Presidente argentino busca investimentos na Europa
Diego Zúñiga (md)4 de julho de 2016
Quase sete meses após assumir governo, Mauricio Macri visita Bruxelas e Berlim e prossegue com os esforços para recolocar seu país no mercado internacional. Analistas afirmam que ele está no rumo certo.
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Quase sete meses após assumir o governo da Argentina, o presidente Mauricio Macri visita a Europa. Ele estará em Bruxelas nesta segunda-feira (04/07) e em Berlim nesta terça. Além de laços mais estreitos com a União Europeia (UE), o chefe de Estado tenta reposicionar seu país no mercado internacional. Para isso, além de se reunir com representantes da Comissão Europeia e com a chanceler federal alemã, Angela Merkel, Macri terá reuniões com executivos da Mercedes-Benz, Siemens e Volkswagen.
É um sinal tangível de que, pelo menos na esfera econômica, a mudança de inquilino na Casa Rosada é claramente perceptível. "É difícil pedir ainda mais agilidade às medidas rápidas e bem-sucedidas tomadas pelo governo argentino. Elas tiveram uma receptividade muito positiva no mundo", elogiou Ignacio Salafranca, embaixador da União Europeia em Buenos Aires, em conversa com o jornal La Nacion.
A mesma opinião tem Olaf Jacob, diretor do escritório na Argentina da Fundação Konrad Adenauer, vinculada ao partido conservador alemão União Democrata Cristã (CDU). "Tem havido uma mudança importante, que se reflete em muitos âmbitos: o acordo com os credores internacionais, a liberalização da taxa de câmbio, a eliminação de alguns impostos excessivos à exportação de produtos agrícolas e vários subsídios a tarifas de serviços públicos", diz o especialista.
O drama das cifras
Mas alguns acham que é cedo para cantar vitória. A economia da Argentina encolheu 0,7% no período entre janeiro e março, em comparação com o último trimestre de 2015, de modo que o país está tecnicamente em recessão. Essa é a má notícia. A boa notícia é que os analistas esperavam uma queda de 1,3% e, em comparação com o primeiro trimestre de 2015, os números mostram um aumento de 0,5%.
Macri tem uma série de desafios pela frente, que são prejudicados por um cenário econômico internacional adverso, com o Brasil em recessão e o desaquecimento dos mercados. "O maior desafio para o novo governo é o combate à alta inflação e a reorganização do orçamento. Isso não é fácil, porque para controlar o deficit fiscal são necessárias não só medidas de austeridade, como também a eliminação de subsídios. Isso tornará mais caros serviços como eletricidade, gás, água e transportes, o que contribuirá para o aumento de preços", afirma Heinz Mewes, ex-economista chefe do Dresdner Bank para a América Latina.
A inflação é motivo de preocupação. Durante o governo da ex-presidente Cristina Kirchner, o custo de vida subiu cerca de 140%, de acordo com números oficiais, embora estudos independentes mencionem um aumento de até 494%. A diferença levantou dúvidas sobre a idoneidade do Instituto de Estatística e Censos (Indec). Mewes afirma que esta é uma outra questão que Macri tem para resolver. "É necessário reorganizar esse instituto de estatísticas, que no passado nem sempre entregou dados corretos", diz.
Reinserção internacional
A turnê de Macri pela Europa também mostra uma mudança de eixo nas relações internacionais. Durante o mandato de Cristina Kirchner, a Argentina esteve voltada para melhorar suas relações com a China, assinando acordos de milhões de dólares para a construção de infraestrutura.
"Não há dúvida de que o governo Macri buscará formas de se aproximar da Aliança do Pacífico e, eventualmente, de se tornar um membro dela. A Argentina se tornou recentemente "país-observador" desse grupo e vai aprofundar ainda mais as relações com os países-membros da aliança", prevê Jacob.
O objetivo do governo argentino é diversificar e ampliar a plataforma de mercados globais aos quais o país tem acesso, de modo a abrir as fronteiras e chamar a atenção dos investidores. "O governo Macri deve melhorar a imagem do país internacionalmente, após os escândalos de corrupção do governo anterior, e tornar a Argentina novamente um lugar interessante para investidores", afirma Mewes, acrescentando que a viagem à Europa faz parte dessa meta.
"A Argentina quer diversificar suas relações internacionais, ou seja, continuar as relações com a China e, simultaneamente, intensificar as relações com a UE e com os Estados Unidos e a América Latina. A Argentina volta a ocupar o papel importante que deve assumir no ambiente regional e internacional", destaca Jacob.
"O novo rumo econômico, favorável ao mercado, permitirá a entrada de novos investimentos. Depois de um longo tempo sob os Kirchner, finalmente as perspectivas argentinas melhoraram consideravelmente", diz Mewes.
O fim da era Cristina Kirchner
Após 12 anos de kirchnerismo, a Argentina elege um novo presidente. Relembre a trajetória de Cristina Fernández de Kirchner, que deixa tanto problemas econômicos quanto avanços sociais como herança de seu governo.
Foto: Getty Images/AFP/F. Monteforte
Cristina Fernández, "relato" e dramaturgia
Em oito anos de governo, Cristina se destacou por seu estilo e a tendência ao drama – foi acusada, inclusive, de criar um "relato" próprio da realidade da Argentina. Neste ano, ela deixa a Casa Rosada, e a era Kirchner chega ao fim. Com uma maioria kirchnerista no Congresso, porém, Cristina promete seguir influenciando a vida política do país.
Foto: Getty Images/A.Pagni
A sucessora de Néstor Kirchner
Cristina começou sua carreira política em 1989, como deputada pela província de Santa Cruz. Conheceu Néstor Kirchner durante a militância peronista, em 1974, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele foi presidente da Argentina de 2003 a 2007, ano em que a mulher ganhou as eleições para sucedê-lo. A morte de Néstor, em 27 de outubro de 2010, foi um duro golpe para Cristina e seus dois filhos.
Foto: D. Garcia/AFP/Getty Images
Laços estreitos com o Mercosul
Na foto, Cristina e o presidente da Bolívia, Evo Morales, vestem trajes típicos bolivianos durante uma cerimônia na Casa Rosada, sede da presidência em Buenos Aires. Ela sempre defendeu laços estreitos com os países vizinhos. Em 2013, anunciou que aceleraria "a reconstituição do Mercosul" e, no mesmo ano, disse que a espionagem dos EUA sobre o Brasil afetava a "dignidade" de toda a América do Sul.
Foto: Reuters/M. Brindicci
A reeleição
Em 2011, Cristina foi reeleita presidente da Argentina com 54,11% dos votos. Na foto, ela posa entre os dois filhos, Máximo e Florencia, em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, após tomar posse. Atualmente candidato a deputado, Máximo está sendo investigado sob suspeita de manter contas secretas nos Estados Unidos e Irã. Ele nega as acusações.
Foto: picture-alliance/dpa/C. de Luca
Um vice em apuros
Amado Boudou, então ministro da Economia, foi nomeado vice-presidente no segundo mandato de Cristina. A escolha foi mais tarde criticada, principalmente pelas polêmicas acusações que emergiram contra ele. O escândalo político conhecido como Ciccone, por exemplo, ligou Boudou à compra de uma falida empresa monopolista a fim de operar com o Estado na impressão de notas e documentos fiscais.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Goya
A luta contra o "Clarín"
O debate sobre a concentração da mídia segue aberto na Argentina. Cristina Kirchner travou uma longa batalha contra o grupo argentino "Clarín", acusando-o de monopólio midiático. Ao mesmo tempo, foi criticada por estimular a criação de um grupo de "veículos viciados no governo", segundo apontou, em entrevista à DW, a jornalista Laura di Marco, autora de uma biografia não autorizada da presidente.
