Dez semanas consecutivas de protestos mergulham região semiautônoma chinesa em sua mais grave crise política em décadas, representando um desafio para o governo em Pequim e para as finanças da cidade.
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No décimo fim de semana ininterrupto de protestos em Hong Kong, a polícia da região semiautônoma chinesa voltou a usar gás lacrimogêneo, neste domingo (11/08), para dispersar manifestantes que bloquearam estradas e fecharam um dos principais túneis da cidade. Até o meio-dia (hora local), 16 pessoas foram detidas por reunião ilegal, porte de armas e agressões a policiais.
Na sexta-feira, a polícia de Hong Kong informou que 592 pessoas já haviam sido detidas desde o início dos protestos, em 9 de junho, com idades entre 13 e 76 anos, enfrentando acusações que podem levar a penas de até dez anos de prisão.
Dez semanas consecutivas de protestos cada vez mais violentos mergulharam Hong Kong em sua mais grave crise política em décadas, representando um desafio para o governo central de Pequim e para a economia da região semiautônoma.
Quartos de hotel vazios, lojas sem clientes e até mesmo fechamento temporário na Disneylândia: os mais de dois meses de protestos tiveram um grande impacto na economia da cidade – sem fim à vista.
Carrie Lam, líder da região semiautônoma, alertou que o centro financeiro internacional está enfrentando uma crise econômica pior que o surto de SARS em 2003, que paralisou Hong Kong, ou a crise financeira de 2008.
"A situação desta vez é mais grave", disse Lam. "Em outras palavras, a recuperação econômica levará muito tempo."
O setor privado, em particular a indústria do turismo, começou a contabilizar o custo de mais de dois meses de manifestações que surgiram em oposição a um projeto de lei que permite extradições para a China, mas que se transformaram num movimento pró-democracia mais amplo.
Os números são preocupantes: as taxas de ocupação dos hotéis estão abaixo dos percentuais de "dois dígitos", assim como as chegadas de visitantes em julho. As reservas de excursões do mercado de curta distância caíram até 50%.
"Nos últimos meses, o que aconteceu em Hong Kong realmente colocou a subsistência da população local e a economia numa situação preocupante ou até perigosa", alertou Edward Yau, secretário de Comércio e Desenvolvimento Econômico de Hong Kong.
A indústria do turismo da cidade diz que se sente sitiada. "Acho que a situação está ficando cada vez mais séria", disse Jason Wong, presidente do Conselho da Indústria de Viagens de Hong Kong. O impacto é tão ruim que os agentes de viagens estão considerando colocar os funcionários em licença não remunerada enquanto tentam resistir à tempestade, alertou.
Uma série de advertências de viagens emitidas por países como os Estados Unidos, a Austrália e o Japão provavelmente agravará os problemas no setor de turismo.
Imagens de confrontos cada vez mais violentos entre manifestantes mascarados e a polícia usando gás lacrimogêneo nas ruas da cidade ocuparam as manchetes em torno do planeta, com os ativistas anunciando novas manifestações durante todo o mês de agosto, enquanto fazem pressão por suas demandas.
O setor de varejo também foi atingido pela queda do número de visitantes à caça de pechinchas, com lojas frequentemente forçadas a fechar durante os protestos às vezes diários. Especialistas dizem que a atual situação está agravando a crise econômica que Hong Kong já vivenciava como resultado da guerra comercial EUA-China.
É um "duplo golpe", avisou Stephen Innes, sócio-gerente da empresa de investimentos Valour Markets. O mercado imobiliário, que caiu mais de 20% durante o crash financeiro de 2008, continua forte. Mas Innes alertou que o aprofundamento da crise poderia resultar em saídas de capital: "Todo o dinheiro do continente que sustentou os mercados imobiliários de Hong Kong poderia sair tão rapidamente quanto entrou."
O quadro econômico da cidade já estava em dificuldades, mesmo antes do início dos protestos, com o crescimento recuando de 4,6% para 0,6% no primeiro trimestre – o pior desempenho trimestral em uma década.
Dados preliminares sugerem que o segundo trimestre não se saiu melhor, enquanto o governo ainda espera um crescimento de 2-3% neste ano – as previsões dos grandes bancos são mais pessimistas.
Essas quedas refletem os efeitos da guerra comercial EUA-China numa economia que depende muito do processamento de logística e é vulnerável a uma queda no comércio.
O impacto dos protestos sobre o crescimento não estará claro até o final do ano, mas Martin Rasmussen, economista especializado em China na empresa de pesquisa macroeconômica Capital Economics, disse que a crise deve pesar muito.
