Presença norte-coreana leva guerra na Ucrânia a novo patamar
29 de outubro de 2024O Pentágono afirmou nesta segunda-feira (28/10) que forças norte-coreanas estão sendo deslocadas para a região russa de Kursk, na fronteira com a Ucrânia, e acrescentou que não imporá restrições ao uso de armas americanas contra elas.
Os Estados Unidos estimaram em cerca de 10 mil o número de soldados norte-coreanos enviados para treinamento militar na Rússia e afirmaram que uma parte desses soldados já se aproximou do campo de batalha.
No início do mês, o Serviço Nacional de Inteligência (NIS) da Coreia do Sul informara que a Coreia do Norte havia decidido enviar um total de 12 mil soldados para apoiar a Rússia na guerra.
Especialistas militares disseram que esses números são baixos diante da ampla mobilização de soldados de ambos os lados, mas podem fazer diferença para que a Rússia recupere posições na região russa de Kursk, atacada pela Ucrânia e onde os russos recapturam vários vilarejos nas últimas semanas.
A Ucrânia calculou em 50 mil o número de soldados russos na região de Kursk e não divulgou o seu contingente, mas especialistas dizem que ele chega a 30 mil.
A Coreia do Norte tem 1,2 milhão de soldados, um dos maiores exércitos permanentes do mundo, mas não luta em conflitos de grande escala desde a Guerra da Coreia, entre 1950-53. Muitos especialistas questionam o quanto as tropas norte-coreanas ajudariam a Rússia, citando a falta de experiência de batalha.
Nesta terça-feira, parlamentares sul-coreanos disseram, após uma reunião com representantes dos serviços secretos do país, que os militares russos estavam ensinando aos militares norte-coreanos cerca de cem termos militares, como "voltar à sua posição" e "disparar", mas os militares norte-coreanos estavam tendo dificuldades para entendê-los.
Coreia do Sul reage
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse nesta terça-feira ter conversado por telefone com o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, e que ambos concordaram em fortalecer a cooperação de segurança. "A conclusão é clara: essa guerra está se internacionalizando, indo além de dois países", afirmou Zelenski.
Os relatos de que o Norte está enviando tropas para a Rússia provocaram nervosismo na Coreia do Sul. As autoridades sul-coreanas temem que a Rússia possa recompensar a Coreia do Norte fornecendo-lhe tecnologias armamentistas sofisticadas que poderiam impulsionar os programas nucleares e mísseis do Norte que têm como alvo a Coreia do Sul.
Diante disso, a Coreia do Sul afirmou nesta terça-feira que consideraria o fornecimento de armas à Ucrânia em resposta ao envio de tropas relatado pelo Norte. Até agora, a Coreia do Sul enviou apoio humanitário e financeiro à Ucrânia, mas evitou fornecer armas, de acordo com sua política de não fornecer armamento a países ativamente envolvidos em conflitos.
Escalada "significativa" no conflito
A Otan pediu que Rússia e Coreia do Norte interrompam imediatamente o envio de soldados. O secretário-geral Mark Rutte afirmou que esse passo marca "uma escalada significativa no envolvimento contínuo da Coreia do Norte na guerra ilegal da Rússia".
Rutte lembrou que o regime de Pyongyang já forneceu à Rússia "milhões de munições e mísseis balísticos que estão alimentando um grave conflito no coração da Europa e minando a paz e a segurança globais" e que, em troca, o presidente russo, Vladimir Putin, está fornecendo à Coreia do Norte tecnologia militar e "outros apoios para contornar sanções internacionais".
Também o ministro do Exterior da Ucrânia, Andri Sibiga, afirmou que o envolvimento de tropas norte-coreanas na guerra na Ucrânia representaria uma "enorme ameaça" de uma nova escalada do conflito.
Sibiga enfatizou que não se trata de mercenários, mas de unidades inteiras que lutarão ao lado das tropas do Kremlin contra a Ucrânia, e pediu uma reação severa dos aliados de Kiev.
Para o chefe da Otan, o recurso às tropas norte-coreanas é também um sinal do "crescente desespero" de Putin. "Mais de 600 mil militares russos foram mortos ou feridos na guerra de Putin e ele é incapaz de manter seu ataque à Ucrânia sem apoio estrangeiro", destacou.
