Em entrevista à DW, Frank-Walter Steinmeier fala sobre os protestos que eclodiram na China e o momento da guerra na Ucrânia. E explica por que ainda descarta negociações de cessar-fogo entre Kiev e Moscou.
"As imagens que nos chegam de Pequim e de várias cidades chinesas me comovem", disse ele em entrevista à DW, lembrando que a pandemia também colocou os alemães à prova.
"Só podemos imaginar quão grande é o fardo para as pessoas na China, onde as medidas são muito mais rígidas, muito mais duradouras e persistem até hoje."
"Pequim deve respeitar a liberdade de expressão"
Nos últimos dias, a indignação diante da estrita política chinesa de "zero covid" provocou protestos em toda a China, na maior onda de desobediência civil desde os atos pró-democracia de 1989.
O estopim foi um incêndio num edifício residencial em Urumqi, na região de Xinjiang, noroeste do país, que matou dez pessoas na última quinta-feira.
"Como democrata, só posso dizer que a liberdade de expressão é um bem importante", disse o presidente alemão. "E, ao que nós vemos, só consigo associar a esperança de que as autoridades estatais chinesas respeitem esse direito à liberdade de expressão e manifestação."
"Ucranianos ameaçados por dificuldades, escuridão e frio"
Sobre a guerra na Ucrânia, Steinmeier disse que condena os recentes ataques russos a civis e à infraestrutura de fornecimento de gás e eletricidade aos ucranianos:
"Acho que isso faz parte da estratégia de guerra que estamos vendo aqui. Não vemos apenas uma guerra agressiva, travada militarmente contra o Exército ucraniano. O que temos — e isso se torna mais visível quanto mais perto do inverno chegamos — é um ataque brutal à infraestrutura crítica e, é claro, à população civil."
Sobre a situação das pessoas na zona de guerra, Steinmeier também expressou profunda preocupação: "Vimos o que aguarda as pessoas na Ucrânia: dificuldades, escuridão e frio."
"Uma trégua neste ponto corroboraria toda a injustiça" cometida pela Rússia
Steinmeier, que também já foi ministro do Exterior da Alemanha, ainda não vê ocasião para conversas sobre um possível armistício.
"Todas as recomendações de se buscar uma trégua agora são claramente levianas, pois uma trégua neste ponto corroboraria toda a injustiça já cometida. Uma trégua agora significaria conceder à Rússia o território por ela ocupado. E com isso, as violações de fronteira, o desrespeito ao direito internacional e a apropriação de terras também seriam ratificados."
Steinmeier evitou comentar sobre eventuais garantias de segurança do Ocidente para a Ucrânia antes de Kiev e Moscou darem início a possíveis negociações. "Ainda estamos em um estágio em que não podemos dizer exatamente como seriam essas garantias de segurança."
"Armas nucleares não devem ser usadas"
No início do ano, Steinmeier foi duramente criticado por seus contatos pessoais de longa data com políticos russos na Ucrânia. Agora, o presidente alemão qualifica a ameaça russa de usar armas nucleares como intolerável.
"Isso, na verdade, vai contra toda a nossa experiência histórica. E representa um nova escalada que a Rússia está buscando nesta guerra. As armas nucleares não devem ser usadas!”
"Sou muito grato ao Bundestag alemão"
Em entrevista à DW, o presidente alemão saudou a intenção do Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) de reconhecer nesta semana o chamado Holodomor e qualificá-lo como genocídio.
No início da década de 1930, milhões de pessoas morreram de fome na Ucrânia ao verem sua produção de alimentos sistematicamente subtraída e confiscada pela liderança soviética da época. Agora, o Partido Social-Democrata (SPD), o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP), que compõem a coalizão que governa a Alemanha, além da União Democrata Cristã/União Social Cristã (CDU/CSU), da oposição, querem mudar isso com uma resolução conjunta.
"Foi uma estratégia consciente do regime de Stalin em 1932 e 1933 de deixar partes da população da então União Soviética morrer de fome", afirmou Steinmeier, que se disse "muito, muito grato" pelo fato de o Parlamento decidir mudar isso.
O massacre da Praça da Paz Celestial
Autoridades chinesas tentaram censurar todas as fotos ligadas aos eventos de junho de 1989, em Pequim. Mas jornalistas como o fotógrafo Jeff Widener conseguiram captar imagens históricas.
