Presidente afegão oferece reconhecimento político ao Talibã
28 de fevereiro de 2018
Ashraf Ghani oferece ao grupo possibilidade de virar partido político e abrir escritório em Cabul, como parte de proposta para abrir negociação e tentar encerrar 16 anos de conflito.
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O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, propôs nesta quarta-feira (28/02) ao grupo radical islâmico Talibã a possibilidade de virar um partido político, dentro de um novo processo de negociação para resolver 16 anos de conflito.
Em discurso durante a abertura da segunda conferência do chamado Processo de Cabul – mecanismo de acompanhamento internacional que procura alcançar um plano de paz para o Afeganistão –, o chefe de Estado sublinhou que o Executivo está disposto a autorizar aos talibãs a abrirem um escritório em Cabul.
"Em nome do governo de unidade nacional, proponho aos talibãs um plano de paz em que fiquem assegurados os supremos interesses do país e os direitos de participação a todos os cidadãos", disse o presidente afegão. "Líderes talibãs e todos os membros, a decisão está nas suas mãos. Aceitem a paz, venham para a mesa de negociações e nos permitam construir esse país juntos", apelou Ghani.
Ele também citou o vizinho Paquistão, que tem sido há muito tempo acusado pelo governo dos EUA e pelos afegãos de abrigar talibãs e fornecer refúgios aos militantes. Ghani disse que os dois países poderiam superar o passado e começar um novo capítulo em suas relações.
O processo de paz proposto por Ghani contempla três fases e propõe criar um marco político e instaurar um cessar-fogo. "Os talibãs deverão ser reconhecidos oficialmente como partido político", afirmou.
Libertação de prisioneiros
A proposta prevê a libertação de prisioneiros, fornecimento de passaportes afegãos aos talibãs, realocação de famílias e acesso aos meios de comunicação. "Devem tomar-se medidas para alcançar a confiança e preparar o caminho para a realização de eleições livres", disse.
Gani afirmou que o governo pretende uma paz "real e duradoura" com os talibãs e, por isso, destacou a importância de conversações "sem pré-condições e sem restrições".
Os talibãs não foram convidados para a conferência, mas fontes afirmaram à agência de notícias DPA que Agha Jan Mottasim, ex-ministro do governo talibã que estava no poder até 2001, iria participar. Mottasim teria servido de intermediário entre as partes no passado.
O Processo de Cabul foi lançado em junho de 2017 como iniciativa do Executivo para chamar os grupos armados à mesa das negociações, reunindo representantes de 25 países da região – incluindo Índia e Paquistão, este último acusado de apoiar os insurgentes – assim como EUA e organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas e a Aliança Atlântica. A primeira conferência ocorreu em junho do ano passado, sem que fossem obtidos resultados concretos.
O Afeganistão enfrenta atualmente uma das fases mais sangrentas do conflito desde a saída da missão da Otan, em 2015. Em agosto do ano passado, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou o aumento do número de tropas americanas no Afeganistão até 14 mil efetivos. Washington defende também uma postura mais dura em relação ao Paquistão, país que acusa de apoiar os grupos talibãs.
Talibãs controlam parte do país
Os talibãs atualmente controlam ou têm influência sobre cerca de 13% do Afeganistão, segundo dados dos EUA e das autoridades do país, enquanto outras fontes dizem que até 40% do país são controlados pelos militantes.
Eles repetidamente se recusaram a manter conversas diretas com o governo afegão, que chamam de "regime de marionetes", exigindo dialogar com os EUA, que contribuiu com o maior número de tropas para o conflito. Washington e a comunidade internacional insistem que o governo afegão deve desempenhar um papel de liderança nas negociações de paz.
Os talibãs controlaram cerca de 90% do país até serem derrubados pelos Estados Unidos e pela Aliança do Norte afegã, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, por se recusarem a extraditar o então líder da organização terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden.
Durante seu domínio, entre 1996 e 2001, o Talibã impôs a interpretação estrita da lei tradicional islâmica, a sharia, punindo com rigor os que violavam as regras. Eles proibiam as meninas de frequentar a escola, realizavam execuções públicas e ofereciam refúgio para membros da Al Qaeda.
A guerra teve um impacto devastador no Afeganistão, fazendo com que 460 mil pessoas tivessem que deixar suas casas só no ano passado, enquanto mais de 10 mil civis foram mortos ou feridos em 2017, de acordo com dados da ONU.
O governo afegão se recusou a publicar o número de membros das forças de segurança mortos no conflito em 2017. Em 2016, o número foi de mais de 8 mil mortos e mais de 14 mil feridos.
Ganhos territoriais constantes
Embora as tropas americanas tenham derrubado com sucesso o regime talibã, não conseguiram desmantelar o movimento jihadista nem romper a dependência das forças que combatem os insurgentes do apoio americano.
Em 2010, os EUA mantinham mais de 100 mil soldados no Afeganistão. A maioria, porém, foi retirada do país até o final de 2014, quando as forças americanas e da Otan concluíram formalmente sua missão de combate, transformando-a numa missão de treinamento, com a Otan mantendo um contingente de cerca de 13 mil soldados atuando como consultores. Desde a retirada dos EUA, o Talibã alcançou ganhos territoriais constantes. Recentemente o Talibã intensificou seus ataques, e um braço do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) também surgiu no país.
Em agosto passado, Trump introduziu uma estratégia mais agressiva no Afeganistão, incluindo ataques aéreos. Militantes responderam com ataques em Cabul nas últimas semanas, resultando na morte de cerca de 150 pessoas.
MD/efe/dpa
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A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.