Projeções de luz colorem favela e Cristo Redentor
16 de maio de 2014A noite começou na favela Santa Marta com um anúncio no alto-falante: “Comunidade, hoje é dia de festa alemã!”. O morro, na zona sul do Rio de Janeiro, recebeu nesta quinta-feira (15/05) as projeções de luz do artista alemão Philipp Geist.
A instalação, que será repetida nesta sexta-feira (16/05), é parte da Temporada Alemanha + Brasil 2013-2014. No início da semana, o artista também apresentou o trabalho no Cristo Redentor.
Durante a noite, os moradores do morto Dona Marta olhavam assombrados enquanto imagens de rostos familiares desfilavam pelas paredes das suas casas. Palavras de esperança, além de fotos do Cristo Redentor, também foram tema das projeções.
“Eu queria pintar a comunidade com cores, de forma abstrata. Eu gosto muito da estrutura arquitetônica da favela, há uma mistura de cores e paredes sem pintura, há um ritmo nas construções”, afirma Geist, que já se apresentou em diversos países e é ganhador do Prêmio Alemão de Desenho de Luz de 2013.
Para realizar a obra, o artista passou uma semana na comunidade, fotografando e conversando com moradores. Por fim, pediu que sugerissem palavras que representassem seus desejos. Com o material, Geist montou a projeção, que levou ao Corcovado e ao morro Dona Marta.
“Foi muito emocionante ver o meu rosto no Cristo e na favela. Estava muito ansioso”, assume José Carlos Pereira, de 47 anos. O morador e guia turístico escolheu a palavra “pacificação”.
Já Verônica Moura, de 29 anos, todos eles vividos no morro, sugeriu “harmonia”. Ela não poupou elogios à instalação: “É chique, é mágico! Ele mostrou a beleza do Santa Marta e fez um evento com a cara da comunidade.”
Para Verônica e José, há poucas opções de lazer e cultura no morro. “Tem só a escola de samba. Às vezes alugam um espaço para dar festas, mas é muito caro, uma vez o ingresso chegou a custar 150 reais”, reclama José. Na “festa alemã”, teve grupo de percussão, cerveja e refrigerante liberados. “Esses eventos gratuitos fazem falta aqui”, diz ele.
Juntar o Cristo e a favela
O artista afirma que projetar o Cristo na favela e os rostos dos moradores no Corcovado foi uma forma de unir os dois lugares, emblemáticos do Rio de Janeiro.
“Eu queria trazer o Cristo para as pessoas pobres da favela. Alguns moradores viveram no Santa Marta a vida toda, olhando para o Cristo lá no alto, distante, e nunca puderam ir visitar, porque é muito caro”, disse.
Essa foi a primeira vez que o artista usou retratos de pessoas em suas instalações. Para ele, isso foi uma forma de tornar visíveis os moradores e os aspectos positivos da favela.
“É uma oportunidade de dizerem algo para os políticos, de forma artística e criativa, não agressiva. Esse é o meu retrato, as minhas palavras, nós estamos aqui. Espero que seja uma ponte entre o ‘oficial’ e a comunidade”, explica.
Geist afirma que se impressionou com os laços entre os moradores. Segundo ele, é um exemplo de que como as pessoas se unem para solucionar seus problemas. “Como há muita necessidade de tudo, eles têm um sentimento forte de comunidade, mais do que em outros lugares”.
Arte na rua
A intenção de Geist era incluir os moradores em seu projeto, tanto na concepção, quanto na recepção final. “Eu não quis fazer a instalação na fachada de um teatro, por exemplo, queria que fosse um lugar que tivesse conexão com as pessoas”.
Para o cônsul-geral adjunto da Alemanha no Rio de Janeiro, Tarmo Dix, a instalação é uma obra de arte aberta: “O projeto trabalha com a integração da favela com a cidade, entre o artista e os moradores. Por isso, transmite ideias democráticas, do diálogo social, valores que a Alemanha queria propor também na Temporada Alemanha + Brasil.”
O coordenador-geral da Temporada, Claudio Struck, ressaltou que a instalação contribui para desconstruir estereótipos sobre a Alemanha. “O povo alemão tem essa imagem de pessoas tensas e não muito alegres. Esse projeto passa o contrário, porque, apesar de trabalhar com palavras fortes, a forma de apresentação é mais leve e divertida”, disse.
A troca com a comunidade durante a criação do projeto também permitiu uma interação entre os moradores e os visitantes alemães. A artesã Andréia Miranda, de 32 anos, diz que faltou tempo para aprender mais sobre o país. “Foi muito rápido, mas descobri que eles são muito sinceros! Eu me identifiquei”, afirma, entusiasmada. “Não tinha ideia nenhuma da Alemanha, mas agora eu tive um contato.”