No trailer de um documentário da TV estatal, presidente russo admite, pela primeira vez, que ordenou "início do processo para trazer a Crimeia de volta" após uma reunião de alto escalão, quatro dias antes da invasão.
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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, admitiu pela primeira vez ter ordenado a invasão da Crimeia, península que pertence à Ucrânia e foi anexada pela Rússia em 18 de março de 2014. A anexação não é reconhecida pelos países ocidentais.
Num trailer de apenas 55 segundos para o documentário russo Crimeia – o caminho de volta para casa, divulgado nesta segunda-feira (09/03), Putin revela alguns detalhes da operação realizada há um ano e que culminou na anexação da Crimeia. O documentário ainda não tem data para ir ao ar.
O chefe do Kremlin declara que a operação foi iniciada logo após a queda do então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovytch. Deposto pelo Parlamento no dia 22 de fevereiro do ano passado, meses após uma onda de protestos pró-Ocidente na Ucrânia, Yanukovytch fugiu para o leste do país.
"Pedi para virem ao Kremlin os responsáveis dos nossos serviços secretos, do Ministério da Defesa, e confiei-lhes a missão de salvar a vida do presidente da Ucrânia. Do contrário, ele seria liquidado", afirma Putin durante a entrevista para o documentário.
"Era madrugada de 22 para 23 de fevereiro, o encontro terminou às 7h, e, quando eles estavam saíndo, eu disse a meus colegas: precisamos iniciar o processo para trazer a Crimeia de volta para a Rússia", relata o presidente.
Quatro dias depois, em 27 de fevereiro, comandos não identificados e fortemente armados – supostamente russos – tomaram vários prédios do governo e o Parlamento regional da Crimeia, cujos deputados se reuniram às pressas para propor a realização de um referendo.
No dia seguinte, a Ucrânia denunciou a invasão da península pela Rússia, com 2 mil soldados que assumiram o controle de pontos estratégicos. Moscou declarou a região oficialmente anexada em 18 de março, dois dias após a realização de um referendo, com 98% de votos a favor da reunificação. A anexação, porém, nunca foi reconhecida nem por Kiev nem pelos países ocidentais.
No dia em que oficializou a incorporação, Putin afirmou que o referendo na Crimeia ocorreu em conformidade com o direito internacional. "Nos corações e nas mentes do povo, a Crimeia sempre foi e continua sendo uma parte inseparável da Rússia", disse Putin. "Na Crimeia estão os túmulos de soldados russos e a cidade de Sebastopol é a pátria da Frota do Mar Negro", disse.
No trailer do documentário, Putin não revela de que forma Yanukovytch, agora refugiado na Rússia, conseguiu deixar a Ucrânia. Mas disse que foram usadas "metralhadoras de grande calibre, para evitar maiores discussões". "Estávamos preparados para tirá-lo de Donetsk por terra, mar ou ar."
Na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia, regiões pró-russas do leste da Ucrânia iniciaram uma insurreição armada contra o governo em Kiev. Os insurgentes enfrentam tropas ucranianas há dez meses, em um conflito que já resultou em mais de 6 mil mortos. A Ucrânia e os países ocidentais acusam a Rússia de envolvimento direto no conflito, mas Moscou nega as acusações.
MSB/lusa/ap/dpa
Cronologia do conflito na Ucrânia
Um conflito político interno levou Moscou e Ocidente ao período de maior hostilidade em mais de duas décadas. As inquietantes memórias da Guerra Fria retornaram ao noticiário internacional com a crise no leste ucraniano.
Foto: AFP/Getty Images/S. Supinsky
Milhares nas ruas em Kiev
A partir de 21 de novembro de 2013, uma onda de manifestações exigindo a renúncia do presidente Viktor Yanukovytch tomou conta de Kiev. Ao ceder à pressão de Moscou e rejeitar acordo de associação com a União Europeia (UE), Yanukovytch enfrentou a ira da população. Eram os maiores protestos desde a chamada "Revolução Laranja", de 2004. Moscou disse que protestos queriam abalar um governo legítimo
Foto: Getty Images/Afp/Genya Savilov
Repressão gera mais revolta
Yanukovytch se abriu ao diálogo com a oposição. Mesmo assim, a violência policial durante a repressão ao movimento prevaleceu. As unidades "Berkut", conhecidas pela brutalidade, atuaram contra os manifestantes na Praça da Independência e nos bloqueios às sedes do governo em Kiev. Opositores e jornalistas alegavam ser atacados, assediados e perseguidos pelo governo.
Foto: picture-alliance/dpa/Maxim
Banho de sangue em Kiev
Durante quase três meses de manifestações, dezenas de pessoas foram mortas devido à repressão policial. Um dos símbolos dos momentos mais dramáticos na “Maidan", Praça da Independência em Kiev, foi o Hotel Ucrânia, que serviu de hospital, necrotério e base da imprensa. Funcionários contam que, no ápice da violência, corpos se amontoavam no lobby.
Foto: DW/A. Sawitzkiy
A queda de Yanukovytch
No fim de fevereiro, o presidente Yanukovytch fugiu para a Rússia, acusando o Ocidente de alimentar os protestos. Para ele, o acordo alcançado com a oposição não foi cumprido. O pacto definia eleições presidenciais em 25 de maio de 2014 – consideradas por ele ilegítimas - a convocação de um governo de coalizão, a diminuição do poder do presidente e o aumento da influência do Legislativo.
