Em sua fala na Assembleia Geral, Hassan Rouhani descreve palavras de líder americano sobre Teerã como ignorantes, absurdas e não dignas das Nações Unidas. Líder descarta renegociação de acordo nuclear com os EUA.
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O presidente iraniano, Hassan Rouhani, usou seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas nesta quarta-feira (20/09) para rebater as críticas do presidente americano, Donald Trump, contra Teerã e o acordo nuclear feito em 2015 pelos Estados Unidos e outras potências com seu país.
Em discurso na véspera perante a mesma assembleia, Trump chamou de vergonhoso o acordo nuclear, firmado pelo ex-presidente Barack Obama, e disse que seu governo pode abandoná-lo se suspeitar que ele "proporciona cobertura para eventual construção de um programa nuclear".
"Francamente, esse acordo é uma vergonha para os Estados Unidos, e não acredito que os senhores tenham ouvido a minha última palavra a respeito", declarou Trump nesta terça-feira.
O líder americano ainda pediu para que o Irã pare de "financiar o terrorismo", além de definir o país como uma "ditadura corrupta" que tenta desestabilizar o Oriente Médio. No dia seguinte, Rouhani também usou o termo "corrupto" para se referir a Trump, aparentemente de forma proposital.
"Seria uma grande pena se esse acordo [nuclear] fosse destruído por corruptos recém-chegados ao mundo político. O mundo perderia uma grande oportunidade", afirmou o iraniano em seu discurso na ONU nesta quarta-feira.
Rouhani destacou que o futuro do acordo, assinado ainda por outras cinco potências mundiais, não pode ser decidido por "um ou dois países". "Ao violar seus compromissos internacionais, a nova gestão americana só destrói sua própria credibilidade e mina a confiança internacional em negociar com o país ou aceitar sua palavra ou promessa", acrescentou.
Em resposta à sugestão de Trump sobre um programa nuclear, o líder iraniano afirmou que seu país nunca pretendeu obter armas atômicas e que suas capacidades militares, incluindo os mísseis, têm objetivo puramente defensivo. Além disso, atacou os EUA por promoverem "instabilidade" e "violência extremista" no Oriente Médio com suas intervenções.
"O governo dos Estados Unidos deveria explicar a seus cidadãos por que, após gastar milhões de dólares, em vez de contribuir para paz e a estabilidade só trouxe guerra, miséria, pobreza e um aumento do terrorismo e do extremismo à região", afirmou ele.
Rouhani, por fim, rechaçou o teor agressivo do discurso de Trump perante a assembleia das Nações Unidas, descrevendo as palavras do presidente como "ignorantes, absurdas e cheias de ódio". As "acusações ridículas e sem fundamento" do republicano não são dignas da ONU, acrescentou.
"Nunca ameaçamos ninguém, mas também não toleramos ameaças", alertou o presidente iraniano, afirmando que seu país responderá "de forma decisiva e resoluta" se os EUA decidirem deixar o acordo nuclear.
Mais tarde, em conversa com jornalistas após seu discurso nas Nações Unidas, Rouhani descartou a possibilidade de renegociar o pacto com Washington. "Na minha opinião, não é realista." Na véspera, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, havia afirmado que seu país buscará renegociar o acordo multilateral e espera contar com o apoio dos seus aliados para isso.
"Esse acordo não é algo que você pode tocar. Se você tira um simples tijolo, o prédio inteiro desaba", afirmou o líder do Irã, acrescentando que seu governo conta com "várias opções" caso Trump decida mesmo voltar atrás no acordo.
O pacto foi assinado em julho de 2015, em Viena, entre o Irã e o chamado Grupo P5+1 (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China, França e Alemanha), após 12 anos de difíceis negociações. O acordo amenizou as sanções internacionais contra o Irã em troca de restrições ao programa nuclear do país.
EK/afp/rtr/lusa/efe/ots
Da energia à bomba nuclear
O Irã afirma que seu programa nuclear é exclusivamente para uso civil. No entanto, há muita semelhança entre a tecnologia nuclear para fins civis e a que tem objetivos militares.
Foto: aeoi.org.ir
Intenções obscuras
Há anos, o Irã amplia seus conhecimentos em tecnologia nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) está segura de que o país trabalhou em armas nucleares pelo menos até 2010.
