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Greve dos maquinistas

9 de agosto de 2007

Proibição da greve nacional dos maquinistas gera polêmica sobre direito à greve na Alemanha. País tem poucas paralisações devido à parceria social entre empresas e sindicatos.

Maquinistas paralisam trens suburbanos de Berlim e HamburgoFoto: AP

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Nurembergue, que proibiu nesta quarta-feira (08/08) a anunciada greve nacional dos maquinistas, desencadeou um debate sobre o direito fundamental à greve na Alemanha. Peritos acreditam que o sindicato da categoria conseguirá derrubar o veto, por se tratar de uma decisão inconstitucional.

"Considero a liminar do TRT insustentável do ponto de vista jurídico. O direito de greve está ancorado na Constituição. Ele não pode ser suprimido só porque uma greve tem conseqüências econômicas expressamente previstas pela Constituição", disse o professor de Direito Trabalhista e Econômico, Wolfgang Däubler, ao jornal Berliner Zeitung.

Nanico, mas forte

Os maquinistas pretendiam paralisar o transporte ferroviário de cargas em todo o país nesta quinta-feira durante quatro horas, dando início a uma greve que, num passo seguinte, atingiria também os trens de passageiros. Diante da decisão do TRT, a categoria parou apenas os trens suburbanos de Berlim e Hamburgo, excluídos da liminar obtida na Justiça pela companhia Deutsche Bahn.

O Sindicato dos Maquinistas Alemães (GDL), que conta apenas 34 mil filiados, reiterou seu pedido de 31% de aumento salarial e entrou com recurso contra a liminar. Caso não haja acordo, o conflito ainda pode durar muito tempo e acabar sendo decidido no Tribunal Constitucional Federal.

Não se trata do primeiro sindicato nanico do país que aposta alto no dissídio coletivo. Em 2001, por exemplo, os pilotos afiliados à Associação Cockpit obtiveram 30% de aumento. No ano passado, os médicos conseguiram arrancar até 13% de aumento após três meses de greves. No começo deste ano, os controladores de vôo, que segundo os empregadores ganham 110 mil euros por ano, ganharam 6% de aumento, após uma ameaça de greve.

Reação da mídia

O diário Nürnberger Nachrichten questiona o principal argumento usado pelos juízes para proibir a greve: o de que ela causaria prejuízos desproporcionais e irreparáveis à economia. "Isso permite concluir que greves só são aceitas quando não afetam ninguém. A decisão provoca uma sensação desagradável, porque representa uma intervenção na autonomia tarifária", segundo a qual, os conflitos trabalhistas devem ser resolvidos entre sindicatos e empresas.

Segundo o Süddeutsche Zeitung, de Munique, "qualquer concessão especial da Deutsche Bahn aos maquinistas seria exigida também pelos outros dois sindicatos dos ferroviários. A paz com os maquinistas significaria um novo conflito com os demais empregados", aos quais a empresa acaba de conceder um aumento de 4,5%, após greves de advertência.

Já o jornal sensacionalista Bild, de maior circulação na Europa, aproveita para atacar os trabalhadores. "A decisão judicial deixou claro que os sindicalistas não podem tomar um país como refém e parar a economia."

"Paraíso da paz social"

Apesar da polêmica sobre a greve dos maquinistas, a Alemanha ainda é considerada um "paraíso da paz social". Há anos o país ocupa um dos últimos lugares nas estatísticas de greves da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segundo dados divulgados pela Agência Federal do Trabalho, em Nurembergue, no ano passado, 12,4 dias de trabalho por mil empregados foram perdidos por causa de greves ou bloqueios de fábricas na Alemanha – o maior número desde 1993.

Mas isso ainda é pouco, na comparação de longo prazo com outros países europeus. Entre 1996 e 2006, os conflitos trabalhistas custaram, em média, 2,4 dias de trabalho/ano por mil empregados na Alemanha, enquanto esse valor foi de 144,9 dias na Espanha, 86,6 dias na Itália e de 71,5 dias na França.

Na avaliação de peritos, isso tem a ver com a chamada "parceria social" entre empregadores e sindicatos, com o sistema de co-gestão das empresas, onde sempre se busca o consenso, bem como com a legislação sobre greves e a crise atravessada pela economia alemã nos últimos anos.

Leia mais: A ameaça ao direito de greve na Alemanha

Legislação

Como acontece na maioria dos países europeus, também na Alemanha não há lei de greve. Esse direito é baseado no Artigo 9º, parágrafo 3º da Constituição, que garante o direito à "formação de associações para preservar e fomentar as condições econômicas e de trabalho".

Maquinistas: categoria pequena, mas poderosaFoto: AP

Pela jurisprudência sobre autonomia tarifária e direito à greve, deduzida da Constituição, uma greve só pode ser deflagrada por um sindicato após ser aprovada pela maioria da categoria. No caso dos maquinistas, 95,8% se manifestaram a favor da paralisação. Ela não pode ser deflagrada enquanto vigora um acordo coletivo, durante o qual deve ser preservada a chamada "paz social". O objetivo da greve tem de ser o fechamento de um novo acordo coletivo.

Além disso, o Tribunal Federal do Trabalho decidiu que deve haver "unidade tarifária", isto é, não deve haver mais de um acordo coletivo por empresa e categoria de trabalhadores. A Deutsche Bahn fechou em julho passado um acordo com outros dois sindicatos dos ferroviários (Transnet e GDBA), que não é aceito pelo Sindicato dos Maquinistas Alemães (GDL).

"Greve proporcional"

Por último, segundo a jurisprudência alemã, "a greve tem de ser proporcional", sendo que o termo "proporcional" se refere principalmente ao prejuízo que uma paralisação pode causar à empresa. Esse é o ponto que causa polêmica entre os juristas.

"Uma coisa é clara: uma empresa não deve ser arruinada economicamente através de greves. Isso também não faria sentido para os empregados", explicou Thomas Lobinger, professor de Direito Trabalhista da Universidade de Heidelberg, à revista Spiegel Online.

Os juízes em Nurembergue argumentaram que, "diante das conseqüências irreversíveis, é mais razoável uma restrição ao direito de greve do que possivelmente permitir uma greve ilegal". Na opinião do semanário Die Zeit, "a Justiça alemã nunca foi tão longe. Que valor tem ainda o direito fundamental à greve?"

O jornal lembra que, nos últimos anos, as negociações dos acordos trabalhistas em todos os setores na Alemanha têm sido caracterizadas sobretudo pelo imperativo da eficiência econômica. Os sindicatos teriam admitido cortes antes inimagináveis, com contenção salarial e flexibilização das jornadas, o que teria ajudado a economia alemã a superar a crise.

"A rebelião dos maquinistas contraria essa cultura. A decisão da Justiça enfraquece o sindicato. Espera-se um grito dos parceiros sociais. Não a favor ou contra os maquinistas, mas sim pela autonomia das empresas e dos sindicatos em negociar acordos coletivos", escreve o Die Zeit. "Esse conflito não envolve apenas a Deutsche Bahn e o GDL. Ele atinge os fundamentos da ordem econômica alemã", conclui o Süddeutsche Zeitung. (gh)

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