o Pfefferberg, espaço cultural onde acontecem shows e festas. Mais ao norte na avenida fica outro espaço importante na cena cultural do bairro: a Kulturbrauerei, o complexo enorme de uma velha cervejaria, que abriga shows, concertos, ciclos de cinema e exposições.

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Paraíso infantil

Crianças brincam na HelmholtzplatzFoto: DW/Wolf Broszies

Seja na calma Arkonaplatz, na fashion Helmholtzplatz ou na agitada Kollwitzplatz, o visitante deve encontrar um grande número de crianças no bairro. Há pouco tempo, Prenzlauer Berg foi notícia até mesmo no New York Times, devido à sua alta taxa de natalidade (2,1 filhos por mulher), supostamente a maior da Europa.

Quem anda pelas ruas do bairro não duvida mesmo disso. Há carrinhos de bebê ou bicicletinhas por todos os lados e um número surpreendente de mulheres grávidas numa Alemanha sem filhos. Nos bares e cafés do bairro, as crianças parecem não incomodar os outros – o que é bastante incomum no espaço público alemão.

Os 64 (!) parques com brinquedos para crianças, muitas vezes especialmente projetados por artistas que moram por ali, ficam às vezes tão superlotados, que são formadas longas filas para o escorregador. E o número de creches e jardins-de-infância é pelo menos três vezes maior do que no resto do país.

População jovem

Enquanto desavisados em geral acreditam que os habitantes da região nadam contra a corrente demográfica, departamentos oficiais de estatística alertam: só há muitas crianças em Prenzlauer Berg porque a população do bairro é extraordinariamente jovem. Ou seja, onde há um "excesso" de mulheres entre 25 e 40 anos, há mais mulheres tendo filhos.

Nada mais que isso, avisam os especialistas. Pois o número de crianças que cada uma delas tem é baixo, como no resto da Alemanha. Também o número de baixinhos acima de seis anos na região é raro, confirmando Prenzel'berg como o paraíso dos bebês, mas jamais o de adolescentes.

Atmosfera laisser-faire

Loja na RykestrasseFoto: DW/Wolf Broszies

De uma forma ou de outra, para suprir a demanda dos pais jovens, que (tanto entre os alemães quanto entre os estrangeiros) tendem a ter formação acadêmica e ganhar bem, pipocam pelo bairro lojas de roupas infantis, de brinquedos e há até mesmo o museu para crianças MACHmit, na Senefelder Strasse.

Isso não impede que jovens sem filhos circulem à vontade pelas lojas, brechós, bares e cafés do bairro, sem se incomodar com eventuais congestionamentos de carrinhos de bebê. Um toque laisser-faire que, na opinião de muitos pais, acaba sendo responsável pelo charme específico de Prenzel'berg.

Do outro lado da linha

Como tudo na vida, também o bairro chique e predileto dos artistas possui seu "outro lado". No caso, ele está situado depois da linha do trem de superfície (S-Bahn-Ring), onde o perfil de Prenzlauer Berg chega a lembrar, mesmo que em proporções menores, o bairro Lichtenberg, conhecido pela alta taxa de desempregados e concentração de neonazistas.

Longe da Helmholtzplatz com seus cafés da moda e suas crianças correndo pelos parques e muito distante do paraíso de brechós e lojas fashion da Kastanien Allee e suas transversais, a parte norte do bairro figura no "atlas social" da cidade bem abaixo do sul rico e cool. E ainda carece de muito investimento até ser reconstruída e revitalizada.

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