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Alemanha inaugura reconstrução de igreja controversa

22 de agosto de 2024

Quase 60 anos após a sua destruição pelo regime da Alemanha Oriental, torre da Igreja da Guarnição volta a ser um marco de Potsdam. Mas nem todos aprovaram reconstrução por causa da associação do prédio com o nazismo.

Deutschland Garnisonkirche Potsdam
Foto: Soeren Stache/dpa/picture alliance

Com a presença do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, autoridades da cidade de Potsdam, nos arredores de Berlim, inauguraram nesta quinta-feira (22/08) a reconstrução da torre da Garnisonkirche, ou Igreja da Guarnição. O debate sobre a reconstrução se estendeu por décadas, já que não se tratava de uma simples igreja, mas também um monumento com uma pesada bagagem histórica.

Construída originalmente nos anos 1730, severamente danificada na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e demolida em 1968 pelo regime comunista da Alemanha Oriental, a Igreja da Guarnição, de estilo barroco, foi por quase 200 anos associada aos monarcas da antiga Prússia (o reino que liderou a unificação da Alemanha no século 19). Apenas isso já seria suficiente para ligar a igreja ao passado militarista prussiano e o nacionalismo alemão.

Mas a construção também foi palco do infame "Dia de Potsdam", uma cerimônia cuidadosamente coreografada em março de 1933, que ocorreu semanas após Adolf Hitler assumir a liderança do governo alemão, e que foi encarada à época como um "casamento" simbólico entre a velha aristocracia prussiana e os recém-chegados nazistas.

Debates sobre a reconstrução da igreja começaram a ganhar força nos anos 1990, após a Reunificação da Alemanha, com a coleta de doações e o apoio do ramo protestante local da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD).

Pintura de 1827 que mostra a Igreja da Guarnição originalFoto: picture alliance/akg-images

No entanto, conforme o projeto avançou, especialmente nos anos 2010, críticas à reconstrução também começaram a ficar mais barulhentas. O custo de 42 milhões de euros (R$ 260 milhões), apenas para a reconstrução da torre e que foi bancado em grande parte pelo governo federal alemão, também levantou questionamentos.

Os promotores do projeto, por outro lado, defenderam a reconstrução argumentando que a destruição da igreja deixou um vazio na paisagem histórica da cidade, além de ter sido muito criticada à época, até mesmo entre as autoridades comunistas locais. 

Hitler e Paul von Hindenburg no "Dia de Potsdam", em 1933Foto: akg-images/picture alliance

"Esse lugar nos desafia"

Em seu discurso nesta quinta-feira, o presidente Steinmeier não tentou abafar o fardo histórico da igreja, e disse que a inauguração da torre ofereceu uma oportunidade para refletir sobre o passado complicado do país em meio a uma onda de violência política e aumento de crimes associados à extrema direita.

"O caminho para a reconstrução foi longo, complicado e continua sendo controverso. Não é de se admirar que tenhamos enfrentado e ainda enfrentamos dificuldades. Porque esse lugar nos desafia. Ele nos confronta com sua história, ou melhor, com a nossa história", disse. "Aqui nos deparamos com episódios dolorosos e desastrosos do nosso passado – sim, episódios em que nós, alemães, escolhemos o caminho errado", disse Steinmeier na cerimônia.

Ao mencionar o "Dia de Postdam", o presidente afirmou que o local "tornou-se um símbolo de uma aliança entre a tradição conservadora e o nazismo, uma aliança que acabou selando o fim da primeira democracia alemã", em referência à antiga República de Weimar, a breve experiência democrática alemã que precedeu a tomada do poder pelos nazistas.

No chamado "Dia de Potsdam", em 21 de março de 1933, Hitler, que havia sido recém-nomeado chanceler da Alemanha, apertou publicamente a mão do então presidente e ex-marechal, Paul von Hindenburg, no interior da igreja. Do lado de fora, homens da polícia prussiana e soldados do Exército alemão marcharam ao lado de membros de grupos paramilitares nazistas, numa demonstração da fusão em andamento entre partido e Estado.

