Procuradores da Lava Jato de SP pedem demissão coletiva
3 de setembro de 2020
Em ofício encaminhado à PGR, integrantes da força-tarefa paulista alegam "incompatibilidade insolúvel" com procuradora natural. Pedido ocorre um dia após anúncio de que Dallagnol deixará a coordenação da Lava Jato.
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No dia seguinte ao anúncio de que o procurador Deltan Dallagnol deixaria a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, sete integrantes da força-tarefa em São Paulo apresentaram ao procurador-geral da República, Augusto Aras, um pedido coletivo de desligamento da operação.
No ofício, os integrantes da força-tarefa de São Paulo alegam "incompatibilidades insolúveis" com a procuradora natural dos casos da Lava Jato, Viviane de Oliveira Martinez. Um prazo de transição de algumas semanas deverá ser necessário para efetivar a saída dos integrantes.
"Cumprimentando-o, os membros ora signatários vêm solicitar – pelas razões [...] relativas, em síntese, a incompatibilidade insolúveis com a atuação da procuradora natural dos feitos da referida força-tarefa, Dra. Viviane Oliveira Martinez – seus desligamentos da força-tarefa da Lava Jato de São Paulo, com a consequente revogação de suas respectivas designações", diz trecho do ofício enviado a Aras.
Os sete signatários são os procuradores Guilherme Rocha Göpfert, Thiago Lacerda Nobre, Paloma Alves Ramos, Marília Soares Ferreira Iftim, Paulo Sérgio Ferreira Filho, Yuri Corrêa da Luz e Janice Agostinho Barreto Ascari, a coordenadora da força-tarefa em São Paulo. Um oitavo procurador – Lúcio Mauro Carloni Fleury Curado – já havia pedido previamente seu desligamento por meio de outro ofício.
O grupo estava há meses em rota de colisão com Martinez, que assumiu em março o quinto ofício da procuradoria da República em São Paulo, justamente o braço do Ministério Público responsável pela Operação Lava Jato no estado.
Em outro ofício sobre o pedido de desligamento, encaminhado ao Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF) também nesta quarta-feira, os integrantes da força-tarefa afirmam que a procuradora demonstrou "resistência ao aprofundamento das investigações em curso" e apontaram que o envolvimento dela com os casos da operação "pareceu muito aquém do que se esperaria de um procurador natural".
Martinez deixou Ascari encarregada da coordenação das investigações. Segundo o grupo, a procuradora nunca participou de reuniões ou de audiências judiciais relativas a casos da Lava Jato. Ela inclusive enviou ofícios a Aras pedindo que boa parte das incumbências alocadas à força-tarefa de São Paulo fosse transferida a outras seções da PGR, segundo o ofício dos procuradores. A força-tarefa da Lava Jato pediu a abertura de sindicância para apurar irregularidades na distribuição dos processos em São Paulo.
Eles relataram ainda que Martinez havia solicitado que uma operação que visava o senador José Serra (PSDB-SP) fosse adiada. Serra, que foi governador do estado entre 2007 e 2010, é investigado por suposto recebimento de propinas da Odebrecht nas obras do Rodoanel.
Apesar do pedido de adiamento, Serra chegou a ser denunciado em julho. A denúncia foi aceita pelo juiz Diego Paes Moreira, da sexta Vara Criminal de São Paulo, pouco depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli, ter suspendido a investigação.O juiz decidiu então suspender a ação até nova decisão do STF.
Além das investigações sobre as obras do Rodoanel e de expansão do metrô durante gestões tucanas de Serra e Geraldo Alckmin, a Lava Jato de SP também mira familiares dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (PMDB) – ambos já foram alvos de denúncias.
Alvo de processos disciplinares, Dallagnol comunicou nesta terça-feira que decidiu se afastar da Lava Jato para cuidar de problemas familiares. O procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, que atua no grupo de trabalho da Lava Jato da PGR, assumirá o lugar de Dallagnol.
PV/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.