Marina Estarque, de São Paulo28 de novembro de 2015
Medida tem efeito imediato de diminuir a credibilidade do sistema político, mas fortalece as instituições e valores democráticos no longo prazo, dizem especialistas. Com prisão, STF assumiu protagonismo.
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A recente prisão de Delcídio do Amaral (PT) é acontecimento histórico. Pela primeira vez desde a redemocratização, em 1985, um senador em exercício é preso no país. Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, o caso que contou com o apoio do plenário do Senado é um sinal positivo e fortalecedor para a democracia brasileira.
"A prisão mostra que o Estado de Direito vale para todos. E há um sinal positivo também do Senado ao manter a decisão. Diferentemente do que se via, a Casa não agiu de forma corporativa e seguiu a lógica da lei, mesmo que seja contra um colega", disse o cientista político Cláudio Couto, da FGV.
Segundo o professor de ciência política da Unicamp Valeriano Costa, o caso "rompeu uma barreira" e serviu para diminuir a sensação de impunidade. "A população começa a restaurar certo sentido de dignidade", afirmou.
Para Rubens Glezer, advogado e coordenador do projeto Supremo em Pauta, da FGV, a prisão mostra uma mudança de paradigma. "Nós ainda vivemos em uma sociedade com pessoas acima da lei e outras sem as mínimas garantias. É preciso concretizar os valores democráticos", apontou.
Na última quarta-feira (25/11), além do senador, o dono do banco BTG e um dos homens mais ricos do país, André Esteves, foi preso. Ambos são acusados de obstruir as investigações da Operação Lava Jato.
O senador foi gravado prometendo uma mesada de 50 mil reais para que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró não fechasse acordo de delação premiada na investigação da Lava Jato. O dinheiro da mesada seria fornecido por Esteves.
Na conversa, com o filho de Cerveró, o senador se compromete a influenciar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que beneficiariam o ex-diretor com um habeas corpus. Em liberdade, orienta o senador durante a conversa, Cerveró poderia fugir do país. A prisão de Delcídio, autorizada pelo STF, foi mantida pelo Senado por ampla maioria, em uma decisão inédita.
Constituição
Mas nem todos concordam com os efeitos benéficos da prisão. O cientista político Pedro Fassoni, da PUC-SP, acredita que a medida pode ter sido inconstitucional. "O STF abriu um precedente, e não há um consenso entre os juristas sobre o tema. Foi uma questão muito delicada", afirmou.
A constituição estabelece que um parlamentar só pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável. O Supremo argumenta que a ação do senador de atrapalhar as investigações era continuada e, por isso, configuraria um flagrante.
Além disso, o tribunal se apoiou na lei sobre organizações criminosas, de 2013, que permite que as autoridades esperem para realizar o flagrante no momento mais oportuno para obtenção de provas, o que é chamado de ação controlada.
Por fim, o STF considerou a ofensa de Delcídio inafiançável. A Constituição determina como inafiançáveis a tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares contra o Estado democrático e a ordem constitucional.
Entretanto, o Supremo defendeu que, no Código Penal, obstruir as investigações é uma das condições para prisão preventiva, para a qual não cabe fiança. Do ponto de vista de Glezer, essa interpretação do STF foi legítima e não houve excessos. "Essas controvérsias jurídicas são muito comuns", pontuou.
Apesar da posição contrária à prisão, Fassoni acredita que a medida não foi prejudicial à democracia e ao equilíbrio entre os poderes, já que a decisão do STF foi respaldada pelo Senado.
Para Costa, houve uma extensão da atuação do Supremo, mas dentro dos limites da sua atribuição constitucional. "Tanto que não houve uma indignação generalizada. Até mesmo o principal incomodado, que seria o Senado, concordou", disse.
Protagonismo do Supremo
Segundo os especialistas, a prisão mostrou um maior protagonismo do Supremo. A decisão é considerada um marco, mas não necessariamente uma mudança de comportamento.
"Houve, nos últimos vinte anos, um aprendizado institucional gradual e lento que culminou nessa possibilidade. Não foi uma surpresa, temos visto ações semelhantes do STF", afirmou Glezer.
Ele menciona o julgamento do mensalão e, em outubro, a decisão do STF de suspender o trâmite definido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), para um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Casa.
