Em entrevista a cinco grandes jornais, Joachim Gauck exige um sinal claro contra a política migratória do novo presidente americano. Ele também defende uma linguagem política que não seja entendida somente pelas elites.
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O presidente alemão, Joachim Gauck, respondeu perguntas de cinco grandes jornais europeus, antes de deixar o cargo no próximo mês. Na entrevista, publicada neste sábado (04/02) pelos diários NRC Handelsblad (Holanda), The Guardian (Reino Unido), Le Monde (França), La Stampa (Itália) e El País (Espanha), ele exigiu um sinal claro contra o veto de viagem do presidente americano, Donald Trump, para cidadãos de sete países muçulmanos.
"Devemos nos posicionar muito claramente sobre isso", disse Gauck. Com a proibição de entrada, alega-se que pessoas de fé muçulmana e de determinada origem seriam perigosas, acrescentou. "Isso não é compatível com as nossas ideias de dignidade humana, de igualdade e de liberdade de religião."
"Populismo é lenha na fogueira de medos"
Diante do crescente populismo na Europa, Gauck alertou para que não se deixem sozinhas as pessoas com seus medos, em tempos de globalização e migração. "Populismo é lenha na fogueira de medos", afirmou Gauck na entrevista. "Precisamos de um diálogo mais aberto, mais encontros diretos com aqueles que têm medo", apelou Gauck.
Para tal, a política precisa de uma linguagem que seja compreensível não somente para as elites, defendeu o presidente. "Não devemos deixar a palavra simples nas mãos de populistas e incitadores de medo", exigiu Gauck. "Eu não quero ir ao encontro da linguagem dos populistas. Mas eu também não quero deixar que eles expressem coisas complexas numa linguagem popular."
UE precisa desacelerar
No contexto da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), Gauck advertiu de que não se force uma coesão europeia de forma brusca. A UE precisa "algo como uma desaceleração de preservação de meta", afirmou o presidente, acrescentando que a política deveria levar ainda mais a sério o princípio do exaurimento de instâncias. "Ali onde for mais sensato regulamentar as coisas em nível mais nacional do que europeu, isso deve ser feito."
Em 12 de fevereiro próximo, a Assembleia Federal da Alemanha irá se reunir para escolher o sucessor de Gauck. O candidato conjunto do Partido Social Democrata (SPD) e da União CDU/CSU (União Democrata Cristã/União Social Cristã), o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, tem as melhores chances de escolha.
CA/afp/dpa/dw
O presidente alemão se despede do cargo
Neste 18 de março de 2017, Joachim Gauck encerra o mandato como 11º presidente da República Federal da Alemanha. Em retrospecto, ele pode olhar para mais de quatro anos de grande agitação política.
Foto: picture alliance/dpa/M. Kappeler
"Arquivos de Gauck"
Por dez anos, o presidente alemão Joachim Gauck administrou os arquivos do serviço de inteligência (Stasi) da República Democrática Alemã (RDA). Como ativista dos direitos civis, ele foi eleito em 1990 para o Parlamento da ex-Alemanha Oriental, que propôs seu nome para o cargo em decisão apoiada pelo governo alemão ocidental. Até hoje, o órgão leva o nome não oficial "Arquivos de Gauck".
Foto: picture-alliance/dpa
Candidato do povo
Depois de haver deixado "sua" instituição em 2000, Gauck atuou como autor e ativista político. Após o pedido-surpresa de demissão do ex-presidente Horst Köhler, em 2010, o Partido Social Democrata (SPD) e os verdes cogitaram seu nome para o cargo. A mídia o aclamava como candidato do povo. No entanto Christian Wulff, da União Democrata Cristã (CDU), foi eleito em terceira votação.
Foto: picture-alliance/dpa
Presidente Gauck
Depois de quase dois anos, Wulff foi forçado a renunciar. Também desta vez partidos de oposição defendiam a candidatura de Gauck, agora com apoio de Berlim. Em pesquisa realizada antes da Assembleia Federal responsável pela escolha do presidente, 69% dos entrevistados apoiaram o nome de Gauck. O resultado em 18 de março foi ainda mais decidido: ele obteve 991 de 1.228 votos, em primeira votação.
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"Primeira-companheira"
Segundo a Constituição alemã, o presidente do país não está sujeito aos Três Poderes. Mesmo assim, Gauck é o primeiro chefe de Estado sem partido. E também o primeiro a não ser acompanhado pela esposa em ocasiões cerimoniais, mas por sua companheira Daniela Schadt, com quem vive desde 2000. Da ex-esposa Gerhild Gauck, com quem teve quatro filhos, ele está separado há 25 anos.
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Liberdade pensada e vivida
Tema central de Gauck é a liberdade, a que gosta de se referir como "potencialização" do indivíduo. Críticos o acusam de, assim, defender o egoísmo com uma retórica anticomunista ingênua. Outros veem em seu discurso um apelo à responsabilidade: liberdade não significaria automaticamente felicidade ou satisfação, mas uma responsabilidade própria existencial, para além do poder do Estado.
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Representante com franqueza
Como representante oficial da Alemanha no exterior, Gauck viajou por muitos países e se encontrou com diversos dirigentes. Mas nem sempre permaneceu diplomático: no início de 2014, na Turquia, acusou o governo do então premiê Recep Tayyip Erdogan de censura, ingerência no sistema judicial e estilo autoritário de governança. Erdogan protestou, mas ele se manteve calmo: "Cumpri o meu dever."
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Orador habilidoso
Em março de 2016 Gauck falou a estudantes da Universidade Tongji, em Xangai, da desconfiança que surge entre o Estado e seus cidadãos quando um governo não é legitimado por eleições livres. Oficialmente, a liderança chinesa não se irritou: Gauck se referira à ex-Alemanha Oriental. Ainda assim os paralelos implícitos foram compreendidos, graças a uma tradução que circulou na internet chinesa.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Visão e perspicácia
Dois meses após sua visita à Turquia em 2014, quando também foi a um campo de refugiados na fronteira com a Síria, Gauck apontou o número crescente de migrantes, alertando sobre a necessidade de ação: processo de asilo mais rápido, cooperação com parceiros europeus, mais pragmatismo nos limites do politicamente viável. Isso aconteceu 14 meses antes de Angela Merkel proferir: "Nós vamos conseguir."
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Recusa a segundo mandato
Em 2016 Joachim Gauck decidiu não se candidatar novamente, após entregar seu cargo. Apoio não teria lhe faltado: ambos os partidos do governo haviam sinalizado sua preferência. Gauck justificou-se com o temor de não poder terminar o segundo mandato, quando estaria com 82 anos. Seu sucessor será Frank-Walter Steinmeier, que assume no dia 19 de março de 2017.