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Berlim

16 de julho de 2010

Na luta pela atenção dos passantes, anúncios e intervenções artísticas em espaço público trocam táticas. Arte urbana parodia publicidade; propaganda imita graffiti para vender produtos – muitas vezes ilegalmente.

A briga pelo espaço em Berlim é intensaFoto: Candice Novak

Numa estação de metrô de Berlim, um pôster do iPad desperta um certo estranhamento. Acima da inscrição "Celebração de Páscoa", uma jovem loira em topless veste um casaco sensual, com as pernas abertas. Acima da frase "Garden Party", há uma foto de dois besouros se acasalando numa folha, e o ato é repetido por um casal numa ribanceira, acima das palavras "viagem de escalada".

Essas frases inócuas podem ser lidas como etiqueta de álbum de fotos em um anúncio do iPad pregado na estação de metrô Rosenthaler Platz, em Berlim, mas, na verdade, foram feitas por um artista que faz intervenções de rua.

A mistura de territórios e estilos entre dois âmbitos normalmente incompatíveis – publicidade e arte urbana – está provocando uma espécie de "guerra" no centro da capital alemã.

Os olhos humanos estão tão acostumados aos anúncios – seja em forma de spam ou de um pop-up repentino na tela de computador – que nem mais os notam. Mas foi a clássica propaganda impressa, seja em outdoors ou em vitrines de lojas vazias, que se tornou o campo de batalha na disputa pela atenção do público.

O fenômeno não acontece somente na capital alemã; também pode ser observado de Nova York, a meca da propaganda, até o Brasil. No entanto, numa cidade em contínua construção, como Berlim, com suas marcantes fachadas vazias, isso se faz perceber de forma ainda mais intensa.

Parece arte de rua, até se notar o logo da empresaFoto: Candice Novak

Mergulho na guerrilha

A crescente conscientização de como os anúncios afetam o espaço público acabou colaborando para o surgimento de legislações progressistas – outros diriam sufocantes. Em 2007, a quarta cidade mais populosa do planeta, São Paulo, tornou-se o primeiro município fora do mundo comunista a banir praticamente todas as propagandas externas, por meio da Lei Cidade Limpa.

Na época, o prefeito conservador Gilberto Kassab argumentou que a lei pretendia acabar com a poluição visual na cidade. Na Alemanha, alguns municípios seguiram o mesmo caminho, banindo suas "florestas" de outdoors e pôsteres.

Pelo fato de um cidadão comum ser bombardeado por milhares de anúncios durante o dia, "as empresas encaram o desafio de desenvolver propagandas atraentes, a serem ativamente notadas", explicou à Deutsche Welle Stefan Hampel, especialista em propaganda e professor de Marketing da Universidade de Bayreuth.

Para chegar lá, muitos estão recorrendo ao wild posting e a outros métodos não tradicionais de propaganda, entre os quais o chamado marketing de guerrilha. Mas, segundo Hampel, o problema é que, em termos jurídicos, essa guerrilha não é totalmente legal.

Thomas Patalas, diretor da empresa de comunicação Maks, em Mönchengladbach, no oeste da Alemanha, vem notando uma propagação dessa tática nos últimos anos. Os especialistas estimam que o marketing de guerrilha tenha representado 5% a 10% das campanhas publicitárias em 2008.

"Hoje, eu diria que esse número chega a 15% ou 20%. Essa prática foi se propagando gradativamente e, neste meio-tempo, tornou-se um padrão dentro do 'mix' de comunicação das empresas", disse Patalas à Deutsche Welle.

Desde a Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, grandes companhias internacionais, incluindo Nike, Nokia e Sony, passaram a inserir seus anúncios em formato de mural nas fachadas dos edifícios cobertos de grafite.

A propaganda de guerrilha é mais barata, mais exclusiva e estimulante que os anúncios tradicionais, explica Patalas. E os métodos tradicionais já deixaram de funcionam bem. "A confiança nos efeitos promocionais dos anúncios está caindo continuamente", explica ele.

Sempre que a empresa de Patalas desenvolve uma campanha que possa gerar problemas legais, o plano é revisto por juristas. Mas nem todas as agências de publicidade têm o mesmo cuidado.

"Algumas agências que embarcaram no marketing de guerrilha são admiradas por essas ideias que implicam possíveis riscos jurídicos, chegando até a incluir o custo de eventuais danos no orçamento da campanha e a ignorar possíveis prejuízos à sua imagem", argumenta Patalas.

