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Produtividade recua e ameaça recuperação econômica no Brasil

6 de março de 2020

Indicador cai 1% em 2019, marcando a primeira vez que uma retomada econômica não vem acompanhada de alta na produtividade no país. Cenário está ligado a baixo investimento e informalidade no mercado de trabalho.

Pessoas trabalhando em uma fábrica
Desaceleração da economia global impacta produtividade no Brasil, dizem analistasFoto: Arquivo/Agência Brasil/W. Dias

Esta não é apenas a recuperação mais lenta de uma recessão pela qual o país já passou – já se vão 12 trimestres desde o fim da crise –, mas é também a primeira que não vem acompanhada de aumento da produtividade. O indicador recuou 1% em 2019, conforme dados divulgados nesta sexta-feira pelo Observatório da Produtividade do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV). Em 2018, a produtividade havia ficado estagnada, e em 2017, avançado 1,2%.

"Como a produtividade é o fio condutor do crescimento de longo prazo, você tem uma retomada que, além de lenta, pode ser frágil, então o que pode acontecer é uma estagnação muito grande dos salários", afirma Manoel Pires, pesquisador sênior associado da área de Economia Aplicada do IBRE/FGV.

O PIB cresceu 1,1% em 2019, conforme dados do IBGE divulgados nesta semana, menos que em 2018 e em 2017 (1,3%, em cada ano), e foi puxado pelo consumo. "A expansão de consumo via crédito pode lá na frente encontrar um limite por conta de salário estagnado", completa Pires.

O pesquisador explica que a crise dos anos 1980 foi sucedida por quatro anos de ganhos de produtividade do trabalho. E após a crise do governo Fernando Collor, encerrada em 1992, houve seis anos de alta. Desta vez, a história é diferente.

O contexto atual, dizem economistas do IBRE, é resultado de investimento baixo e persistência da informalidade no mercado de trabalho. Em um momento no qual o governo corta investimento público, o investimento deveria vir do setor privado, mas, passados três anos do fim da crise (em 2015 e 2016, o PIB recuou 3,5% e 3,3%, respectivamente), o montante que vem do lado privado não consegue compensar os cortes no lado público.

O investimento cresceu 2,2% no país em 2019, menos que em 2018 (3,9%). No entanto, a queda acumulada nos trimestres de recessão, entre 2014 e 2016, foi de 31%, segundo o IBGE.

Por trás desse nível de investimento baixo, diz o pesquisador do Observatório da Produtividade Fernando Veloso, está a incerteza política. O indicador de incerteza registrou três picos importantes na série histórica: um na eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, um segundo na crise financeira global de 2008, e um terceiro em setembro de 2015, quando o Brasil perdeu grau de investimento (espécie de selo de bom pagador) na classificação de crédito da Standard and Poor's.

"A novidade é que desta vez a incerteza permaneceu em patamar elevado [desde 2015], e isso afeta os investimentos, porque os empresários adiam decisões, como construir um prédio ou comprar uma máquina. Eles só vão fazer isso quando houver segurança da demanda", diz Veloso.

Segundo o pesquisador, entram na conta da instabilidade declarações "destemperadas" do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros. "Tem polêmica o tempo todo, e agora essa briga [do Executivo] com o Congresso. Em circunstâncias normais seria um ruído, mas virou rotina, e de certa forma é quase que uma prática deliberada. Para a economia é péssimo", afirma o pesquisador.

O cenário de embates entre Congresso e Executivo tende a deixar mais turva a perspectiva das reformas administrativa e a tributária, bastante aguardadas pelo setor empresarial. A incerteza faz os empresários adiarem não só investimentos, mas também contratações formais. E em trabalhos informais, a produtividade é menor, já que há em geral menos inovação, tecnologia e escolaridade.

"Você tem uma sociedade que subaproveita um engenheiro na condição de motorista de Uber, embora possa-se até argumentar que é melhor estar ocupado como motorista que desempregado", considera Pires. 

