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Putin está usando fornecimento de gás para controlar Europa?

Andrey Gurkov
15 de outubro de 2021

Acusa-se a estatal russa de agravar a crise energética para obter luz verde para o Nord Stream 2. Mas a insistência do presidente russo pela retomada dos contratos de longo prazo leva a pensar em ainda outros motivos.

Trabalhador em meio a grandes tubulações coloridas
Gasoduto Nord Stream 2 tornou-se mais um pomo da discórdia entre Rússia e União EuropeiaFoto: Reuters/M. Shemetov

Há semanas Moscou emite uma mensagem inequívoca à Europa: assinem contratos de longo prazo para fornecimento de gás natural com a Gazprom, e portanto com a Rússia, e não vão ter que se preocupar com energia nem calefação.

Isso se dá no contexto de uma crise de gás natural sem precedentes no mercado europeu. Nos últimos meses, o preço do combustível quadruplicou, tendo chegado, no princípio de outubro, a dez vezes o valor médio de 2020. Em tempos mais baratos, vários fornecedores da Europa Ocidental teriam se garantido no mercado à vista, por preços temporariamente mais baixos.

Especialistas, veículos de imprensa e políticos do Ocidente presumem que a Gazprom agravou de propósito a escassez de energia no continente, a fim de aumentar a pressão sobre a Alemanha e a União Europeia. Seu fim seria obter o mais rápido possível a permissão de funcionamento para o gasoduto Nord Stream 2, no Mar Báltico – e para ambas as tubulações, o que exigiria abrir uma exceção às leis da UE.

Contudo, especialmente depois de o presidente Vladimir Putin fazer propaganda nesse sentido durante a abertura da Semana Russa da Energia, na quarta-feira (13/10), em Moscou, em tom quase de campanha publicitária, sedimenta-se a impressão de que o Kremlin esteja perseguindo uma segunda meta estratégica.

Esta seria convencer os países-membros da UE a abandonarem a livre negociação do gás nas bolsas do mercado à vista e retornarem à antiga prática de contratos de longo prazo com a Gazprom. Reforçando essa impressão, nota-se a insistência com que representantes do alto escalão russos, a mídia oficial e multiplicadores inoficiais nas redes sociais vêm atualmente louvando essa opção.

Putin ataca "espertinhos" da Comissão Europeia

Quem dita o tom e a direção da marcha é Putin, que nunca fez segredo de ser quem determina a política da Gazprom. "Foram os espertinhos da legislatura passada da Comissão Europeia que engendraram um tabelamento do gás no mercado. E aí está o resultado", comentava numa coletiva de imprensa o chefe de Estado russo, ainda no começo de setembro, quando o preço à vista de mil metros cúbicos disparou para 650 dólares.

Um mês mais tarde, em 6 de outubro, com o preço em quase 2 mil dólares, Putin reforçou suas críticas, culpando em especial os peritos britânicos pela decisão e acrescentando que agora, com o Brexit, quem pagaria o pato seriam os consumidores da Europa continental. Poucos dias mais tarde, o embaixador russo na UE, Vladimir Chizhov, repetia o mantra presidencial.

No entanto coloca-se a questão: por que o comércio de gás nas bolsas, tão criticado pelos russos, funcionou sem percalços durante anos, e apenas em meados de 2021 primeiro se desequilibrou, para então praticamente desabar em setembro e outubro? Pois quando os preços se multiplicam no prazo de poucas semanas, isso significa um colapso do mercado.

A carência aguda de gás na Europa tem diversas causas, afirmam especialistas. Entre elas estariam os baixos níveis dos reservatórios europeus após o frio inverno de 2020-2021; a preferência dada a fornecer gás líquido para a Ásia, que paga preços ainda mais altos; assim como o aumento do consumo de gás para produção de eletricidade, após meses de pouco vento e prolongados trabalhos de reparo nos gasodutos da Noruega.

Incêndio nas instalações da Gazprom Pererabotka, um dos alegados motivos para a redução do fornecimentoFoto: Russia Emergencies Ministry/ITAR-TASS/imago images

"A estranha renúncia da Rússia a ganhar dinheiro"

Mas por que a Rússia, encarregada de quase 40% do gás importado pela UE, não fez jus a seu papel de líder de mercado? A Gazprom poderia ter aumentado a oferta no mercado à vista europeu, a fim de satisfazer pelo menos em parte a demanda intensificada – e, de quebra, teria feito excelentes negócios.

Entre outros, Friedrich Schmidt, correspondente do jornal alemão Frankfurter Allgemeinen Zeitung em Moscou, vê motivos inegavelmente políticos por trás da atitude russa. No artigo intitulado "A estranha renúncia da Rússia de ganhar dinheiro", ele comenta que o comportamento do país na crise do gás "coloca os analistas econômicos diante de um enigma".

"O conglomerado Gazprom, sob controle estatal, cumpre seus contratos de longo prazo para fornecimento de gás, mas não aproveita a chance para ganhar muito dinheiro, ampliando seus, até então modestos, negócios no mercado à vista", descreve Schmidt, convencido de que a companhia esteja executando diretrizes políticas do Kremlin.

Então a causa central da atual escassez de gás seria a Gazprom estar efetivamente boicotando o comércio europeu nas bolsas, com o Kremlin se aproveitando da ocasião para secar o mercado à vista da UE e, assim, desacreditá-lo? Será essa a estratégia de Moscou?

Na contramão do Acordo Verde

Para quem escutou Putin com atenção no evento de abertura da Semana da Energia fica claro que foram precipitadas as notícias de que a Rússia pretenderia aumentar seu fornecimento para a Europa. O chefe do Kremlin não falou do mercado (à vista) europeu, ele se referiu expressamente a "nossos parceiros".

Ou seja: somente os signatários de contratos de longa data podem esperar gás adicional. Isso já não é mais uma campanha publicitária, parece antes coerção. E um primeiro resultado já se faz ver: a Hungria acaba de fechar um contrato de 15 anos com a Gazprom.

Se outros países da UE, maiores, retornarem aos contratos de longo prazo com a estatal russa, estaria cimentada pelos próximos anos a posição dominante da Rússia no mercado europeu de calefação e eletricidade, tornando a Europa ainda menos atraente para eventuais concorrentes da indústria de gás líquido.

Por último, mas não menos importante: tais contratos vão na contramão do Green Deal, o ambicioso " acordo verde" da União Europeia de descarbonização e proteção do clima.

Pois os países do bloco estariam comprometidos a importar grande volume do combustível fóssil até meados, ou mesmo fim, da década de 2030, embora as energias renováveis já tenham recebido os esperados e pretendidos incentivos de desenvolvimento na presente década. Mas, ao que tudo indica, essa também é uma meta de Moscou.

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