"No começo, os protestos eram bastante pacíficos, podia-se dizer comparável às manifestações de 2014", disse Rasmussen, referindo-se aos movimentos dos guarda-chuvas na cidade. "Agora eles se tornaram muito mais extremos, então achamos que o impacto na economia começará a cobrar seu preço".
Duas décadas depois de Hong Kong retornar ao domínio chinês, predomina entre muitos moradores a insatisfação com a ingerência de Pequim e o desejo por mais democracia.
Foto: Reuters/D. Martinez
1997 - Devolução à China
Após 156 anos de domínio britânico, Hong Kong era devolvida à China exatamente à zero hora de 1º de julho de 1997. Soldados do Exército de Libertação Popular içaram a bandeira chinesa, em sinal de supremacia sobre a antiga colônia britânica. O contrato para a devolução já havia sido assinado em 1984.
Foto: Reuters/D. Martinez
1998 - Ameaça de crise econômica
A crise financeira asiática de 1997-98 levou economias emergentes a impor controles comerciais ou à compra de ativos para tranquilizar investidores. Hong Kong surpreendeu o mercado em agosto de 1998 com uma intervenção de 15 bilhões de dólares para se defender de ataques especulativos. Os apoiadores da iniciativa dizem que isso salvou a cidade.
Foto: Reuters/L. Chan
1999 - Reagrupamento de famílias
As esperanças de um rápido reagrupamento das famílias separadas pela fronteira foram logo destruídas. Embora a Suprema Corte de Hong Kong tivesse concedido amplos direitos de residência, o governo chinês derrubou a decisão a pedido do governo de Hong Kong. Na foto, mais de cem visitantes da China continental protestaram para obter permissão de residência imediata em Hong Kong.
Foto: Reuters/B. Yip
2000 - Sucesso com a bolha
Em fevereiro de 2000, investidores entraram numa fila diante do banco HSBC para comprar ações da empresa Tom.com. Ao se lançar na bolsa de valores, a empresa – que existia apenas na internet – do bilionário Li Ka-shing conseguiu angariar quase 100 milhões de dólares pouco antes de estourar a bolha "dot-com".
Foto: Reuters/B. Yip
2001 - Conflito com grupo espiritual
Seguidores do movimento espiritual Falun Gong protestam regularmente em Hong Kong desde que o grupo foi banido pela China em 1999, sob a acusação de divulgar superstições e manipular as pessoas psicologicamente. Em 2002, 16 seguidores foram condenados por causa de protestos diante da representação da China em Hong Kong. A Suprema Corte do território reverteu metade das sentenças.
Foto: Reuters/K. Cheung
2002 - Famílias desesperadas
A questão das autorizações de residência acirrou-se em 2002, quando Hong Kong começou a deportar 4 mil chineses continentais que haviam perdido batalhas legais para residir no território. Houve protestos dos solicitantes e de seus apoiadores. Na foto, parentes de migrantes chineses depois de terem sido expulsos de um parque no centro de Hong Kong.
Foto: Reuters/K. Cheung
2003 - Nas mãos de um vírus
A Sars, uma doença viral semelhante à gripe, atingiu Hong Kong de tal forma que, em março de 2003, a Organização Mundial da Saúde a declarou uma pandemia. Até a cidade ser considerada livre da doença, em junho, 299 pessoas morreram, entre elas Tse Yuen-man. A médica de 35 anos esteve entre os primeiros voluntários a cuidar de pacientes com Sars. Em seu funeral, ela recebeu as mais altas honras.
Foto: Reuters/B. Yip
2004 - Frustração com Pequim
Centenas de milhares de pessoas participaram de protestos no sétimo aniversário da devolução à China. Pequim descartou o sufrágio universal em Hong Kong em 2007 ou 2008 e continuou freando as reformas políticas. Além disso, a China decretou que o governo de Pequim precisa aprovar qualquer alteração no direito de voto em Hong Kong, o que praticamente elimina qualquer aspiração democrática.
Foto: Reuters/B. Yip
2005 - Violência em protestos
Reuniões da Organização Mundial do Comércio regularmente são alvos de protestos dos adversários da globalização. Em Hong Kong, no final de 2005, não foi diferente. A polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Foto: Reuters/L. Jae-Won
2006 - Conflito com o Japão
A China e o Japão disputavam um grupo de ilhas desabitadas. Acreditava-se que perto delas houvesse reservas de petróleo e de gás. Em outubro, um barco com ativistas de um comitê para defender as ilhas Diaoyi e que tem base em Hong Kong se aproximou 20km da ilha principal até ser interceptado por um barco de patrulha japonês.