Em 2019, a taxa de informalidade atingiu seu maior nível em três anos, abracando 41% da força de trabalho ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas. Do acréscimo de 1,8 milhão no número de ocupações em 2018, 1 milhão (55% do total) foi de ocupações informais.

Em outros momentos, o índice de informalidade ficou alto até, no máximo, o começo da retomada. O que se observa agora, contudo, é que, passados três anos do final da crise, a taxa não só persiste, mas aumenta.

Outra causa apontada por analistas para a queda da produtividade é o fato de as exportações serem afetadas pela desaceleração da economia global. "Normalmente a economia se recupera exportando mais, que são setores mais eficientes por serem expostos à competição internacional. Mas como a economia mundial tem sofrido muito nos últimos anos, o potencial para expandir por meio do setor exportador é menor", diz Pires.

Produtividade baixa há décadas

Há muito a produtividade brasileira deixa a desejar: não cresce ou cresce muito pouco desde a década de 1980. Entre 1965 e 1980, o índice deu um salto a partir da migração populacional do campo para as cidades, quando houve maior concentração em indústria e serviços.

Hoje, a produtividade brasileira equivale a 25% da dos Estados Unidos. No continente, estavam à frente do Brasil em 2016 Peru, Chile, Uruguai, Argentina e Venezuela, segundo ranking do The Conference Board. 

Nas últimas décadas, o Brasil enriqueceu na esteira da demografia favorável e da formalização do emprego. A produtividade do trabalho foi responsável por apenas 40% do incremento da riqueza gerada no Brasil entre 1990 e 2012, enquanto na China respondeu por 91%, segundo a consultoria McKinsey.

Agora, com o envelhecimento populacional e a taxa de fertilidade mais baixa, o avanço econômico deve depender mais do ganho de produtividade. Há certo consenso entre pesquisadores do tema de que investimento em educação e em inovação são fundamentais para isso. 

Conforme Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, diversos países investiram em educação para melhorar a produtividade e colheram resultados. Segundo uma pesquisa conduzida por ele, no Chile, cada ano de escolaridade gera 3 mil dólares a mais de produtividade por trabalhador; na China, 3,5 mil; e na Malásia, 2,5 mil por série adicional. No Brasil, esse valor é de 200 dólares por série escolar adicional.

O exemplo clássico de inovação no Brasil é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estatal que revolucionou a forma de fazer agropecuária no país. Para Pires, faltam mais políticas públicas como essa para promoção da produtividade.

Bolsonaro ampliou programa da era Dilma

O governo Bolsonaro tem programas pontuais, como o Brasil Mais, que foi lançado ainda no governo Dilma Rousseff, e ampliado neste ano, por meio de um decreto publicado em fevereiro.

Originalmente, o programa, chamado então Brasil Mais Produtivo, oferecia consultoria do chamado Sistema S a pequenas e médias empresas, por um custo baixo, com a promessa de aumento de 20% na produtividade. Os resultados acabaram superando a estimativa: a elevação média da produtividade verificada é de pouco mais de 50% entre as cerca de 3,5 mil empresas atendidas até meados de 2019.

Segundo o Ministério da Economia, o programa agora passará a atender todos os setores da indústria, comércio e serviços, enquanto o Brasil Mais Produtivo atendia apenas quatro cadeias produtivas: metalomecânico; moveleiro; vestuário e calçados; e alimentos e bebidas. A meta de atendimentos é bem maior que as anteriores, de 250 mil empresas até 2022.

Questionado sobre outras ações para melhoria da produtividade, o Ministério da Economia citou uma série de planos, mais relacionados a outro entrave ao crescimento: a competitividade. Trata-se do Plano Simplifica, do Plano Brasil 4.0 e do Plano Emprega, todos com objetivo de eliminar gargalos e melhorar o ambiente de negócios. Além disso, há o Programa de Melhoria Contínua de Competitividade, lançado no final do ano passado. 

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