Papo sério
10 de março de 2010Aparentemente, eles têm o emprego dos sonhos: os jogadores profissionais de futebol quase sempre têm dinheiro de sobra, são adorados por fãs e não precisam vestir terno para trabalhar.
Mas, na realidade, a pressão sobre esses atletas pode ser altamente desgastante. Basta imaginar a situação: milhares de pessoas assistindo a todos os seus movimentos enquanto você trabalha, gritando e xingando a cada pequeno erro cometido. E o pior: a ameaça de doenças e lesões que poderiam acabar com a carreira num piscar de olhos.
Por muito tempo, o jogador teve que lidar sozinho com todo esse estresse. Mas, nos últimos anos, a situação começou a mudar.
Desde 2006, a psicóloga esportiva Aneta Szpigiel trabalha com uma associação que representa os jogadores profissionais alemães, a VDH. O escritório fica na clinica de medicina esportiva e fisioterapia, próximo ao estádio do Schalke, em Gelsenkirchen – propositalmente localizado para encorajar os jogadores a pedir ajuda.
Futebol é resistente
"Nós lidamos, na maioria das vezes, com crises causadas por lesões, com o medo dos jogadores de perderem sua posição no time, ou com o retorno deles ao campo", diz Szpigiel. "Nós trabalhamos com medos associados às suas perspectivas de carreira, com o futuro no futebol".
O trabalho de Szpigiel não é convencional. O campo da psicologia esportiva teve um crescimento constantemente nas últimas décadas e o negócio de manter atletas mentalmente saudáveis está em alta.
Entretanto, o que dificulta a atuação da profissional é fato de ela estar no ramo do futebol – esporte em que o treinamento físico pesado e a mentalidade rígida se sobrepõem à discussão sobre os sentimentos e ao vigor emocional.
Jeannine Ohlert é psicóloga do esporte, conferencista e pesquisadora da prestigiada Universidade de Esportes de Colônia, na Alemanha. Ela concorda que o futebol profissional é um dos mais resistentes quando o assunto é trazer psicólogos para o time.
Segundo Ohlert, parte do problema é causada pelo mau entendimento sobre que tipo de ajuda psicólogos do esporte podem oferecer. Os atletas precisam saber que o principal objetivo destes profissionais "não é resolver problemas, mas preveni-los".
"O objetivo do psicólogo é ajudar o atleta a estar apto a dar o melhor de si quando ele precisa. Não apenas em treino, mas em competição", explica Ohlert.
Popular entre os esportes
É crescente o número de equipes que contam com psicólogos especializados para melhorar o desempenho do elenco. Tanto os times de hóquei como os de hóquei no gelo, na Alemanha, passaram a ter terapeutas em seus times, observa Ohlert. "Mas no futebol, ainda não é aceito", afirma.
A razão é histórica – pelo menos parcialmente – especula Ohlert. "Eu acho que muitos dos treinadores são pessoas que jogaram em clubes quando eram jovens. E eles dizem: 'eu consegui sem psicólogos. Então os jogadores de hoje serão capazes de jogarem por eles mesmos, se eles forem fortes o bastante'. Isso é difícil", diz Ohlert.
Aneta Szpigiel diz que o trabalho é de fato "muito próximo à psicologia clínica". Ela conversa com seus pacientes sobre dificuldades e emoções. Além disso, ela prescreve exercícios para jogadores tentarem lidar com bloqueios e lesões. O objetivo é ajudá-los a reconquistar a confiança em certas séries de movimentos.
"Futebol (aqui) é o esporte mais popular. Há muita pressão em jogo, e muito dinheiro. Os planos começam muito cedo na vida: eu serei um jogador profissional ou não? Essa é uma pressão enorme", analisa Szpigiel.
Reação depois da morte de Robert Enke
Jogar futebol profissionalmente sob pressão não é novidade. Wolfgang Overath, jogador de sucesso dos anos de 1970 do FC Colônia, teve problemas para lidar com suas próprias expectativas e com as cobranças dos outros, ainda naquela época.
"Eu joguei na Copa do Mundo do México, em 1970. E o Günter Netzer jogou a Eurocopa em 1972. Ele estava em boa forma e a minha estava ficando cada vez pior para o nível do clube, e então o público disse: agora Netzer deveria jogar", lembra Overath. "Eu fui piorando porque tinha cada vez menos autoconfiança. Isso é algo que pode acontecer quando a pressão fica grande".
Nos anos 1970, entretanto, o acesso à ajuda profissional para jogadores era difícil. Szpigiel percebeu que, especialmente depois do suicídio do goleiro da seleção alemã, Robert Enke, em novembro de 2009, muitos jogadores sentiram a necessidade de conversar.
Szpigiel diz ainda desejar que, no futuro, a ajuda psicológica para atletas possa ser mais comum. "Eu acho que psicólogos do esporte deveriam ser mais aceitos do que são atualmente", diz Szpigiel. "É óbvio que todos os times devam ter uma equipe de fisioterapeutas à disposição. E o mesmo deveria ser para os psicólogos do esporte".
Jeannine Ohlert concorda com a afirmação de Szpigiel. Ela nota que alguns outros países possuem uma atitude diferente da Alemanha e cita o exemplo do Sevilha da Espanha: o time possui 11 psicólogos esportivos na equipe. Ohlert acredita que eles mostram "cuidar de seus jogadores" em todo o seu desenvolvimento como pessoa, e não apenas como um jogador de futebol.
Ohlert destaca que mais clubes alemães estão começando a trabalhar com psicólogos do esporte, a exemplo do Hoffenheim. "Está ficando melhor. Mas nós ainda temos um logo caminho pela frente", finaliza.
Author: Andreas Ziemons (jen) (DD)
Revisão: Nádia Pontes