Os especialistas também entendem que certa "judicialização da política" é comum em democracias contemporâneas. "O STF já tem tido um papel importante há bastante tempo, com decisões sobre temas controversos, como união civil, fidelidade partidária, feto anencéfalo, entre outros", disse Couto.
Costa apontou que a operação Lava Jato e o Supremo são atualmente um pólo de poder. "Eles introduzem mudanças e tomam decisões repentinas, que alteram o balanço de forças. E o sistema político está completamente desmoralizado", disse o cientista político.
Ele ressaltou, porém, que essa paralisação do executivo e legislativo é perigosa, pois a democracia se faz no equilíbrio entre os três poderes, em um mecanismo de peso e contrapeso.
"Essa falta de reação pode levar a um grau excepcional de fragilidade e de falta de importância política. É preciso que os dois outros poderes acompanhem esse processo de transformação", disse.
Os envolvidos na Operação Lava Jato
A operação que investiga um megaesquema de corrupção na Petrobras já acusou mais de 200 pessoas, sendo que metade delas foi condenada. Relembre as principais ações penais da Lava Jato e seus envolvidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/N. Antoine
Youssef absolvido
Denúncia: Evasão de 124 mil dólares não declarados, lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e tráfico de 700 kg de cocaína.<br/> Resultado: Dois condenados (René Luiz Pereira e Carlos Habib Chater, dono do posto que deu nome à operação), um absolvido em 1ª instância (o doleiro Alberto Youssef, na foto) e um absolvido em 2ª instância (André Catão).<br/> Data: 21 de outubro de 2014.
Foto: cc-by/Valter Campanato/ABr
Primeira condenação de Youssef e Costa
Denúncia: Lavagem de dinheiro e formação de grupo criminoso organizado. Houve desvio de dinheiro público na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por meio de contratos superfaturados.</br> Resultado: Oito condenados (entre eles, Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, na foto) e dois absolvidos.</br> Data: 22 de abril de 2015.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Youssef e o dinheiro do mensalão
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Os recursos, que ultrapassam 1 milhão de reais, pertenciam ao ex-deputado federal José Janene, morto em 2010, e eram provenientes do esquema do mensalão.</br> Resultado: Quatro condenados: Alberto Youssef, Carlos Habib Chater, Ediel Viana da Silva (funcionário do Posto da Torre) e Carlos Alberto Pereira da Costa (laranja de Youssef).</br> Data: 6 de maio de 2015.
Foto: Reuters
Cerveró é condenado
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Nestor Cerveró (foto), ex-diretor da área Internacional da Petrobras, comprou um apartamento de luxo no Rio de Janeiro – hoje avaliado em 7,5 milhões de reais – com dinheiro de propina da Petrobras.</br> Resultado: Um condenado.</br> Data: 26 de maio de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
A primeira sentença a empreiteiros
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da construtora Camargo Corrêa com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas pela empresa ultrapassam os 50 milhões de reais.</br> Resultado: Seis condenados (entre eles, Youssef, Costa e três ex-dirigentes da Camargo Corrêa) e três absolvidos.</br> Data: 20 de julho de 2015.
Foto: AFP/Getty Images/Y. Chiba
Próximo alvo: executivos da OAS
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da empreiteira OAS com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas somam quase 30 milhões de reais.</br> Resultado: Sete condenados (Youssef, Costa, na foto, e mais cinco executivos ligados à OAS, entre eles, o presidente, José Aldemário Pinheiro Filho).</br> Data: 5 de agosto de 2015.
Foto: picture-alliance/AP/E. Peres
Novo operador: Fernando Baiano
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo pagamento e recebimento de propina em contratos com a Petrobras. As vantagens indevidas superam 50 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (Nestor Cerveró, em sua segunda condenação, o lobista Fernando Baiano e um ex-consultor da Toyo Setal, Júlio Camargo) e um absolvido (Youssef).</br> Data: 17 de agosto de 2015.
