Clichês europeus
13 de janeiro de 2009Tradicionalmente, cabe à presidência rotativa da União Europeia (UE) decorar o hall de entrada da sede do Conselho da UE, o Edifício Justus Lipsius, em Bruxelas. Com a instalação Entropa, a atual presidência rotativa tcheca optou por um objeto provocador para celebrar a diversidade e a liberdade de expressão na Europa.
A obra do artista tcheco David Cerny é composta de 27 peças independentes em forma de mapa dos 27 diferentes países-membros da UE. Cada peça foi realizada por um artista do respectivo Estado-membro, que teve por tarefa retratar os clichês ou preconceitos da sua própria terra.
A Alemanha, por exemplo, está coberta de autoestradas impecáveis; a Áustria, de usinas termelétricas; a Itália tornou-se um campo de futebol, a Bélgica, uma caixa de bombons e a Bulgária, uma latrina.
Na próxima quinta-feira (15/01), a obra será inaugurada pelo vice-primeiro-ministro tcheco, Alexandr Vondra. Mas, desde sua instalação no saguão do Edifício Justus Lipsius, no início desta semana, Entropa vem provocando risos e birra nos grupos de funcionários da UE que se juntam para admirar a obra.
"Europa sem barreiras"
Alexandr Vondra justificou a contribuição de seu país através do lema da presidência rotativa da UE, exercida pela República Tcheca até 30 de junho próximo. "Esculturas, a arte em geral, podem falar quando as palavras calam. Na linha do lema da presidência temporária da República Tcheca, 'Europa sem barreiras', demos a 27 artistas a oportunidade de se expressarem livremente, como prova de que na Europa de hoje não há espaço para censura", afirmou o vice-primeiro-ministro.
Algumas contribuições, no entanto, são mais provocantes do que outras. Entropa mostra uma Holanda coberta pelo mar – somente alguns minaretes com muezins cantantes são visíveis.
Não muito longe dali, padres poloneses hasteiam a bandeira do movimento gay sobre o mapa de seu país. "Uma visão surreal de duas coisas que, normalmente, não se deixam combinar", explicou o artista polonês Leszek Hirszenberg.
"Eu não gosto de conversa fiada e não gosto de colonialismo"
O grupo francês GRAA (sigla em francês para Grupo de Pesquisa de Arte Audiovisual) colocou uma imensa faixa com os dizeres "Greve" sobre o mapa da França. O castelo de Drácula decora o mapa da Romênia e a contribuição da República Tcheca talvez seja a mais provocadora: um letreiro luminoso com "palavras de sabedoria" do presidente tcheco, Václav Klaus, um cético da União Europeia conhecido também por algumas gafes verbais que já cometeu.
Mas o Brasil também está presente em Bruxelas. Desta vez, dentro do mapa de Portugal na instalação da artista portuguesa Carla de Miranda em Bruxelas. Ela adornou o mapa do seu país com os de suas antigas colônias. "Eu não gosto de conversa fiada e não gosto de colonialismo", explicou Miranda no texto de seu projeto.
O artista Helmut Bauer, responsável pela contribuição alemã, afirmou ser sua obra de autoestradas uma crítica à União Europeia. Ela mostra o absurdo da política de transportes europeia, que é amedrontadora ao procurar alternativas eficientes, afirmou o artista.
Análise lúdica dos estereótipos nacionais
A obra de David Cerny foi alugada por 50 mil euros pelo governo tcheco até 30 de junho próximo. Os custos da obra foram arcados pelo próprio Cerny. O artista de Praga ganhou notoriedade em 1991 ao pintar de rosa um tanque soviético que servia como memorial de guerra no centro da capital tcheca. Como o monumento em homenagem às tripulações dos tanques soviéticos ainda era um monumento cultural naquela época, o artista foi preso por um curto período de tempo.
O projeto que elaborou juntamente com outros artistas da União Europeia seria um exemplo da autorreflexão, da análise crítica e da capacidade de perceber a si e ao mundo exterior com um senso de ironia que, segundo Cerny, são características do pensamento europeu.
O artista tcheco explicou que o denominador comum dos projetos dos 27 artistas dos países-membros da União Europeia é uma análise lúdica dos estereótipos nacionais, mas também a faculdade de caracterizar de maneira original sua própria identidade cultural.
OBS: Um dia antes da inauguração da instalação, Cerny admitiu ser o autor de todas as obras da instalação. Os nomes dos artistas a quem ele atribuiu as obras são fictícios.