Para os nazistas, que ainda buscavam consolidar seu poder, a cerimônia foi um golpe publicitário para tentar posicionar Hitler como um suposto herdeiro dos antigos reis baseados em Potsdam, cidade que por séculos foi uma espécie de "Versalhes prussiana".

O presidente Steinmeier durante a inauguração da nova torre da GuarniçãoFoto: Christoph Soeder/dpa/picture alliance

Mas, apesar desse passado, Steinmeier também avaliou que a reconstrução, assim como os debates que precederam a obra, oferecem uma nova oportunidade para a cultura da memória na Alemanha.

"Um lugar que não existe mais não tornaria a lembrança crítica mais fácil (...)  A nova Igreja da Guarnição não é um lugar para a adoração do militarismo, do nacionalismo e do autoritarismo. Pelo contrário: a nova igreja nos lembra do desastre que a histeria nacionalista, a loucura racista e a política de conquista trouxeram à Alemanha e à Europa", declarou.

"A nova Igreja da Guarnição pode ser um lugar onde podemos desenvolver uma consciência dos contextos históricos e das interpretações da história e examinarmos criticamente a história da Prússia e da Alemanha. E mais: também podemos pensar sobre como lidamos com a história a partir daqui."

Protestos e debate

Mas nem todos foram convencidos pelas palavras de Steinmeier. "Acho que uma atração turística relacionada a essa história problemática não é de bom tom", disse Sarah Krieg, membro do movimento "Potsdam sem Igreja da Guarnição". À emissora rbb, ela afirmou ainda que a igreja representa "o militarismo, o nacionalismo, a aliança profana entre igreja, Estado e Exército e uma Potsdam reacionária na qual eu não quero viver".

Algumas dezenas de manifestantes chegaram a protestar em frente à nova torre, de 57 metros, enquanto ocorria a cerimônia com o presidente Steinmeier.

O prefeito de Potsdam, o social-democrata Mike Schubert, por outro lado, saudou a reconstrução. "Não é um lugar que possa ser visto sem críticas, mas também é um lugar que pertence à nossa cidade e com o qual devemos nos envolver", disse.

O debate ainda deve perdurar, já que a reconstrução inaugurada nesta quinta-feira envolveu apenas a torre – e apenas parcialmente. Os promotores da reconstrução ainda esperam instalar um novo campanário no topo da torre, que, com seus metros extras, vai finalmente devolver à Igreja da Guarnição o título de marco mais alto de Potsdam, um recorde que se manteve por mais de 200 anos.

Já os planos para a reconstrução da nave (a parte central) da antiga igreja são mais nebulosos, tanto pelos custos quanto pela vontade política.

Protesto contra a reconstrução da Igreja da GuarniçãoFoto: Christoph Soeder/dpa/picture alliance

Coexistência

A reconstrução da nave teria que envolver a demolição de um antigo centro de dados do regime da Alemanha Oriental, que foi construído no local nos anos 1970. Esta construção tem pouco valor arquitetônico, mas a presença de um notável mosaico em estilo realismo socialista instalado nas paredes do térreo, chamado O Homem Conquista o Cosmos, acabou salvando o local da demolição até o momento. Hoje, a construção é usada por artistas locais.

Parte do mosaico no antigo centro de dados ao lado da nova torre da GuarniçãoFoto: Andreas Metz

No seu discurso, Steinmeier defendeu que o antigo centro de dados e a torre reconstruída da igreja convivam lado a lado.

"Na paisagem urbana, o conjunto da torre reconstruída e o centro de dados adjacente da época da Alemanha Oriental mostra as ambivalências que devem ser permitidas. Assim como a reconstrução da torre foi e continua sendo legítima e acrescenta algo de bom à cidade, acredito que o centro de dados também deva ser preservado. Os dois edifícios precisam encontrar uma maneira de coexistir. Essa coexistência será tensa, mas pode unir novamente a cidade no confronto com seus diferentes passados. Espero que essa área encontre um futuro de diálogo, com uma mente aberta para toda a nossa história."