Foto: Reuters/S. Moraes
Um petista e mais dois ex-Petrobras
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. As propinas negociadas chegaram a 40 milhões de reais.</br> Resultado: Dez condenados (entre eles, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, na foto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e Alberto Youssef) e um absolvido (Paulo Roberto Costa).</br> Data: 21 de setembro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Villalba Racines
Primeiro político condenado
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 1 milhão de reais, por meio de contratos de publicidade firmados com a Caixa e o Ministério da Saúde.</br> Resultado: Três condenados: o ex-deputado federal André Vargas (foto), o irmão dele, Leon Vargas, e o publicitário Ricardo Hoffmann.</br> Data: 22 de setembro de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
O segundo político
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 11 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (entre eles, o ex-deputado federal Pedro Corrêa, que chegou a receber propina enquanto era julgado na Ação Penal 470, o mensalão, processo em que também foi condenado) e dois absolvidos.</br> Data: 29 de outubro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
Mais empreiteiras na mira
Denúncia: Lobistas, doleiros, ex-diretores da Petrobras e executivos ligados à construtora Andrade Gutierrez (entre eles, o presidente da empresa, Otávio Marques de Azevedo, na foto) foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção, organização criminosa e lavagem de capitais, após envolvimento no esquema da Petrobras.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: Reuters/F. de Holanda TPX Images of the day
Agora, a Odebrecht
Denúncia: Preso desde junho de 2015, Marcelo Odebrecht – então presidente da empreiteira Odebrecht – é acusado de envolvimento com o esquema de corrupção. A empresa pagava propina, que era repassada a funcionários da Petrobras.</br> Resultado: Foi condenado a 19 anos de prisão por crimes como corrupção e organização criminosa.</br> Data: 8 de março de 2016.
Foto: Reuters/E. Castro-Mendivil/Files
Mais uma vez condenado
Denúncia: O ex-ministro José Dirceu passou a ser réu da Lava Jato enquanto cumpria pena pelo mensalão. Ele e outras 14 pessoas foram denunciadas por vários atos de corrupção dentro da Petrobras.</br> Resultado: Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outras dez pessoas também foram condenadas.</br> Data: 18 de maio de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Alves
Outra denúncia contra Odebrecht
Denúncia: Marcelo Odebrecht é reu outra vez, junto a outros executivos do grupo, em processo que investiga irregularidades em oito contratos firmados pela empresa com a Petrobras. Segundo o MPF, as propinas chegaram a 137 milhões de reais.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: picture alliance/ZUMAPRESS.com
Collor acusado de corrupção
Denúncia: O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é acusado de cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, tendo recebido pelo menos 3 milhões de reais em propinas de contratos da Petrobras. Em julho, a Polícia Federal fez buscas em suas propriedades e confiscou três carros de luxo.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: ROBERTO SCHMIDT/AFP/Getty Images
Repasses ao PT
Denúncia: O pecuarista José Carlos Bumlai é acusado de corrupção, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, por fraudes na compra de um navio-sonda pela Petrobras. Em depoimento, confessou ter feito um empréstimo de 12 milhões de reais no Banco Schahin para repassar ao PT. Entre os outros dez réus, estão Cerveró, Vaccari e executivos do Grupo Schahin.</br>Resultado: Denúncia aceita pela Justiça.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A denúncia contra Cunha
Denúncia: O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de receber milhões de reais em propina no esquema de corrupção na Petrobas, que teriam sido depositados em contas em seu nome na Suíça. Ele responde pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réu aguarda julgamento.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Mulher de Cunha também é ré
Denúncia: A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, mulher de Eduardo Cunha, é acusada de esconder, em conta secreta no exterior, valores provenientes do esquema criminoso instalado na diretoria internacional da Petrobras. Ela responde pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.<br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; ré aguarda julgamento.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Lula e Delcídio
Denúncia: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e outras cinco pessoas são acusados de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava Jato ao negociar para impedir que o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró assinasse acordo de delação premiada.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam julgamento.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Ex-ministro e senadora denunciados
Denúncia: A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo (foto), são acusados de pedir e receber propina no valor de 1 milhão de reais oriundos da Petrobras. O montante teria sido usado na campanha de Gleisi ao Senado em 2010.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Lula e o tríplex
Denúncia: O ex-presidente Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter supostamente recebido 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas da construtora OAS. Parte do montante está relacionada a um tríplex no Guarujá. Também são alvos da ação a mulher do petista, Marisa Letícia, e mais seis pessoas.<br> Resultado: Denúncia apresentada pelo MPF, aguarda decisão.