Foto: Jeff Widener/AP
Deusa da Democracia
Enquanto o sol nasce sobre a Praça da Paz Celestial (Tiananmen), em Pequim, em 4 de junho de 1989, manifestantes constroem a "Deusa da Democracia" – uma estátua de dez metros de altura, feita de espuma e papel machê sobre uma armação de metal. Pela manhã, soldados apoiados por tanques e carros blindados derrubam a estátua, posicionada diante do retrato de Mao Tsé-tung na Cidade Proibida.
Foto: Jeff Widener/AP
Uma policial canta
Nos tensos dias anteriores ao massacre ordenado pelo governo chinês, moradores locais deram presentes aos soldados e oficiais de polícia. Militares até entoaram canções patrióticas junto com os manifestantes. Na foto, uma policial canta em voz alta na Praça da Paz Celestial, poucos dias antes de as tropas governamentais retomarem o controle sobre a área e esmagarem o movimento democrático.
Foto: Jeff Widener/AP
Confronto
Uma mulher envolve-se num confronto entre ativistas pró-democracia e soldados do Exército de Libertação Popular, próximo ao Grande Salão do Povo, em 3 de junho, horas antes de uma das mais sangrentas operações de repressão militar do século 20. Naquela mesma noite, o Exército abriu fogo contra civis desarmados e que ocupavam a Praça da Paz Celestial.
Foto: Jeff Widener/AP
Armas apreendidas
Milhares de manifestantes cercam um ônibus em que estão expostas armas apreendidas poucos dias antes. Durante a imposição da lei marcial, soldados e civis executam um jogo de "toma lá, dá cá": por vezes os manifestantes oferecem presentes aos soldados, por outras, as tropas recuam.
Foto: Jeff Widener/AP
Luta pela democracia
Na noite de 3 junho, um grupo de ativistas intercepta um veículo blindado para transporte de pessoal, às portas do Grande Salão do Povo. O carro acabara de atravessar as barricadas erigidas pelos civis, visando deter o avanço dos veículos militares. Ao mesmo tempo, não muito longe dali, soldados preparavam-se para abrir fogo sobre os manifestantes.
Foto: Jeff Widener/AP
Salvo por uma câmera
Na mesma noite, manifestantes atearam fogo a um veículo blindado na Avenida Chang'an, nas proximidades da Praça da Paz Celestial. Esta imagem foi a última feita pelo fotógrafo Jeff Widener, antes de ser atingido no rosto por um tijolo perdido, atirado por um dos ativistas. Embora ele tenha sofrido uma séria concussão, sua câmera de titânio Nikon F3 absorveu o choque, salvando-lhe a vida.
Foto: Jeff Widener/AP
O massacre
Em 4 de junho, após o brutal massacre do movimento democrático liderado por estudantes, um caminhão do Exército de Libertação Popular patrulha a Avenida Chang'an, diante do Beijing Hotel. Naquele mesmo dia, um veículo semelhante, cheio de soldados, disparara contra turistas no saguão desse hotel.
Foto: Jeff Widener/AP
O homem dos tanques
Sozinho, carregando sacolas de compras, um homem caminha pelo centro da Avenida Chang'an, detendo temporariamente o avanço dos tanques chineses, no dia seguinte ao massacre. Um quarto de século mais tarde, o destino desse homem continua um mistério. A imagem tornou-se símbolo dos eventos na Praça da Paz Celestial.
Foto: Jeff Widener/AP
Heróis derrubados
Em 5 de junho, na mesma Avenida Chang'an, um grupo mostra uma foto de ativistas no necrotério local, mortos pelos tiros dos soldados da 38ª divisão, durante a retomada da Praça da Paz Celestial. Os militares usaram balas dundum, que se expandem ao atingir a vítima, causando ferimentos grandes e dolorosos. Segundo dados da Anistia Internacional, foram mortos pelo menos 300 civis.
Foto: Jeff Widener/AP
Varredoras
Duas trabalhadoras varrem em torno dos restos de um ônibus incendiado, na Avenida Chang'an. Os protestos resultaram no incêndio de vários ônibus e veículos militares, matando e ferindo um grande número de soldados.
Foto: Jeff Widener/AP
Protegendo Mao
Ao lado de um tanque, soldados prestam guarda na entrada da Cidade Proibida, na ocupada Praça da Paz Celestial, alguns dias após o fim da revolta liderada pelos estudantes chineses.
Foto: Jeff Widener/AP
Parceiros da fotografia
Os fotógrafos Jeff Widener (esq.) e Liu Heung Shing, ambos da agência de notícias Associated Press, posam diante da Cidade Proibida, em Pequim, no final de maio de 1989, poucos dias antes do massacre da Praça da Paz Celestial.