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PT faz 40 anos com desafio de recuperar terreno perdido

10 de fevereiro de 2020

Fundado em meio à luta pela redemocratização, partido tornou-se um dos maiores de centro-esquerda do mundo sob Lula. Agora desgastada, legenda enfrenta desafio de superar imagem de corrupta e reduzir antipetismo.

Lula e Dilma em congresso do PT em novembro de 2019
Em busca de uma nova estratégia: Lula e Dilma em congresso do PT em novembro de 2019Foto: Reuters/N. Doce

Fundado em 1980, na transição da ditadura para a democracia, o PT completa 40 anos nesta segunda-feira (10/02), avaliando como recuperar o terreno perdido com o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão e posterior soltura de Luiz Inácio Lula da Silva, e discutindo qual a melhor estratégia para fazer frente ao governo de Jair Bolsonaro.

Hoje com 1,5 milhão de filiados e a maior bancada na Câmara dos Deputados – empatado com o PSL – o PT surgiu como uma plataforma de movimentos e setores variados que lutavam pela redemocratização. Sob a liderança carismática de Lula, tornou-se um dos maiores partidos de centro-esquerda do mundo, em um país de território extenso, herança colonial e escravocrata e campeão de desigualdade.

Socialista democrático em sua origem, o PT fez ajustes de rumo após a derrota para Fernando Henrique Cardoso, em 1994, para ficar cada vez mais pragmático, conciliador e aberto a alianças com partidos de centro e de direita, em busca de melhorar a vida dos mais pobres sem ameaçar elites. Um processo que culminou na vitória do Lula "paz e amor" em 2002.

No Planalto, Lula foi hábil em reduzir a pobreza, promover crescimento via expansão do mercado interno e ampliar o acesso à educação superior, ajudado por um ciclo internacional favorável de commodities. Também viu o partido se tornar alvo do seu primeiro grande escândalo de corrupção, o mensalão, que mostrou a legenda eleita com forte discurso ético adotando práticas ilícitas.

A combinação de crescimento, redução da pobreza e articulação política eficaz fez Lula deixar o governo com 87% de aprovação, um recorde brasileiro. Dilma manteve ritmo semelhante até 2013, quando o esgotamento do modelo econômico, manobras contábeis, desonerações fiscais e má articulação política colocaram o país na rota rumo à maior recessão de sua história.

Lula (centro) e membros do PT em protesto contra privatizações em setembro de 1989Foto: picture alliance/dpa Fotografia

A recessão foi agravada pelo impacto da Operação Lava Jato, que mostrou um grande esquema de corrupção ligado ao PT e outros partidos e afetou a indústria da construção civil.

Dilma foi reeleita em 2014 por margem estreita, mas sofreu impeachment em 2016. Dois anos depois, Lula foi preso, condenado em segunda instância e solto apenas em novembro de 2019. É nesse momento de tentativa de superação de sua pior fase que o PT entra em sua quarta década de história.

A força atual da legenda

O cientista político Pedro Floriano Ribeiro, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que estudou o PT por vários anos, afirma à DW Brasil que a legenda nasceu "muito diferente" de outros partidos, e que essa diferença foi diminuindo ao longo do tempo.

No entanto, segundo Ribeiro, o PT ainda se distingue de outras legendas por ter uma identidade forte, cultivada por uma militância ativa, e uma organização partidária funcional.

"O PT tem a marca partidária mais forte do país e é estruturador do nosso sistema político. Tanto que se fala muito do petismo e do antipetismo, e nunca do tucanismo e antitucanismo", diz.

Essa dimensão estruturadora da política é revelada por pesquisas de opinião que medem o percentual de eleitores que se consideram petistas e antipetistas. Uma compilação feita pelo cientista político Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a partir de diversas pesquisas, mostra que o percentual que hoje se coloca em um desses polos superou a metade do eleitorado em 2019, com 15,9% no polo petista e 34,9% no polo antipetista. O auge do petismo, por sua vez, se deu em 2012, quando alcançou 27,7% do eleitorado.


Entre todas as legendas, o PT também é a que tem o maior grau de identificação partidária da população: em abril de 2019, 14% elencavam o PT como seu partido de preferência, enquanto o PSL, na segunda colocação, tinha 3%, e o PSDB, 2% – 65% não tinham nenhuma preferência, segundo pesquisa Datafolha.

Essa marca forte pode ter efeitos positivos ou negativos, diz Ribeiro. Quando um líder do PT vai bem, o partido colhe os frutos, como na era Lula. Quando vai mal, como no segundo governo Dilma, é punido com força. Segundo ele, esse impacto não se observa com a mesma intensidade no caso de políticos com ligação partidária fraca, como é o caso de Bolsonaro e do PSL, pelo qual o presidente foi eleito.

A 'problemática' ascendência de Lula

Um dos dilemas do PT é sua relação com Lula, de quem o partido depende do aval em decisões fundamentais. O petista é desde a fundação do partido um ponto de referência para as diversas tendências que compõem a legenda, e seu grupo político, o mais influente.

Para Ribeiro, a relação entre o PT e Lula mostra uma "confiança cega, praticamente religiosa" em seu maior líder. "Ele é uma figura genial, mas comete seus erros", comenta, citando a escolha de Dilma como candidata à sua sucessão – figura de pouca vida partidária e sem experiência em cargos eletivos – e o atraso na definição da candidatura presidencial em 2018, usado pela fortalecer a campanha "Lula livre".

Contudo, diz Ribeiro, Lula foi a figura capaz de criar uma conexão mais próxima entre a camada mais pobre da população e o PT. Até 2002, "o eleitor mais pobre não votava no PT": era um partido de classes médias, como trabalhadores sindicalizados, parcelas urbanas universitárias, jovens engajados. "O eleitorado de menor renda votou no Collor [em 1989] e duas vezes no FHC [em 1994 e 1998]", diz.

Esse cenário mudou na campanha vitoriosa de 2002 e se repetiu nas eleições seguintes, quando a base popular atraída por Lula foi transferida para o partido. Esse vínculo com os mais pobres perdeu força durante a crise do segundo governo Dilma, e parte dessa parcela migrou para Bolsonaro em 2018.

"O PT depende do Lula para se manter como partido viável para a Presidência, mas, ao mesmo tempo, fica preso nessa relação e à mercê dele para ver que caminho tomar", diz.

Envolvimento com a corrupção

Os escândalos que atingiram governos do PT e seus líderes foram um dos principais flancos explorados pela oposição para desgastar o partido, simbolizado nos bonecos infláveis de Lula vestido como presidiário.

A Lava Jato revelou uma corrupção sistêmica, entranhada em diversas esferas de governo, ligada aos modos de financiamento de campanha e que beneficiava todas as principais legendas. Mas também mostrou como o PT aderiu a esses modelos de relacionamento com a coisa pública e como "diversas lideranças petistas abusaram" ao chegarem ao poder, diz Ribeiro.

Bonecos infláveis de Lula vestido como presidiário viraram símbolo do desgaste do partidoFoto: picture-alliance/dpa/S. Moreira

A superação dessa imagem de partido corrupto é um aspecto-chave caso o PT queira reduzir o antipetismo e ampliar sua base de apoiadores, mas esbarra numa forte "cultura interna corporativa" na legenda, segundo a qual quem cometeu desvios em benefício do partido não deve ser punido, diz Ribeiro. Um exemplo é o do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que teve a refiliação aprovada em 2011 após ter sido expulso em 2005 por causa do mensalão.

Ele sugere que o partido crie mecanismos internos de controle e prestação de contas mais rigorosos dos que os exigido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Assim como a Petrobras fez depois da Lava Jato. Isso sinalizaria algo para a sociedade", diz.

Frei Betto, assessor especial de Lula em 2003 e 2004, autor de A mosca azul - reflexão sobre o poder, afirma à DW Brasil que um dos grandes erros do partido foi não ter punido "com rigor" seus militantes que comprovadamente se envolveram em corrupção.

Para a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da UFSCar, se o PT não quiser fazer autocrítica, terá que mostrar na prática, nas eleições municipais deste ano ou em 2022, "que tem condições de fazer um jogo limpo e republicano" para superar a pecha de corrupto e reduzir o antipetismo.

Caminho para o futuro

Com Lula solto e Bolsonaro mantendo o apoio de cerca de um terço do eleitorado brasileiro, o PT agora se prepara para as eleições municipais deste ano, que testarão a capacidade de o partido formular alternativas, a força de sua conexão com segmentos sociais e a disposição de se aliar a outros partidos.

Frei Betto, para quem o PT fez "o melhor governo do Brasil em tempos republicanos", afirma também que a legenda se tornou "um partido movido pela síndrome do eleitoralismo, sem um projeto definido", e precisa, em primeiro lugar, "formular um projeto" para o país.

"Deve voltar ao trabalho de base, formar militantes que atuem nas periferias, na área rural, principalmente junto aos jovens, estudantes sobretudo, e segmentos religiosos", diz.

Ele também afirma que a legenda deve ter a "humildade" de admitir que em certas circunstâncias não pode ser a cabeça de chapa, e defende que, nas eleições presidenciais de 2022, se Lula estiver impedido, o PT deve apoiar o atual governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB.

Ribeiro prevê que o partido "continuará forte" e deve manter a hegemonia na esquerda, mas precisará dialogar com parcelas do eleitorado que votaram em Bolsonaro, como o segmento evangélico.

Protesto contra o impeachment de Dilma em 2016: PT viu número de apoiadores diminuir nos últimos anosFoto: Agencia Brasil

"Se perder a penetração popular, poderá voltar a ser o partido que era antes de 2002, mais restrito e com poucas chances de ganhar a presidência. O risco é o PT voltar a esse cenário", diz.

Socorro afirma que o partido terá que ser "muito mais criativo" para retomar sua capilaridade em setores sociais e entender como usar a internet para fazer política, uma estratégia da qual "a direita está se aproveitando mais".

Uma melhor comunicação no mundo digital também é um dos pontos apontados pelo deputado federal Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, como cruciais para os próximos anos do partido. Ele afirma também que a legenda precisa formular propostas para o que ele chama de "novo mundo do trabalho, do aplicativo e do empreendedor", e liderar um bloco de partidos de esquerda e "progressistas" contra a agenda de Bolsonaro.

Indagado sobre a disputa presidencial de 2022, Teixeira reafirma: "Nosso candidato a presidente chama-se Lula." Se o ex-presidente estiver impedido devido à Lei da Ficha Limpa, diz: "Temos o Fernando Haddad, mas a construção de uma chapa nacional deve levar em consideração também o nome de Flávio Dino."

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