Foto: Reuters/P. Yeung
2007 - Preservar a história
Um píer da era colonial tornou-se pivô de nova polêmica. O governo queria removê-lo para recuperar terras e construir estradas. Ativistas furiosos que consideravam o píer um local histórico lutaram pela sua preservação. O embate atingiu seu ponto alto em agosto, quando a polícia removeu um acampamento de ativistas e pessoas em greve de fome que já durava três meses. Em 2008, o píer foi demolido.
Foto: Reuters/P. Yeung
2008 - Morar em gaiolas
Terrenos cada vez mais caros tornaram os aluguéis impagáveis para muitas pessoas em Hong Kong. Milhares de moradores passaram a viver em gaiolas, onde dispunham de cerca de 1,4 m2. Em geral, um cômodo tem oito dessas caixas de arame. Em 2017, estima-se que 200 mil pessoas vivam assim ou disponham de apenas uma cama em apartamentos divididos.
Foto: Reuters/V. Fraile
2009 - Contra o esquecimento
Moradores de Hong Kong vestidos de preto e branco fizeram uma vigília no 20º aniversário da violenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Victoria Park, no centro de Hong Kong, transformou-se num mar de velas.
Foto: Reuters/A. Tam
2010 - Projetos indesejados
Crescia em Hong Kong a insatisfação devido à falta de democracia e o fato de o governo não ter de prestar contas. As raiva coletiva é descarregada em forma de protestos contra os planos do governo de construir um trajeto para trens de alta velocidade ligando Hong Kong ao continente. O projeto ferroviário, não implementado até hoje, previa a destruição de um vilarejo.
Foto: Reuters/B. Yip
2011 - Protestos com papel
Um controverso projeto de lei que eliminou o mecanismo de eleições suplementares para o Conselho Legislativo gerou vários dias de protestos em frente ao prédio do conselho. Centenas de manifestantes jogaram aviões de papel com mensagens políticas contra o prédio.
Foto: Reuters/B. Yip
2012 - Desafios da administração
Leung Chun-ying (à esquerda) presta juramento como chefe de governo da região administrativa especial, diante do então presidente chinês, Hu Jintao. Ele prometeu mais democracia e moradias mais acessíveis. Apesar de medidas de contenção, os preços continuaram subindo, e as reformas políticas ainda estão emperradas. Leung Chun-ying não concorreu a um novo mandato.
Foto: REUTERS/File Photo/B. Yip
2013 - Hong Kong no foco da imprensa
Quando começaram a ser publicadas notícias sobre Edward Snowden e segredos dos EUA, o especialista em TI estava em Hong Kong. Apesar de os Estados Unidos terem pedido sua extradição, Hong Kong deixou Snowden voar para Moscou, onde ele recebeu asilo político. Enquanto alguns veem em Snowden um denunciante corajoso, outros o consideram um traidor da pátria.
Foto: Reuters/B. Yip
2014 - Protestos de guarda-chuva
Durante dois meses, Hong Kong teve grandes manifestações pró-democracia. A exigência era a escolha completamente democrática do chefe de governo. A marca registrada dos protestos foram os guarda-chuvas usados pelos manifestantes para se proteger do spray de pimenta da polícia. As manifestações são vistas como o maior desafio à autoridade da China desde o movimento por mais democracia, em 1989.
Foto: Reuters/T. Siu
2015 - Liberdade de expressão no estádio
A partida de futebol entre China e Hong Kong pelas eliminatórias da Copa de 2018 foi palco de protestos. Torcedores de Hong Kong empunharam cartazes com os dizeres "Hong Kong não é China" enquanto era tocado o hino nacional chinês. Há muita tensão entre os dois lados desde os "protestos dos guarda-chuvas". O jogo acabou em 0 a 0.
Foto: Reuters/B. Yip
2016 - Até correr sangue
Novos protestos foram realizados em Hong Kong. Mais uma vez, a polícia usou spray de pimenta e cassetetes. A razão: as autoridades tentaram remover vendedores de rua ilegais num bairro operário. Foram as mais violentas batalhas de rua desde os protestos de 2014.
Foto: Reuters/B. Yip
2017 - O tempo passa
No parque memorial rei George 5º, um dos poucos parques onde ainda há uma ligação com o passado colonial, as raízes de uma figueira cobrem uma placa, 20 anos após a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos.