A mídia enfrenta ataques quase diários de Bolsonaro e de seus apoiadores. E agora Lula também pede que a mídia seja regulada. Uma perspectiva nada boa para a democracia no Brasil, escreve Alexander Busch.
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Os ataques do presidente Jair Bolsonaro contra a mídia já viraram rotina. Suas declarações de guerra contra a mídia são compartilhadas por seus apoiadores radicais. É assustador como alguns fãs de Bolsonaro desejam que jornalistas deixem o país ou, melhor ainda, sejam logo mandados para o paredão de fuzilamento. Os insultos sexistas de Bolsonaro e seus filhos contra jornalistas do sexo feminino também se repetem constantemente – e geralmente ficam impunes.
Não é de se admirar que o Brasil tenha recebido uma má pontuação na última pesquisa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. Desde que Bolsonaro chegou ao poder, o Brasil vem caindo algumas posições a cada ano no ranking de liberdade de imprensa. Atualmente, o país ocupa o 111º lugar entre 180 países. Pela primeira vez em 20 anos o Brasil aparece em vermelho no mapa mundial da organização.
"O trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018", escreve a prestigiosa organização. Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro.
Lula ecoa críticas à mídia
E mais assustador ainda é o fato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como provável candidato à Presidência, não só exija a regulamentação da mídia no Brasil como tenha passado as últimas semanas fazendo críticas pesadas contra a imprensa. Em entrevista à DW e à rede de TV alemã ARD ele disse logo no início: "Uma parte do que nós estamos vivendo hoje com o governo Bolsonaro, com o fascismo, o nazismo e a ultradireita fazendo tudo errado, tem muito a ver com o comportamento que a imprensa teve nos últimos anos, negando a política."
Lá vem o velho reflexo do Partido dos Trabalhadores (PT): responsabilizar a mídia como portadora de más notícias pelos seus próprios erros. Nos 13 anos do PT no governo houve repetidas tentativas de controlar o poder da mídia ou de criar instrumentos para ampliar a divulgação da perspectiva do governo.
Logo após a posse de Lula em 2004 houve a tentativa fracassada de criar um Conselho Federal de Jornalismo, para "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade do jornalismo". Nós, da imprensa internacional, também deveríamos nos registrar e obter uma autorização para continuar trabalhando como correspondentes no Brasil.
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Paralelos com a Venezuela?
Lula agora diz que foi um grande erro seu não ter levado essa proposta ao Congresso – argumentando, de forma arrepiante, que a mídia supostamente tinha destruído Hugo Chávez na Venezuela. "Eu vi como a imprensa destruía o Chávez. Aqui eu vi o que foi feito comigo."
Bolsonaro volta e meia se pinta como vítima da mídia.
Como correspondente, eu lembro como Lula zombou dos jornalistas presentes no 5º Congresso Nacional do PT em Salvador, em 2015. Ele estava contente porque a mídia já não comparecia mais em peso. Os jornais logo se tornariam supérfluos, porque ninguém mais estava disposto a pagar por suas mentiras.
Ainda que eu veja grandes diferenças entre Lula e Bolsonaro em suas respectivas relações com a democracia, é preocupante que um candidato potencial à Presidência já esteja falando em diminuir a influência da mídia – embora seja evidente o quanto o nosso trabalho ficou mais difícil sob um governo cada vez mais autoritário como o do presidente Bolsonaro.
As perspectivas não são nada boas para a liberdade de imprensa e, com isso, para a democracia no Brasil.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Cliqueaquipara ler suas colunas.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Ataques de Bolsonaro contra a imprensa
"Encher tua boca de porrada", "você tem cara de homossexual", "imprensa lixo". Guerra do ex-presidente contra a mídia inclui ameaças, grosserias e xingamentos a comentários de cunho sexual contra profissionais da área.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Peres
"Encher sua boca de porrada"
Ao ser questionado por um repórter sobre depósitos de Fabrício Queiroz e sua mulher que teriam sido feitos na conta da primeira-dama, Bolsonaro respondeu: "Vontade de encher tua boca com porrada, tá? Seu safado". A ameaça gerou uma série de críticas e notas de repúdio.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Peres
Jornalista "bundão", "só usam caneta para maldade"
Um dia depois, ele voltou à carga contra a imprensa. “Aquela história de atleta, né, que o pessoal da imprensa vai pôr deboche, mas quando pega um bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor. Só sabem fazer maldade, usar a caneta com maldade”, disse em evento no Palácio do Planalto. Bolsonaro disse que jornalista ‘bundão’ tem menos chance de sobreviver ao coronavírus do que ele próprio.
Foto: AFP/E. SA
"Grande mídia publica patifaria"
“É uma manchete canalha e mentirosa, e vocês da mídia, tenham vergonha cara. A grande parte publica patifaria”, acusou, comentando matéria da Folha de S. Paulo que noticiava a troca da superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro e suposta interferência de Bolsonaro no comando da Polícia Federal.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Lopes
"Vocês inventam tudo"
Em abril de 2021, Bolsonaro se negou a falar com a imprensa na saída do Palácio da Alvorada e atacou os jornalistas presentes: “Eu não vou falar com a imprensa, porque eu não preciso falar. Vocês não distorcem mais, inventam. O que eu li hoje…Inventam tudo. Então, podem continuar inventando aí”, disse o presidente.
Foto: Getty Images/A. Anholete
"Você tem cara de homossexual"
"Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual", disse o ex-mandatário em dezembro de 2020, ao ser questionado sobre possível envolvimento de seu filho Flávio em suposto esquema de rachadinha quando era deputado no Rio de Janeiro.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres
"Pergunta para a tua mãe"
Na mesma ocasião, ao ser indagado sobre se teria comprovante do empréstimo de R$ 40 mil que diz ter feito a Fabrício Queiroz para justificar depósitos do então assessor de Flávio na conta da primeira-dama, retrucou: 'Pergunta para tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai'.
Foto: Reuters/A. Machado
"Imprensa lixo chamada Globo"
“Essa imprensa lixo chamada Globo. Ou melhor, lixo dá para ser reciclado. Globo nem lixo é, porque não pode ser reciclada”, disse o então presidente depois da repercussão de sua fala “E daí?”, dita quando o Brasil superou a China no número de mortes pela covid-19.
Foto: Getty Images/AFP/E. SA
"Perguntando besteira"
"Vocês da Folha têm que entrar de novo numa faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. E não contratar qualquer uma ou qualquer um pra ser jornalista. Pra ficar semeando discórdia e perguntando besteira", afirmou o ex-presidente, ao ser questionado por uma jornalista da Folha de S. Paulo sobre o contingenciamento nos orçamentos das universidades federais.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Frazão
"Ela queria dar um furo"
“Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, ironizou o ex-presidente sobre a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. O comentário de cunho sexual se referia à acusação, realizada sem provas, de um ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa de que a jornalista teria tentado "se insinuar" sexualmente para ele em busca de informações.
Foto: Imago Images/Fotoarena/R. Pereira
"Canalhice da Globo"
“Isso é uma patifaria, TV Globo! É uma canalhice o que vocês fazem, TV Globo. Uma canalhice, fazer uma matéria dessas em um horário nobre, colocando sob suspeição que eu poderia ter participado da execução da Marielle Franco”, acusou, em outubro de 2019, após o Jornal Nacional noticiar que o porteiro de seu condomínio dissera que Bolsonaro autorizara a entrada suposto envolvido no crime.
Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.