Foto: picture alliance/dpa Fotografia
Direitos humanos
Cristina deu continuidade às políticas de direitos humanos de Néstor: aprovou leis acerca do casamento gay e da transexualidade e apoiou a busca por crianças desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Na foto, ela conversa com Estela de Carlotto, presidente da organização Abuelas de Plaza de Mayo. Seu neto, Guido, recuperou a verdadeira identidade ao ser encontrado em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
Discurso em rede nacional
A presidente está acostumada a falar em rede nacional – algo aplaudido por seus seguidores e criticado pela oposição. Ao se dirigir ao público, Cristina mantém um estilo sempre muito pessoal e, para muitos, carismático. "O kirchnerismo trouxe independência à Argentina", disse ela em um de seus discursos, em julho de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/L. La Valle
Falta de transparência
Em junho de 2015, Cristina enviou ao Congresso um projeto de lei para que alguns programas sociais sejam ajustados de tempos em tempos. Entre eles está o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol), equivalente ao Bolsa Família. Esses avanços na área social, porém, acabam sendo ofuscados pela falta de transparência com os índices de pobreza, a alta inflação e o déficit fiscal.
Foto: Reuters/E. Marcarian
Argentina versus "fundos abutres"
A batalha contra os chamados "fundos abutres" segue no país. Em setembro de 2015, a ONU aprovou uma resolução, recomendada pela Argentina, que propõe a criação de um marco legal para a reestruturação da dívida soberana. O ministro da Economia, Axel Kicillof (dir.), comemorou a decisão como "um passo fundamental".
Foto: Leo La Valle/AFP/Getty Images
Cristina, papa e "Estado Islâmico"
Em setembro de 2014, o papa Francisco recebeu Cristina, sua compatriota, no Vaticano. Após um encontro privado com o pontífice, a presidente revelou ter sofrido ameaças do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) por conta de sua posição diplomática diante dos conflitos no Oriente Médio – ela é favorável à existência de dois Estados: o da Palestina e o de Israel.
Foto: picture-alliance/dpa
Incentivo à cultura
Em nível nacional, o governo Cristina Kirchner deu um impulso importante à realização de eventos culturais e artísticos, mas com um estilo claramente personalista. Na foto, a presidente argentina participa da inauguração do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, em maio de 2015. Na ocasião, ela classificou o local como o "mais importante centro cultural da América Latina".
Foto: Reuters/Argentine Presidency
Duas cirurgias
Em seu segundo mandato como presidente da Argentina, Cristina foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos sérios: um para remover um tumor na tireoide, em janeiro de 2012, e outro para drenar um hematoma cerebral, em outubro de 2013. Ela teve boa recuperação em ambos os casos, mas precisou ficar afastada do trabalho por um curto período de tempo.
Foto: picture-alliance/dpa
Negócios com a Rússia
Cristina se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em abril de 2015, e do encontro pode ter saído muito mais que os acordos energéticos e econômicos firmados. Em ano eleitoral na Argentina, o gesto chegou a ser interpretado como um esforço da presidente para afastar o país de seu tradicional alinhamento com os Estados Unidos e a União Europeia e estimular uma aproximação com os Brics.
Foto: Reuters/A. Nemenov
Caso Nisman choca o país
A morte do promotor Alberto Nisman abalou a sociedade argentina e continua sem esclarecimento perante a Justiça. Ele foi encontrado morto em casa em 18 de janeiro de 2015, dias antes de divulgar um relatório polêmico contra a presidente. Nisman acusaria Cristina de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país: o atentado a bomba à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Pisarenko
Sucessor da era Kirchner?
Daniel Scioli, da coligação Frente para a Vitória, é o candidato à presidência argentina capaz de dar continuidade ao programa político do kirchnerismo. Segundo especialistas, o governo deixa como herança para o próximo presidente graves problemas econômicos e estruturais, mas também avanços sociais e um aumento no nível de consumo da população.
Foto: Reuters/A.Marcarian
Adeus à figura que polariza
Com seu estilo autoritário e maternal, Cristina Kirchner polarizou a sociedade argentina. Esteve cercada de acusações de corrupção, e a insegurança jurídica cresceu durante seu governo. Por outro lado, deu impulso à cultura e aos direitos civis. Ao dizer adeus, Cristina deixa um legado complexo à próxima administração, e é improvável que se afaste totalmente da agenda política do país.