Após mais de cinco meses de impasse político, Merkel chegou a um acordo com social-democratas que lhe possibilitará continuar no poder. No pacto, há algumas pautas inusitadas.
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Líderes da legenda conservadora CDU, da chanceler federal Angela Merkel, e do Partido Social-Democrata assinaram nesta segunda-feira (12/03), em Berlim, um acordo para formar um governo de coalizão, encerrando oficialmente quase seis meses de incerteza política na Alemanha. Os legisladores alemães deverão voltar a eleger Merkel como premiê na quarta-feira (14/03), data em que seus ministros também assumirão oficialmente seus cargos.
Os trabalhos do novo governo deverão se basear no contrato de 177 páginas apresentado no início de fevereiro após a conclusão das negociações formais entre a CDU, seus aliados bávaros da CSU (União Social-Cristã) e os social-democratas. O texto do contrato provisório precisava ser aprovado pelos três partidos para entrar em vigor e para que a Alemanha volte a ter um governo com plenos poderes.
Há duas semanas, a votação da maioria dos filiados do SPD a favor de o partido integrar um governo sob a batuta de Merkel abriu caminho para que a chanceler reedite a chamada "grande coalizão de governo".
A tentativa fracassada de Merkel – cujo partido não conseguiu conquistar a maioria necessária para governar soz, em setembro – de formar um governo com o Partido Liberal-Democrata (FDP) e os ambientalistas do Partido Verde acabou persuadindo os social-democratas a voltarem atrás em sua decisão de ir para a oposição, após perda histórica de apoio político na eleição parlamentar de setembro do ano passado.
Durante as negociações, houve atritos relativos a temas como serviços de saúde e o reagrupamento de famílias de refugiados. O contrato de coalizão assinado nesta segunda limita a mil pessoas por mês o número de refugiados com "estatuto de proteção limitada" a trazerem suas famílias para a Alemanha.
O novo governo, segundo o presidente interino dos social-democratas, Olaf Scholz, "não começou como um casamento por amor", já que conservadores e social-democratas formam legendas "fundamentalmente diferentes". "Mas, apesar disso, são capazes de trabalhar juntos de forma construtiva e governar de forma ordenada", afirmou.
Um dos pontos que ainda causa controvérsia entre os dois partidos, por exemplo, é o da defesa e do desenvolvimento. O acordo de coalizão é vago nesse quesito, comprometendo-se a gastar 2 bilhões de euros adicionais em "responsabilidade internacional" e planos de médio prazo para investir cerca de 9 bilhões de euros a mais no setor. Investimentos em desenvolvimento serão vinculados a gastos com defesa, por exemplo.
Mas, apesar das fricções e críticas de outras legendas, o contrato mostra que os partidos envolvidos também entraram em acordo sobre algumas propostas curiosas, como serviços domésticos financiados pelo Estado e definições sobre a "remoção letal" de lobos no país. Veja abaixo cinco dessas curiosidades:
1. Financiamento de serviços domésticos pelo Estado
CDU, CSU e SPD querem introduzir "ajudas de custo para a reivindicação de serviços domésticos" para mães e pais solteiros ou parentes que cuidam de familiares doentes e/ou idosos. Em outras palavras: o governo poderá ajudar a pagar a limpeza da casa para pessoas que não conseguem fazer esse serviço sozinhos ou que têm restrições de tempo.
2. Proteção das vinícolas alemãs
Boa notícia para os amantes do Riesling alemão: o contrato de coalizão especifica o incentivo ao desenvolvimento sustentável da produção de vinhos, "especialmente em [regiões com] declives e declives acentuados". Além disso, a declaração de proveniência de vinhos alemães deverá ser protegida internacionalmente, a exemplo do que acontece com o espumante da região de Champagne, na França.
3. Videogame, um esporte olímpico
O governo quer fazer mais pelo eSport, ou Esporte eletrônico, uma modalidade esportiva na qual os participantes competem uns contra os outros com jogos de computador. Para a prática, é fundamental ter boa coordenação visual e motora e criatividade espacial. Os partidos da coalizão querem até a ajudar a "apoiar o Esporte eletrônico na criação de uma perspectiva olímpica".
4. "Remoção de lobos"
O governo exige que a Comissão Europeia examine o estatuto de proteção do lobo na Alemanha. Além disso, CDU, CDU e SPD querem definir em que tipo de situação será necessário proceder à "remoção letal" de lobos – por exemplo para proteger seres humanos ou animais de pasto.
5. Pizza congelada mais saudável
Os partidos da "nova" grande coalizão se preocupam com a alimentação da população alemã. Uma vez que não se pode obrigar ninguém a comer mais legumes e menos junk food, os produtos industrializados deveriam ser fabricados de forma um pouco mais saudável, acham os políticos. O objetivo deles: reduzir a quantidade de açúcar, sal e gorduras em pizzas, sopas de pacote e outras comidas prontas.
RK/dw/dpa
O novo governo de Angela Merkel
Os 15 nomes que compõem o gabinete do quarto governo Merkel já são conhecidos. SPD comandará pastas cobiçadas, como Finanças e Exterior. CDU chefiará a Economia, e CSU, o Interior.