Benefícios mútuos
Especialistas dizem que a Coreia do Norte quer obter o apoio econômico russo e sua ajuda para modernizar sistemas de armas convencionais ultrapassados.
O professor de relações internacionais Andrei Lankov, da Universidade de Kookmin, em Seul, avalia que, do ponto de vista russo, Putin está travando uma guerra que, de um modo geral, é popular na Rússia, mas desde que a maioria da população fique fora dos combates e não tenha sua vida cotidiana prejudicada.
Lankov, originário da Rússia, mas acadêmico na Coreia do Sul nos últimos 30 anos, diz que cada vez menos homens estariam dispostos a arriscar suas vidas, mesmo com os generosos benefícios financeiros de se alistar no exército.
Apesar de especialistas ocidentais levantarem dúvidas sobre a eficácia de se usar soldados que não falam russo e não conhecem o terreno de combate, Lankov afirma que o que Exército russo mais precisa agora são de unidades de infantaria.
Em troca, explicou, a Coreia do Norte quer dinheiro. "Um soldado raso do Exército russo recebe 2 mil dólares por mês, mais um bônus de alistamento que pode chegar a 20 mil dólares", diz ele. "Se Pyongyang receber metade disso por soldado, já ficará muito feliz."
O segundo motivo para a disposição de Pyongyang em fornecer tropas é a oferta da Rússia de pagar parte da conta na forma de tecnologia, o que implica que a Coreia do Norte negociou muito nesse ponto. "Só dinheiro não é suficiente", diz Lankov. "Parte dele terá que vir como a tecnologia avançada que a Coreia do Norte deseja, mas não consegue obter. Normalmente, a Rússia nunca concordaria em fornecer esse tipo de tecnologia a um país tão instável, mas no momento não tem escolha."
Outro motivo para a Coreia do Norte enviar tropas à linha de frente na Ucrânia são as habilidades e a experiência que podem ser adquiridas, diz Lankov. "Trata-se de um conflito moderno entre duas potências militares avançadas por um longo período de tempo", diz ele. "O mundo não via um conflito como esse há 80 anos, e a Coreia do Norte quer ganhar experiência em combater esse tipo de guerra."
A ministra do Exterior da Coreia do Norte, Choe Son Hui, chegou nesta terça-feira à Rússia para uma visita oficial de dois dias, aparentemente para negociar o que o seu país ganharia em troca do envio de soldados, segundo análise do NIS.
Acordo de defesa mútua
A Coreia do Norte e a Rússia têm se aproximado cada vez mais diante das sanções impostas por países ocidentais à Rússia após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. No início deste ano, o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, firmou um acordo com Putin no qual ambos se comprometem a ajudar um ao outro em caso de "agressão".
O NIS afirmou na semana passada que a Coreia do Norte já havia enviado mais de 13 mil contêineres de artilharia, mísseis e outras armas convencionais para a Rússia desde agosto de 2023 para reabastecer os estoques de armas russos, cada vez menores.
Embora o envio de milhares de tropas norte-coreanas sugira um novo nível de cooperação militar entre os dois aliados, Lankov espera que as trocas não durem muito tempo. "Assim que as hostilidades na Ucrânia terminarem, tudo voltará ao que era antes. Esses dois países são muito diferentes e, em grande parte, incompatíveis, portanto haverá muito pouco que a Coreia do Norte produza que a Rússia queira."
Coreia do Norte já enviou tropas ao exterior
A Coreia do Norte já enviou tropas para o exterior antes. Angola, por exemplo, aceitou cerca de 3 mil "conselheiros" militares nas décadas de 1970 e 1980. Essas tropas foram encarregadas de treinar as tropas locais, mas também lutaram contra as forças sul-africanas.
A Coreia do Norte também enviou tropas para Uganda, Chade e Moçambique, além de treinar guerrilheiros do Exército Popular de Libertação da Namíbia para realizar uma longa insurgência contra o governo sul-africano até o fim do apartheid.
Em geral, a Coreia do Norte tende a enviar treinadores, diz o analista Fyodor Tertitsky, baseado na Coreia do Sul, explicando que os soldados norte-coreanos raramente participam de operações militares fora de seu país.
Outra exceção, segundo ele, foi o envio de pilotos para apoiar os vietnamitas do norte durante a Guerra do Vietnã.