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Provocação de Janja no G20 não é boa em nada

Nina Lemos
Nina Lemos
19 de novembro de 2024

Janja deveria ter sido estratégica e pensado antes de jogar para a plateia, como no caso da ofensa dirigida a Musk. Episódio também deveria levar a questionamentos se a função de primeira-dama ainda faz sentido em 2024.

Após o lampejo de Janja, o presidente Lula disse, em discurso, que "não devemos xingar ninguém"Foto: Cristiano Mariz/Agncia/ZUMA Wire/IMAGO

Não deve ser nada fácil ser primeira-dama de um país, muito menos de um país machista como o Brasil. Na verdade, essa é uma função que acho que nem deveria existir, já que uma mulher ser chamada de "primeira esposa" é algo machista e antiquado. Dito isso: se você é a primeira-dama e quer ser atuante (e quem fizer essa escolha está totalmente em seu direito), você precisa pensar antes de falar e ser estratégica. Na verdade, isso vale para qualquer pessoa que represente o governo. Seja homem ou mulher. Sim, a vida adulta é difícil. E imagino que seja ainda mais complicado se você escolhe fazer parte de um espaço de poder.

Falo da polêmica em torno da primeira-dama Janja da Silva, socióloga, que se empolgou durante um discurso no G20 Social e soltou um "fuck you, Elon Musk", de improviso, e foi ovacionada pela plateia. O G20 é um dos encontros mais importantes de líderes do mundo. Neste ano, ele acontece no Rio de Janeiro e o Brasil é o anfitrião.

Elon Musk, o dono da Tesla e do X, considerado o homem mais rico do mundo, é um radical de direita péssimo (e acho que nisso eu e Janja concordamos). Mas só que, como o mundo anda em um momento horrível, ele vai fazer parte do próximo governo dos Estados Unidos. Ele foi nomeado "antecipadamente" por Donald Trump como chefe de um novo departamento de eficiência governamental.

Janja deveria ter mandado Musk se f... em um evento do G20, no palco? Claro que não. O Brasil vai ter que lidar com os Estados Unidos nos próximos quatro anos e a postura do governo brasileiro tem sido a do diálogo com todos os países (o que eu, pessoalmente, acho ótimo). Essa provocação de Janja não leva a nada. Só dá trabalho para diplomatas e alimenta a extrema direita para que ela ataque a primeira-dama e o governo do Brasil.

Cara primeira-dama, com todo respeito, não podemos nos dar ao luxo de agirmos como adolescentes. Precisamos estar atentas e fortes. E isso significa, muitas vezes, ter estratégia e pensar antes de jogar para a plateia, por mais que isso seja sedutor.

Após o lampejo de Janja, o presidente Lula disse, em discurso, que "não devemos xingar ninguém". Ou seja, ficou parecendo que Janja era uma adolescente que fez bobagem e levou bronca. Isso é bom para o país? Não. Prova de empoderamento feminino? Também acho que não.

Claro, todos temos o direito de errar. Acontece. Espero que o escândalo causado pela frase totalmente fora de lugar sirva para que Janja pense mais da próxima vez que se empolgar.

Primeira-dama é algo antiquado

Esse momento também pode servir também para que a gente pense se ainda faz sentido que a função de primeira-dama tenha tanto destaque em 2024. Eu, sinceramente, acho que não. Só o nome "primeira-dama" já mostra o quanto esse papel é obsoleto e datado. Somos independentes. Não acho que governo precise de mulheres em um papel onde elas ocupam uma posição de "esposa", seguindo aquela máxima antiga e errada de que atrás de todo homem há sempre uma grande mulher.

Em entrevista à CNN, Janja disse que não tem um gabinete de primeira-dama (algo que no Brasil não está previsto nos governos) "por causa do machismo". Ele citou como exemplo o fato de países como Estados Unidos e o México terem estruturas diferentes para suas primeiras-damas, com gabinete e equipe.

Mas não é bem assim. Alguns países nem têm figura forte de primeira-dama. É esse o caso da Alemanha, onde a maioria da população nem sabe o nome da esposa do presidente.

Teoricamente, "a primeira-dama da Alemanha" é a juíza Elke Büdenbender. Ela acompanha o marido, o presidente Frank-Walter Steinmeier em eventos, sim. Mas trabalha como juíza por meio período. E a maioria dos cidadãos nem sabe o nome dela. Na verdade, aqui ninguém se importa com esposas ou maridos de políticos. A Alemanha vai ter novas eleições em fevereiro. Todo mundo está falando dos candidatos, não de seus cônjuges. Faz sentido, não? Afinal, não são eles que vão governar.

Janja disse, desde que Lula foi eleito, que queria ressignificar o cargo. Claro que ela tem esse direito e que existem primeiras-damas que prestam papeis super importantes para seus países e viram vozes super importantes. Michelle Obama, por exemplo, está aí para provar. Mas, inclusive para conseguir ocupar um espaço desses é preciso se conter em alguns momentos. E ser estratégica.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.