Foto: Reuters/H. Hanschke
Na vitrine
Heiko Maas, de 51 anos, trocou o Ministério da Justiça pelo do Exterior. Como ministro da Justiça, Maas gerou polêmica com a lei contra a incitação ao ódio nas redes sociais. O Ministério do Exterior costuma levantar a popularidade de seus ocupantes, o que deverá acontecer também com ele. Por isso, já há quem especule que o SPD esteja preparando Maas para ser candidato à chancelaria pelo partido.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Guardião das finanças
Olaf Scholz, de 59 anos, já deixou claro que vai rezar pela cartilha do seu antecessor no Ministério das Finanças, Wolfgang Schäuble (CDU). Também ele rejeita gastar mais do que a arrecadação e não quer fazer novas dívidas. Isso está definido, aliás, no acordo de coalizão, mas não agrada a todas as lideranças do SPD. Scholz, que hoje é prefeito de Hamburgo, também será o vice-chanceler.
Foto: Getty Images/C. Koall
Poder de fogo
O ex-secretário-geral do SPD Hubertus Heil, de 45 anos, será o novo ministro do Trabalho e Social. Este é, de longe, o ministério com o maior orçamento no governo alemão, com mais de 100 bilhões de euros disponíveis.
Foto: Imago/photothek/M. Gottschalk
Jovem e do Leste Alemão
A ascensão de Franziska Giffey, de 39 anos, mostra que não é necessário integrar as panelinhas do Bundestag para conseguir um lugar no governo: Giffey, até então prefeita do distrito de Neukölln, em Berlim, vai comandar o Ministério da Família, também do SPD. Esta política do Leste Alemão é tida como partidária da lei e da ordem, o que lhe deu fama em Neukölln, uma "região problema" da capital.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Gambarini
Chefe do meio ambiente
Svenja Schulze, de 49 anos, já tem experiência em comandar uma pasta, mas em nível estadual. Até 2017, ela comandou a Secretaria da Pesquisa no estado da Renânia do Norte-Vestfália. Depois que o SPD perdeu a eleição e deixou o governo, ela passou a ocupar o cargo de secretária-geral. Agora, vai assumir o Ministério do Meio Ambiente.
Foto: picture-alliance/dpa/R.Vennenbernd
Pelos direitos das mulheres
Katarina Barley, de 49 anos, vai trocar o Ministério da Família pelo da Justiça. No cargo atual, ela se mostrou uma defensora dos direitos das mulheres, por exemplo exigindo que o debate sobre sexismo e violência seja ampliado dentro da sociedade alemã.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
Braço direito da chanceler
Peter Altmaier, de 59 anos, é tido como o braço direito da chanceler federal Angela Merkel. Como chefe da chancelaria federal, ele recebeu dela alguns dos piores abacaxis do governo, como a gestão da crise dos refugiados. Agora ele passará para o Ministério da Economia e Energia, tido como o principal dos que ficaram com a CDU e importante para o setor industrial do partido.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Homem de confiança
Helge Braun, de 45 anos, também é um homem de confiança de Merkel e um de seus assessores mais próximos. Com a ida de Altmaier para a Economia, Braun, que é da CDU, assume a chefia da Chancelaria Federal.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
De olho na Otan
Poucos ministros foram tão criticados no cargo, durante o governo passado, como Ursula von der Leyen, sempre às voltas com algum escândalo na Bundeswehr. Von der Leyen, de 59 anos e da CDU, já foi uma bem-sucedida ministra da Família de Merkel. Na época, era cotada para suceder a chefe. Hoje é tida como um nome forte para ser a próxima secretária-geral da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Renovação na CDU
Um dos rostos jovens mais promissores da CDU vai assumir o Ministério da Agricultura. Julia Klöckner, de 45 anos, perdeu duas eleições na sua terra natal, a Renânia-Palatinado, e agora se muda de vez para Berlim. Ela é tida como pessoa de confiança da chanceler federal. Para irritá-la, inimigos costumam lembrar que ela foi rainha do vinho no seu estado, um grande produtor de uvas e vinhos.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Fischer
Crítico de Merkel
A imprensa foi unânime em apresentar a ida de Jens Spahn para o Ministério da Saúde como uma tentativa de Merkel de apaziguar seus críticos dentro da CDU. Afinal, Spahn, de 37 anos, é o principal crítico de Merkel na CDU. Ele se apresenta como católico, defensor dos valores conservadores e gay e é tido como um profundo conhecedor dos problemas de sua pasta, até mesmo por adversários políticos.
Foto: picture alliance/dpa/M. Kappeler
A surpresa na lista
A escolha de Anja Karliczek, de 46 anos, surpreendeu muitos observadores. Pouco conhecida, ela é deputada federal da CDU pela Renânia do Norte-Vestfália e vai assumir o Ministério da Educação.
Foto: imago/M. Popow
Novo lar para o "leão bávaro"
Desde 2008 governador da Baviera, Horst Seehofer, de 68 anos, vai assumir um Ministério do Interior fortalecido pelas pastas de "Heimat" (lar, pátria) e Construção. É o ministério mais importante da CSU, e muitos analistas afirmam que a criação da pasta de "Heimat" é uma resposta ao avanço da AfD, que a CSU encara como uma concorrente direta pelos votos no estado do sul da Alemanha.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/A. Pohl
De volta a Berlim
Andreas Scheuer, de 43 anos, ocupava o cargo de secretário-geral da CSU. Agora, ele retorna ao Ministério dos Transportes, no qual havia sido vice-ministro até 2013, na condição de ministro. O ministério inclui ainda a pasta Digital.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/S. Babbar
Ajuda ao desenvolvimento
Fora o ministro do Exterior, nenhum outro viaja tanto quanto o Ministro da Ajuda ao Desenvolvimento. O atual ocupante da pasta é Gerd Müller, de 62 anos, da CSU), e ele permanecerá no cargo no próximo governo. Entre as suas principais tarefas está combater a migração causada pelo subdesenvolvimento.