Publicado livro póstumo de editor de "Charlie Hebdo"
16 de abril de 2015
Finalizado apenas dois dias antes de atentado à sede do jornal satírico, em Paris, livro de Stephane Charbonnier, morto no ataque, critica uso do termo islamofobia e defende direito de abordar religião com humor.
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As bancas francesas receberam nesta quinta-feira (16/04) a edição póstuma do livro concluído pelo editor Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, apenas dois dias antes do ataque terrorista à redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em 7 de janeiro, no qual ele e outras 11 pessoas foram mortas.
O Lettre aux escrocs de l'islamophobie qui font le jeu des racistes (Carta aos vigaristas da islamofobia que fazem o jogo dos racistas, em tradução livre) condena a islamofobia, considerando-a um disfarce do racismo. Charb ridiculariza o uso do termo por alguns jornalistas, seja por preguiça ou por interesse comercial, e censura políticos que atiçam o que o ex-editor do Charlie Hebdo considera um injusto debate sobre identidade nacional.
Ele ainda diz que "muitos daqueles que fazem campanha contra a islamofobia na verdade não o fazem para defender os muçulmanos como indivíduos, mas para defender a religião do profeta Maomé".
Segundo ele, a imprensa ajudou a popularizar o termo islamofobia, pois "qualquer escândalo que contenha a palavra 'islã' no título vende". Um terrorista assusta, mas se você acrescentar que ele era um islamista, fica ainda mais empolgante, escreveu Charb.
Diferentemente do Charlie Hebdo, as 88 páginas não contêm caricaturas – apenas textos. Logo na abertura, Charb comenta que seu público-alvo inclui aqueles que "acham que está escrito no Corão que desenhar o profeta Maomé é proibido, que caricaturar um jihadista em uma posição ridícula insulta o islã, que um desenho pode ser mais perigoso que um drone americano".
Ele ainda condena quem demoniza os muçulmanos. "Se um dia todos os muçulmanos da França se converterem ao catolicismo, estes estrangeiros ou franceses de origem estrangeira continuarão sendo vistos como responsáveis por todas os males", escreveu.
Sendo assim, sugere o autor, atitudes como esta deveriam ser caracterizadas como "muslim-o-fobia", que se refere ao medo irracional de pessoas, em vez de islamofobia, que supõe uma atitude contra uma religião.
Charb, que vinha recebendo diversas ameaças de morte desde a primeira vez que o Charlie Hebdo publicou caricaturas de Maomé, em 2006, ainda defendeu a linha editorial do semanário no qual trabalhava, que trata de ironizar diversas religiões. "A ideia de que você pode rir de tudo, menos de certos aspectos do islã, porque os muçulmanos são muito mais sensíveis do que o resto da população, é ou não é discriminação?", escreveu.
MSB/dpa/afp/ap
O jornal satírico "Charlie Hebdo"
Semanário é conhecido por suas caricaturas e matérias sobre política, economia e sociedade. Humor mordaz se volta principalmente contra políticos e o papa, além do profeta Maomé.
Jornalismo com humor
A capa da atual edição é dedicada ao mais recente romance de Michel Houellebecq, "Soumission" (Submissão). O livro retrata a França no futuro como um país islamizado, sob o governo de um presidente muçulmano.
Foto: B. Guay/AFP/Getty Images
Controversa "biografia de Maomé"
Em janeiro de 2013, o semanário provocou polêmica internacional e despertou a ira da comunidade islâmica com o lançamento de uma edição especial que contava a história do profeta islâmico em quadrinhos de forma satírica.
Foto: Miguel Medina/AFP/Getty Images
Críticas ácidas
Em novembro de 2012, o jornal fez uma caricatura em relação aos debates na França sobre o casamento entre homossexuais. Com um desenho em alusão ao arcebispo de Paris, André Vingt-Trois, o jornal titulou "Arcebispo Vingt-Trois tem três pais".
Foto: Francois Guillot/AFP/Getty Images
Direito à liberdade de expressão
"Não se trata de provocação", disse Gérard Biard, editor do "Charlie Hebdo", em entrevista à DW em setembro de 2012, sobre os desenhos de Maomé publicados pelo semanário. Segundo ele, a publicação exerce o direito da liberdade de expressão ao publicar caricaturas do profeta, não sendo responsável por eventuais reações violentas.
Foto: imago/PanoramiC
Wolinski está entre os mortos
Entre os mortos estão o diretor de redação da publicação, Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, e o cartunista Georges Wolinski (foto), considerado o maior nome do quadrinho francês. Ele, que nasceu na Tunísia, foi para a França com 13 anos. Na década de 1960, começou sua carreira ao fazer desenhos para o jornal satírico "Hara-Kiri".
Foto: picture-alliance/dpa
Cabu fundou o jornal "Hara-Kiri"
O cartunista Jean Cabut, conhecido como Cabu, foi outra vítima do atentado na redação do semanário. Ele era bastante popular na França e também trabalhou na televisão. Na década de 1960, ele também foi um dos fundadores do jornal satírico "Hara-Kiri".
Foto: picture-alliance/dpa
Duras críticas após charges de Maomé
O diretor do jornal, Stephane Charbonnier, mais conhecido como Charb, defendeu a liberdade de expressão após as publicações polêmicas com as charges de Maomé. Ele ficou famoso por causa da repercussão do semanário Charlie Hebdo.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/Y. Valat
Críticas às religiões e figuras internacionais
O semanário é conhecido por criticar religiões, o presidente da França e figuras políticas internacionais. Na capa, o jornal estampa uma caricatura de Bin Laden com o título "Bin Laden ameaça a França" e um personagem falando "Mais um policial disfarçado".
Crítica ácida às religiões
Em suas edições semanais, o jornal critica não só a religião islâmica, mas também católicos e judeus. Várias capas da publicação já publicaram caricaturas sobre o pedofilismo na Igreja Católica. Nesta capa, que ficou famosa, um judeu ortodoxo empurra um muçulmano numa cadeira de rodas, numa alusão ao filme "Os intocáveis".