Foto: Reuters
Aumenta tensão militar
Após avanço de militantes com armamento russo no leste da Ucrânia, Kiev acusou Moscou de conduzir uma "guerra". A Rússia começou então, em março de 2014, a tomar bases militares na Crimeia. A Ucrânia preparou a retirada de seus cidadãos da península e disse que autoridades do governo não puderam entrar no território. O Ocidente começava aumentar a pressão sobre Moscou com sanções.
Foto: AFP/Getty Images
Crimeia é anexada
Em referendo realizado em 16 de março de 2014, 96,6% dos eleitores da península ucraniana da Crimeia optaram por integrar a Federação Russa. A participação foi estimada em 82,71%. O Parlamento da Crimeia declarou a independência e pediu a adesão à Rússia. No dia 20 de março, a Duma (câmara baixa do Parlamento russo) ratificou o tratado para incorporação da Crimeia ao país.
Foto: Reuters
República Popular de Donetsk
Em abril de 2014, os separatistas proclamaram a República Popular de Donetsk e ampliaram o domínio sobre o leste do país, ocupando Horlivka. O líder separatista ucraniano Vyacheslav Ponomaryov rejeitou negociações sobre a libertação de sete inspetores da OSCE enquanto vigorassem as sanções da União Europeia contra personalidades públicas russas e ucranianas.
Foto: Reuters
Leste busca anexação à Rússia
Depois de um controverso “referendo”, líderes de Donetsk e Lugansk passaram a buscar a integração ao território russo. No dia 12 de maio, as duas regiões declararam independência. Insurgentes pediram que Moscou anexasse as regiões, mas o governo de Putin se distanciou da ideia. Pró-russos ignoraram acordo para paz e não entregaram armas.
Foto: Reuters
Novo presidente na Ucrânia
Em 25 de maio, o magnata Petro Poroshenko venceu as eleições presidenciais ucranianas já no primeiro turno, com cerca de 55% dos votos. Kiev anunciou intensificação dos combates até “aniquilar" as forças separatistas e recuperar o aeroporto de Donetsk, em um confronto que deixou 40 mortos. A Rússia exigiu cessar-fogo e acusou o país vizinho de usar as Forças Armadas contra a própria população.
Foto: MYKOLA LAZARENKO/AFP/Getty Images
A queda do MH17
Um avião da Malaysia Airlines, que partiu de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur, foi alvejado por separatistas pró-Rússia no dia 17 de julho de 2014. No voo MH17 havia 280 passageiros e 15 tripulantes. A maior parte era de nacionalidade holandesa. Dez dias depois, peritos ainda não tinham acesso aos destroços do avião devido aos combates.
Foto: Reuters/Maxim Zmeyev
Kiev pede ajuda aos EUA
Em setembro, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko (esq.), pediu aos Estados Unidos apoio militar para combater os separatistas pró-russos. Num discurso na Casa Branca, em Washington, ele afirmou que a Rússia é uma ameaça à segurança mundial. "Se eles não forem contidos agora, vão atravessar as fronteiras da Europa e espalhar seu domínio pelo globo", afirmou.
Foto: picture-alliance/TASS/Ukrainian presidential press service
Leste empossa líder pró-Moscou
Em novembro, o chefe interino da chamada República Popular de Donetsk, Alexander Zakharchenko, venceu por ampla maioria as eleições na região rebelde. Lideranças políticas e militares ignoraram que Kiev e grande parte do Ocidente não reconheciam a votação. Kiev acusou a Rússia de estar movimentando tropas e enviando equipamentos às regiões separatistas do Leste.
Foto: Alexander Khudoteply/AFP/Getty Images
Negociações em Minsk
No fim de 2014, o número de deslocados internos chegaram a 460 mil segundo a ONU. Após seis meses de acordos de cessar-fogo violados, i governo da Ucrânia e rebeldes separatistas retomaram negociações de paz em 24 de dezembro de 2014 em Minsk, capital de Belarus. Além do cessar-fogo duradouro, estiveram em pauta a retirada de armas pesadas, a ajuda humanitária e a troca de prisioneiros.
Foto: picture-alliance/dpa
Acumulando fracassos
No início de fevereiro de 2015, confrontos entre as tropas do governo da Ucrânia e separatistas pró-russos intensificaram-se em Donetsk, Lugansk e Debaltseve, na sequência do fracasso das negociações de um cessar-fogo para a região. Debaltseve, sob controle de Kiev, interliga por via ferroviária Donetsk e Lugansk, ocupadas pelos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/A. Boiko
Novo esforço diplomático
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, fizeram em fevereiro uma viagem surpresa a Kiev e Moscou antes da Conferência de Munique, em um novo esforço diplomático. Eles levaram uma proposta baseada no respeito à integridade territorial da Ucrânia. Novos números do conflito foram divulgados: mais de 5.100 mortos e 900 mil deslocados desde abril de 2014.
Foto: Leon Neal/AFP/Getty Images
Longas negociações levam ao cessar-fogo
Depois de horas de negociação em Minsk, chefes de governo da Ucrânia, Rússia, Alemanha e França, além de líderes separatistas, chegaram a um acordo sobre o cessar-fogo no leste da Ucrânia. Foi definida a retirada das armas pesadas da linha de frente dos combates. A Europa aumentou os esforços para a paz especialmente depois de os EUA avaliarem a possibilidade de enviar armas e munição à Ucrânia.