Locais em construção são atrativosFoto: Candice Novak

Ainda chama atenção

A empresa Ogo, que vende um tipo de smartphone para adolescentes, é uma das que já experimentou o marketing de guerrilha – e que saiu impune. Em 2008 e 2009, a Ogo cobria as laterais dos prédios em Berlim com anúncios de seu mascote de três olhos.

"Não queríamos passar a impressão de ser uma empresa. A nossa campanha subversiva, por outro lado, era jovem, imprudente e sexy", explicou à imprensa naquela época Lars Oehlschlaeger, mentor da campanha.

Artistas que fazem intervenções no espaço público não receberam bem a campanha: alguns picharam as figuras com dizeres como "escória de traidores" e "merda". No entanto, como a empresa se comprometera a pagar os proprietários dos edifícios em questão, não houve problemas maiores.

A empresa alimentícia norte-americana Mars não conseguiu escapar tão facilmente. O slogan de sua campanha para o arroz Uncle Ben's, "segunda-feira é dia de arroz", foi pintado com spray em calçadas e estações de metrô das maiores cidades na Alemanha. Mas um dia depois, a empresa foi intimada pelas autoridades a remover os anúncios e pagar multas.

"Os empresários geralmente têm consciência de que suas ações não são totalmente legais. Frequentemente, a alta eficácia e o destaque conquistado na mídia superam as conseqüências jurídicas", avalia Hampel.

Nos últimos anos tem aumentado a tendência de se banirem os pôsteres clandestinos, já que eles continuam a se espalhar por fachadas, postes e outras superfícies vazias – e também pelo fato de as autoridades municipais e os cidadãos estarem se tornando mais cientes de sua ilegalidade.

"O problema é quando o anúncio na Alemanha, ou nos Estados Unidos, infringe direitos de terceiros – como os direitos de propriedade ou de licença", aponta Hampel. Alguns acrescentariam a essa lista os direitos públicos.

Aviso sobre perigo de ilegalidade de anúncios em Nova YorkFoto: Jordan Seiler

Intervenções no espaço urbano

O artista de rua Jordan Seiler, residente em Nova York, minou a atuação de uma empresa que propagava pôsteres clandestinos em 2009, documentando e colaborando para uma iniciativa comunitária chamada New York Street Advertising Takeover (NYSAT). Cerca de 90 cidadãos e artistas participaram da ação, que repintou pôsteres de propaganda colados ilegalmente na cidade. A iniciativa se voltou principalmente contra os anúncios distribuídos pela NPA City Outdoors.

Apesar de a empresa ter contratos com os proprietários dos prédios, os locais não eram registrados na prefeitura, uma regra vigente em Nova York. A NPA City teve que abandonar o lucrativo mercado nova-iorquino devido às denúncias da NYSAT.

Na Alemanha, ainda não houve nenhuma iniciativa semelhante, mas uma ação concertada – embora pouco organizada – já começa a tomar forma em algumas cidades.

Para o artista Roland Brückner, de 27 anos, a proliferação de pôsteres clandestinos de propaganda implica a perda definitiva de superfícies para as manifestações artísticas urbanas. Isso está levando a arte a migrar para espaços tradicionais de propaganda, uma tendência que vem sendo documentada pelo grupo Rebel:Art, de Hamburgo.

Essa pode se considerada uma última tentativa de conquistar para a arte um maior espaço numa paisagem urbana cada vez mais saturada de anúncios legais e ilegais. Os "adendos" aos anúncios tradicionais servem sobretudo de comentário social e político sobre o produto ou sobre a propaganda de forma geral.

"Acabaram as intervenções em espaço público. A onda realmente acabou. Tudo o que se vê agora é motivado por coisas bem diferentes do impulso puramente artístico", diz Brückner.

Ação organizada por Jordan Seiler, em Nova York, contra o uso ilegal de propagandasFoto: Jordan Seiler

Corrida por espaço

"Arte urbana e grafite chegaram ao ponto competir com a mídia comercial", diz Jordan Seiler. Isso levou muitos artistas a sair em busca de locais legítimos para propagar suas mensagens.

Os escandalosos pseudoanúncios do iPad na estação de metrô de Berlim já foram substituídos por novos cartazes, mas nas ruas a batalha continua. "Se você vai colocar mesmo seu trabalho na rua, então por que não fazer um comentário sobre a megaproliferação da mídia comercial ao mesmo tempo em que recupera esse espaço para a comunicação pública?", questiona Seiler.

Autora: Candice Novak (np)
Revisão: Simone Lopes

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