Palestra de jornalista investigativo na Festa Literária de Paraty é alvo de protesto de apoiadores do ex-juiz Sergio Moro. "Temos muito mais para revelar", diz Glenn Greenwald.
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Na noite de sexta-feira (12/07), dezenas de pessoas com bandeiras verdes e amarelas, rojões e equipamento de som, em volume muito alto, tentaram impedir o jornalista Glenn Greenwald de falar ao público que lotou o cais de Paraty num evento paralelo à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
O protesto realizado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça, Sergio Moro, contra o jornalista americano marcou o terceiro dia da Flip.
Greenwald é o editor do site Intercept, responsável pelas revelações de diálogos sobre a suposta atuação ilegal do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro.
O jornalista americano participou de um debate organizado por editoras independentes sobre jornalismo investigativo, junto ao comediante e apresentador Gregório Duviver e ao jornalista Sérgio Amadeu.
Durante a intervenção, Greenwald reafirmou a veracidade dos diálogos que estão sendo publicados pelo Intercept e alguns meios de comunicação brasileiros, como o jornal Folha de S. Paulo, revista Veja e TV Bandeirantes e que colocaram em questão a imparcialidade da Operação Lava Jato.
"A máscara do Moro caiu para sempre [...] Estamos muito mais perto do começo do que do fim. Temos muito mais para revelar", frisou, referindo-se às supostas conversas ilegais mantidas alegadamente pelo ex-juiz Sergio Moro com os procuradores da Lava Jato.
Enquanto o jornalista americano falava num barco no porto de Paraty, as pessoas que se opunham à sua presença na cidade usaram caixas de som para elevar o volume dos fogos de artifício e do Hino Nacional. Durante toda a fala, Glenn enfrentou dificuldades para ser ouvido pelo público que lotava o cais.
Programada para as 19h, a palestra de Greenwald não pôde se iniciar antes das 19h30 devido ao barulho dos manifestantes, que pararam após uma intervenção policial, mas logo voltaram com som alto e fogos de artifício.
O som chegava até a tenda principal da Flip, onde a última mesa do dia reuniu o escritor indígena Ailton Krenak e o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina.
Krenak aludiu ao protesto contra a participação do jornalista Glenn Greenwald na programação paralela da Flip: "Eu ouvi os fogos e pensei: é muita sorte poder falar de Canudos com essa cenografia toda." Em sua palestra, ele afirmou ainda que no Brasil muitas pessoas estão "vivendo uma experiência de resistir" a pessoas que apelam para a "força bruta".
Segundo o jornal Globo, às 20h45, quando foram permitidas perguntas da plateia, uma moradora de Paraty disse emocionada: "Eles não representam a cidade". A palestra encerrou-se por volta das 21h20.
Maior encontro literário do Brasil, a Flip acontece até este domingo, na cidade de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.