Foto: aeoi.org.ir
Querer não é poder
Sem dúvida, a construção de uma arma nuclear com um sistema de transporte confiável impõe consideráveis desafios ao país. De forma simplificada, isso envolve cinco passos:
Foto: picture-alliance/dpa
Primeiro passo: obtenção da matéria-prima
Para fabricar uma bomba atômica, é necessário urânio altamente enriquecido ou plutônio quase puro. O Irã possui urânio suficiente, e o metal é extraído também para a indústria nuclear civil, como na minas de Saghand.
Foto: PD
Segundo passo: enriquecimento
Para seu enriquecimento, o urânio é concentrado em centrífugas de gás especiais, para facilitar a fissão. Para armas nucleares, é necessário um enriquecimento de 80%. Até novembro de 2012, o Irã alcançou oficialmente 20%. Mas após um acordo, a AIEA confirmou, em meados de 2013, que o país deixou de enriquecer urânio acima de 5% de pureza - nível suficiente para produzir energia.
Foto: picture-alliance/dpa
Terceiro passo: a ogiva
Ter urânio altamente enriquecido não basta. Para fabricar uma ogiva nuclear explosiva, os técnicos devem primeiro dar forma ao material puro e conseguir uma reação em cadeia através de um impulso controlado. Não se sabe até que ponto o Irã domina essas técnicas.
Foto: picture-alliance/dpa
Quarto passo: o detonador
A tecnologia para o detonador de uma arma nuclear é semelhante à de uma arma convencional. O Irã domina esse conhecimento. Além disso, cientistas iranianos realizaram extensos cálculos baseados em modelos e experimentos, simulando as propriedades de um detonador. Isso está comprovado por publicações das universidades Shahid Behesti e Amir Kabir.
Foto: AFP/Getty Images
Quinto passo: transporte
O Irã possui um sistema de transporte para armas nucleares. O míssil de médio alcance Shahab 3 é uma variante iraniana do Nodong-1, da Coreia do Norte. Ele alcança uma distância de 2 mil quilômetros e pode assim atingir alvos em Israel, a partir do Irã.
Foto: picture-alliance/dpa
A vontade de construir uma bomba
Sem controle, é difícil distinguir um programa nuclear civil de um militar, pois os recursos técnicos necessários são basicamente os mesmos. Precisa-se de centrífugas tanto na tecnologia nuclear civil quanto na militar. Se o Irã estará apto a fabricar uma bomba atômica e se vai realmente colocar isso em prática, depende decisivamente da vontade de quem está no poder.
Foto: dapd
Sem diálogo com Ahmadinejad
Após o programa nuclear do Irã ser descoberto, em 2002, os EUA e os aliados europeus pressionaram o país a suspender o enriquecimento de urânio. Mas a eleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, interrompeu qualquer avanço nas negociações. Nos oito anos de seu governo, o número de centrífugas para o enriquecimento de urânio foi ampliado de 100 para 19 mil.
Foto: picture-alliance/dpa
Declínio econômico força Irã a negociar
Somente após a eleição do presidente Hassan Rohani, em agosto de 2013, o processo de negociações voltou a funcionar. O chefe de governo iraniano – na foto com o diretor geral da AIEA, Yukuya Amano – insta a um acordo, porque ele quer a suspensão das sanções econômicas que assolam o país há mais de uma década. As negociações diplomáticas, porém, durariam mais dois anos.
Foto: picture-alliance/dpa
"Novo capítulo"
Em 14 de julho de 2015, o Irã fechou um acordo histórico com as potências do grupo P5+1 (Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha). Enquanto a República Islâmica garante não produzir bomba nuclear, EUA e União Europeia prometem aliviar as sanções que têm afetado as exportações de petróleo e a economia iraniana. UE vê decisão como um "novo capítulo nas relações internacionais".
Foto: Reuters/L. Foeger
Parlamento aprova acordo
O acordo foi aprovado pelo Parlamento do Irã em 13 de outubro de 2015, efetivamente encerrando o debate entre os legisladores do país sobre o tratado e, assim, abrindo caminho para sua implementação formal. Líderes afirmam que as inspeções internacionais precisam ser aprovadas pelo Conselho dos Guardiões da Constituição. Já as sanções devem ser suspensas no final do ano ou até janeiro de 2016.