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Desafios de Ouattara

12 de abril de 2011

Jean-Marie Fardeau, da Human Rights Watch, disse em entrevista à DW que Ouattara deverá reiterar ordens de investigações imparciais sobre massacres no oeste da Costa do Marfim. Desafio é criar atmosfera de cooperação.

Alassane Ouattara, presidente marfinense reconhecido internacionalmenteFoto: AP

A organização internacional de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch publicou no último sábado (9/4) um relatório sobre abusos cometidos durante conflitos entre forças leais ao presidente eleito Alassane Ouattara, reconhecido pela comunidade internacional, e aquelas que apoiam Laurent Gbagbo.

Missão francesa na Costa do Marfim; tanto a Licorne quanto a ONU apoiaram forças pró-OuattaraFoto: picture alliance / dpa

O presidente cessante não aceitou resultados do segundo turno de novembro passado e a Costa do Marfim acabou mergulhada em violências pós-eleitorais que opuseram os dois campos. Gbagbo foi preso nesta segunda-feira (11/4). Leia abaixo a íntegra da entrevista com Jean-Marie Fardeau, observador junto à Human Rights Watch.

Deutsche Welle: Como o senhor viu a prisão do presidente cessante da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo?

Jean-Marie Fardeau: A detenção de Laurent Gbagbo no Hotel Golf é agora um desafio para o presidente Ouattara – um desafio político, mas também um desafio para a Costa do Marfim. Esperamos que ele seja tratado de maneira humana e que ele tenha direito a um julgamento de acordo com as leis internacionais vigentes.

O senhor diz isso porque foram as forças pró-Ouattara que prenderam Laurent Gbagbo?

Obviamente existe um risco para Laurent Gbagbo, para a esposa dele, para a família, os ministros do governo e todos os prisioneiros que foram feitos na segunda-feira (11/4) e que estão no Hotel Golf, sendo maltratados.

Pedimos ao presidente Ouattara para dar ordens muito claras, como ele já fez há alguns dias, mas acho bom que ele repita [as ordens] de tratar essas pessoas de maneira humana e em acordo com as regras do direito interno marfinense e do direito internacional.

A Human Rights Watch publicou um documento dizendo que as forças pró-Ouattara mataram e violaram civis durante a ofensiva das últimas semanas para conquistar a maior parte do país, e para legitimar o poder de Ouattara. Ele foi eleito presidente em 28 de novembro do ano passado e reconhecido pelas Nações Unidas e por grande parte da comunidade internacional. Que legitimidade tem um presidente eleito que, alegadamente, manda matar civis que apoiam o próprio rival?

A pesquisa da HRW foi feita no início de abril, e trata da região oeste da Costa do Marfim, em particular na região de Duékoué e de Guiglo. São as duas cidades mais importantes da região. Demonstramos que, de um lado, as forças leais a Gbagbo cometeram crimes quando eles fugiram daquela zona.

Eles mataram mais de cem pessoas, incluindo migrantes do Burkina Faso e do Mali que trabalhavam nas plantações de cacau. As forças pró-Ouattara mataram centenas de pessoas, estupraram mulheres, mataram pessoas idosas, tomaram crianças para transformá-las em soldados… então são crimes de violação do direito internacional, e é verdade que isso coloca em questão a responsabilidade do campo de Ouattara. Demonstramos [também] que forças militares de Ouattara estavam presentes na hora dos massacres. Então é preciso saber quem deu as ordens, quem permitiu esses massacres.

Para nós, ainda não é possível dizer se Ouattara ou [o primeiro-ministro dele, Guillaume] Soro [que também é chefe da armada leal ao presidente reconhecido internacionalmente] deram ordens. Por isso, pedimos uma investigação independente e imparcial para procurar os responsáveis políticos desses crimes. Se for verdade, se for demonstrado que coronéis ou comandantes das Forças Republicanas da Costa do Marfim, pró-Ouattara, participaram desses massacres, é preciso saber até onde vai a responsabilidade na pirâmide, na linha de comando do Exército.

Como o senhor acha que a questão da etnia influenciou a ação das forças leais a Alassane Ouattara?

Nossa pesquisa mostra que, infelizmente, durante os massacres que aconteceram em março deste ano, e talvez em abril, houve vários crimes cometidos com base da origem étnica das pessoas.

A etnia Guéré, que mora no oeste da Costa do Marfim, foi alvo dos massacres cometidos pelas forças pró-Ouattara. Também as forças leais a Gbagbo mataram pessoas, mas que não eram da etnia Guéré, dominante na região e que ficou muito tempo ao lado de Gbagbo e votou nele.

Existe uma leitura étnica, mas sobretudo uma leitura política de um exército que queria alcançar [a capital econômica do país], Abidjan, o mais rápido possível, e que cometeu massacres durante a reconquista [da Costa do Marfim].

Com Ouattara no poder, como ele poderá conquistar os apoiantes de Laurent Gbagbo, já que existem mais de 40% dos eleitores que teriam votado a favor do presidente cessante?

É uma questão de reconciliação e de capacidade de Ouattara e do governo dele de criar uma atmosfera de reconciliação e de cooperação. Os países vizinhos (Libéria, Serra Leoa, Cabo Verde, Gana) tiveram eleições com muito pouca diferença nos resultados dos candidatos do segundo turno.

Em Cabo Verde e em Gana, por exemplo, não houve violência pós-eleitoral. É uma questão de capacidade de governar de maneira justa, sem levar em conta as populações que votaram de um lado ou do outro, e fazendo uma política que beneficie a todos.

A HRW teme represálias por parte das forças leais a Laurent Gbagbo?

Na Costa do Marfim, como em todo país, tudo é possível. Não se pode descartar a possibilidade de uma nova rebelião de pessoas fieis a Gbagbo. Tudo é possível.

As represálias dependem, novamente, [da atitude de] Ouattara, da capacidade do Exército marfinense, que vai se recompor, já que provavelmente centenas de policiais leais a Gbagbo se juntaram às forças de Ouattara durante o avanço das forças pró-Ouattara do oeste do país até Abidjan.

Depende da capacidade do Exército e do governo de criar uma situação que não vai permitir represálias do campo de Gbagbo, e que não crie uma situação que permita novas rebeliões.

O senhor acha que Ouattara vai durar no poder?

Não é uma questão que cabe à HRW responder. O mais importante agora é que o governo de Ouattara seja julgado também em função da capacidade dele de lutar contra a impunidade na Costa do Marfim, de implementar uma justiça imparcial e de procurar os responsáveis, qualquer que seja o nível das pessoas que participaram e que deram ordens para os massacres das últimas semanas, mas também para os massacres que aconteceram desde 2002, que foi o início da guerra na Costa do Marfim.

Como vê a postura da comunidade internacional, especialmente os ataques aéreos da missão das Nações Unidas na Costa do Marfim [ONUCI], bem como da missão francesa Licorne no país, seguindo a resolução 1975 do Conselho de Segurança da ONU, e que visava especialmente armamentos pesados no campo de Laurent Gbagbo?

É cedo demais para dizer se a ONU e as forças francesas ligadas à ONU ultrapassaram o mandato dado pelo Conselho de Segurança. Havia um mandato claro de proteger a população civil em Abidjan, no país, e de destruir as armas que poderiam ameaçar a população civil. É cedo demais para dizer se o mandato foi ultrapassado ou não.

Autora: Renate Krieger

Revisão: Roselaine Wandscheer

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