Áreas privadas concentram 33% dos incêndios na Amazônia
5 de setembro de 2019
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia aponta que, apesar de cobrirem somente 18% do bioma amazônico, áreas privadas responderam por um terço dos focos de incêndio registrado pelo Inpe entre janeiro e agosto.
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Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgados nesta quarta-feira (04/09) apontam que 33% dos 45.256 focos de incêndios registrados na Amazônia até agosto deste ano ocorreram em propriedades privadas, que cobrem 18% do bioma.
O Ipam utilizou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre focos de calor no bioma amazônico detectados pelo satélite Aqua e cruzou as informações com alertas de desmatamento do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). Os dados do Inpe utilizados pelo Ipam abrangem o período de 1º de janeiro a 29 de agosto.
Os pesquisadores do Ipam observaram que em 2019 o período de seca está mais brando do que nos últimos três anos, o que não justificaria o os 30.901 focos de queimadas registrados em agosto, o maior número para o período desde 2010, quando foram registrados 45.018 focos.
No Brasil como um todo, foram registrados até o início de setembro 95.511 focos de incêndios, o maior número desde 2010 para o período, quando houve 151.605 focos. Mais da metade dos incêndios registrados até agora neste ano (49.169) ocorreu na Amazônia.
O desmatamento e as queimadas em propriedades particulares podem ocorrer somente se autorizados pelos órgãos competentes, como as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente. A legislação permite o desmate de 20% da área total de um terreno privado na Amazônia.
"Historicamente, uma larga porção dos desmatamentos registrados são fonte de ignição ilegal", afirmaram os pesquisadores do Ipam, que citaram como exemplo o caso do Mato Grosso, onde se estima que 85% do desmate tenha ocorrido de forma irregular em 2017 e 2018.
As terras indígenas e unidades de conservação (UCs) terem sido as áreas menos afetadas pelos incêndios neste ano, onde foram registrados 6% e 7% dos focos, respectivamente. No entanto, o número de incêndios registrados nas UCs dobrou em relação à média dos últimos oito anos.
Um exemplo é a Floresta Nacional do Jamanxin, próxima à cidade de Novo Progresso, onde ocorreu o chamado "Dia do Fogo", quando produtores locais teriam realizado uma ação coordenada para atear fogo em áreas de desmate.
Cerca de 20% dos incêndios ocorreram em florestas públicas não destinadas, onde o desmatamento e as queimadas são proibidos. Outros 10% dos focos estão em áreas sem informação cadastral.
No dia 22 de agosto, o Ipam havia alertado que os dez municípios da região amazônica que tiveram mais queimadas em 2019 também são os que tiveram as maiores taxas de desmatamento. Esses municípios concentram 37% dos focos de calor e 43% do desmatamento detectado até julho. Os estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Roraima são os mais afetados. Na ocasião, os pesquisadores já observaram que o período das secas, por si só, não explicaria o aumento exponencial dos focos de incêndio.
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.